quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

BIBLIOGRAFIA

Nosso Curso está baseado na seguinte BIBLIOGRAFIA

01 - ALMEIDA, Marcelo – Sartre e a Revolução, in discutindo Filosofia, ed. especial nº 6
2007
02 - ALVES, Rubem - Conversa com quem gosta de estudar. 3 ed. São Paulo: Autores
associados/Cortez, 1982.
03 - ARANHA, Ma Lúcia de A.- Introdução à Filosofia da Educação. São Paulo: Ed.
Moderna, 2003
04 - ARANHA & MARTINS, Ma Lúcia e Ma Helena - Filosofando.3ª ed. São Paulo: Ed.
Moderna 2005.
05 - BASBAUM, Leôncio - Sociologia do Materialismo. 3 ed. São Paulo: Símbolo, 1978.
06 - BOFF, Leonardo - Caderno de Fé e Política n° 14, p. 13. Petrópolis, 1996.
07 - CHAUI, Marilena - Convite à Filosofia. 13ª ed. São Paulo: Ática, 2006.
08 - CIRNE-LIMA, Carlos - Dialética Para Principiantes. Porto Alegre: EIPUCRS,
1996
09 - --------Hegel Acessível - in Filosofia Ciência e Vida nº 06
2007 - COTRIN, Gilberto - Fundamentos da Filosofia. 13a ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
10 - DANTON, Jean – A escola e o mestre, in Discutindo Filosofia , ed. especial nº 06
2008
11 - DARTIGUES, André - O que é Fenomenologia. Rio de Janeiro: Eldorado, 1973.
12 - DELEUZE & GUATTARI, G. e F. - O que é a Filosofia? Rio: Ed. 34, 2000
13 - EWING, A. C. As Questões fundamentais da Filosofia. Rio: Zahar, 1984 13 - FOULQUIÉ,
Paul- O Existencialismo. São Paulo: Difel, 1975.
14 - GADOTTI - História das Idéias Pedagógicas. 5a ed. São Paulo: Ática, 1992.
15 - GHIRARDELLI, Paulo. Caminhos da Filosofia. Rio de Janeiro: DP&A, 2005
16 - JASPERS, Carl - Iniciação Filosófica. 5a ed. São Paulo: Cultrix, 1965.
17 - KNELLER, George - Introdução à Filosofia da Educação. 8a ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1978. 19 - KORSHUNUNOVA & KIRILENK0, L.G. O que é filosofia? Moscou: Ed.
Progresso 1986
18 - OHAN, Walter Omar. Filosofia para criança. Rio de Janeiro: DP&A. 2000.
19______(Org) Filosofia no ensino médio. Petrópolis, Vozes, 2000
20 - LARA, Adão - Revista do SINPRO. Ano I, n° 1, 1990.
21 - LATERZA, Moacir - Filosofia da Educação: Fundamentos. São Paulo: Herder, 1971.
22 - LIPMAN, Mathew - A Filosofia vai à Escola. Summus, 1990.
23 ______ Pensar na Escola. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
24 - LUCKESI, Carlos C. - Filosofia da Educação. Cortez, 1992.
25 - MARCONDES, Danilo - 9ª ed. Rio: Zahar, 2005
26 - MENDONÇA, Eduardo Prado - O Mundo precisa de Filosofia. 11a ed. Rio: Agir,
1996.
27 - MILHOLLAN & FORISHA, Franck e Bill - SKINNER X ROGERS. São Paulo:
Summus, 1972.
28 - MONDIN, Batista - Introdução à Filosofia. 2a ed. São Paulo: Paulinas, 1988.
29 - MORIN, Edgar – Os Sete Saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cor-
tez, 2000
30 - PADOVANI & CASTANHOLO, H. e L. História da Filosofia. 14. ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1984
31 - SCHMITZ, Egídio F. - O Pragmatismo de Dewey na Educação. Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos, 1980.
32 - SEVERINO, Joaquim. Filosofia - São Paulo: Cortez. 1999
33 - SUCHODOLSKI, Bogdan - A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas. Lisboa:
Livros Horizonte, 1992.
34 –TEIXEIRA, Anísio – Pequena Introdução à Filosofia da Educação – São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1975.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

PRESENÇA, IMPORTÂNCIA E UTILIDADE DA FILOSOFIA

CAPITULO 01

A vocação da filosofia é iconoclasta – a quebra de ídolos (Rubem Alves)

PRESENÇA, IMPORTÂNCIA E UTILIDADE DA FILOSOFIA
Presença da filosofia no mundo


Afirmações de Karl Jaspers [1], Eduardo Prado de Mendonça e Carlos Luckesi :

A filosofia está sempre presente. Não pode lutar para se impor, não pode demonstrar-se, mas pode comunicar-se. Não opõe resistência quando é repudiada, não triunfa quando é atendida. Vive equânime no fundo da humanidade, permitindo que todos se liguem com todos. Há dois milênios e meio que se elabora no Ocidente, na Índia e na China, uma filosofia sistemática e de estruturas altamente complexas. Uma grande tradição apela para nós (Jaspers, 1996: 15).
...as idéias não estão apartadas da vida, mas estão na existência como o eixo em torno de que o mundo efetivamente gira”... “os filósofos que julgamos distantes de nós vivem conosco, ao nosso lado e até em nós mesmos, presentes em nossos pensamentos. Nós os conduzimos conosco, sem o saber... “As doutrinas dos filósofos já não vivem nas academias: elas estão nas ruas. Nós as adquirimos sem o saber. Nós as adquirimos num sistema singularíssimo de crediário
[2]: nem sabemos como as adquirimos e nunca sabemos por quanto tempo nem quanto pagaremos por elas.” “Assim como a atmosfera em que vivemos está povoada de seres invisíveis, que aspiramos em nossa respiração sem o saber, a atmosfera de nossa vida de pensamentos está povoada de idéias de filósofos, que fazemos circular sem ter a menor consciência disso. No mais das vezes, o que julgamos ser manifestação espontânea de nosso pensamento, ou expressão do senso comum exprime na verdade resíduos de idéias que se toraram populares, e... se desligaram do seu contexto e de suas origens” (MENDONÇA, 1996 : 9,10,15,47) ...consciente ou inconscientemente, explícita ou implicitamente, quem vive possui uma filosofia de vida, uma concepção de mundo. Esta concepção pode não ser manifesta. Certamente ela se aninha nas estruturas inconscientes da mente. De lá ela comanda, dirige-lhe os passos, norteia a vida. A vida concreta de todo homem é, assim, filosofia. O campônio, o operário, o técnico, o artista, o jovem, o velho, vivem todos de uma concepção de mundo. Agem e se comportam de acordo com uma significação inconsciente que emprestam à vida. Neste sentido, pois, pode-se dizer que todo homem é filósofo no sentido usual da expressão.”(LUCKESI, 1992 : 24)

As citações de de Jaspers, Eduardo P. de Mendonça e Luckesi têm praticamente o mesmo sentido: A Filosofia é como o ar que respiramos, acompanha-nos por toda parte, mesmo que não nos apercebamos disto. Nada escapa a seu afago meigo e universal. É qual mãe bondosa que, mesmo repudiada por filhos desalmados, está sempre presente, para ajudar. Vamos repetir o que já foi dito, quem age, age dentro de uma concepção de mundo, dentro de uma filosofia. Somos todos tributários da Filosofia. No fundo de toda fala e de toda ação, ela está presente. É como os artistas de fantoche, manobrando invisível os cordéis das marionetes. A Filosofia não é arrogante. Não se impõe a ninguém. A História nos atesta que forças poderosas sempre se levantaram contra ela, sacrificando, com freqüência, no altar da ira seus principais representantes (desde Sócrates, passando por Jordano Bruno, Vieira Pinto, Paulo Freire) Leôncio Basbaum, in Luckesi, 1992: 23: “ a filosofia não é de modo algum uma abstração independente da vida. Ela é, ao contrário, a própria manifestação da vida humana... A filosofia traduz o sentir, o pensar e o agir do homem.”. Na p. 315 de sua obra Sociologia do Materialismo, o mesmo autor é mais explícito: “A Filosofia é a concretização de um espírito ou de uma idéia que surge como conseqüência de uma época” A Filosofia é filha da História. Tal a história, tal a filosofia. Por isso, razão teve alguém, quando disse: “Filósofo é aquele que anda com o pé no pó, o coração nos espinhos, ainda que a mente vagueie pelo mundo da abstração” Nicola Abbagnano assevera em Introdução ao Existencialismo: “Há um sentido - e um sentido bastante antigo - em que a filosofia se identifica com a própria existência do homem e em que, como queria Platão - não se pode ser homem sem ser filósofo” . É que o ser humano é multidimensional, multifacetado. É uma soma de qualidades essenciais, e entre suas inúmeras dimensões, suas inúmeras facetas, não pode faltar as da filosofia (mesmo que seja a filosofia no sentido lato, como será explicado em seguida). Antonio Gramsci7 (1891-1937) revolucionou a Filosofia ao afirmar que “todos homens são filósofos” e que “o ser não pode ser separado do pensar” (GRAMSCI, 1995ª : 11 e 70). Até então, a Filosofia era obra de elite. Só os bem nascidos é que se dedicavam a ela. Antes de Gramsci, achava-se que filosofia era uma dádiva dos deuses, encastelada no mundo das .academias, longe do povo. Não é assim. Todos, com um mínimo de sanidade mental, são detentores de uma filosofia, pelo menos no sentido lato, como veremos logo abaixo. Valemo-nos, mais uma vez, das assertivas de Mendonça, p. 15: Inspirado na crítica de Marx ao Idealismo na 11 ª contra Feuerbach em que ele escreveu: “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas o que importa é transformá-lo”. Gramisci afirma o compromisso da Filosofia com a vida quotidiana. Ele nega que a Filosofia seja exercida só pela elite, sendo ela obra de todos os humanos. Para demonstrar esta afirmativa, Gramsci argumenta: a Filosofia está presente na linguagem, no senso comum/bom senso, na arte e na religião, visto que, em todo esse conjunto, “há uma concepção de mundo que o sustenta” Entenda-se: todos os seres humanos são filósofos, embora nem todos possuem condições teórico-práticas suficientes para elaborar sua visão de mundo, sua filosofia. Todos os seres humanos são filósofos, mas, observe-se, poucos são os que se dão conta de que o são. Agem como filósofos sem o saber, pois a filosofia está entranhada nas estruturas inconscientes da mente humana. Como afirmam os pensadores (Platão, Abbagnano, Walter Kohan e muitos outros), a filosofia faz parte do constitutivo da natureza humana. Sem filosofia, o homem retroage ao nível do mero animal.
Podemos reafirmar, portanto, que a filosofia continua, no fundo da humanidade, sua humilde e silenciosa missão de ligar indivíduos e gerações através dos séculos. Sua grande arma é o diálogo informado pelo vigor e pela coerência das idéias, diálogo indispensável para a convivência e plenitudificação da humanidade.
Ainda quanto à presença da Filosofia no senso comum/bom senso, afirmamos com Gramsci: muito embora sejam limitadas suas consciências, os integrantes das classes subalternas agem, transformando o mundo com seu trabalho, o que exige um mínimo de conhecimento. É o núcleo sadio do bom senso que, desenvolvido, é capaz de chegar a uma nova visão de mundo, mais crítica, mais consistente. Esta nova visão de mundo leva à crítica da própria concepção de mundo, buscando a consciência daquilo que somos realmente, realizando em nós o “conhece-te a ti mesmo” socrático[3]
. A oposição à filosofia assumiu e assume, ainda hoje, características ou modalidades diversas. Podem continuar a servir-lhe uma taça de veneno ou a acender-lhe as chamas de uma fogueira... A mofa, o desprezo ou, até, o silêncio constituem, em outras épocas, a tônica do repúdio. Cantam-lhe, então, um réquiem, reconhecendo-lhe os méritos do passado, declarando-a, contudo, inútil na atualidade e completamente extinta, num futuro bem próximo (Conf. Revista do SIMPRO, Ano 1, n. 1, p. 45).

ImportânciadaFilosofia
É engano, altamente prejudicial, achar-se que a Filosofia é pura abstração, que ela cai do céu, que filósofo é aquele que anda na estratosfera, à margem dos trilhos da história. Mendonça (1996: 20) cita Whitehead:
Os filósofos postos em ridículo pelo povo, vivendo entre seus pensamentos inofensivos, é na realidade uma potência terrífica. Seu pensamento tem efeito de dinamite. Ele segue seu caminho, ganha homem por homem e toca as massas. Chega o momento em que triunfa de todos os obstáculos e regula a marcha da humanidade - ou estende um lençol sobre suas ruínas. Eis por que os que desejam saber em que direção está a rota, fazem melhor prestar atenção não aos políticos, mas aos filósofos: o que os filósofos anunciam hoje será a crença do amanhã.

Ainda mais, a Filosofia traduz o sentir, o pensar e o agir da história. É a interpretação e a concretização do sentido e do espírito de uma época. Sem Filosofia, a História não passaria de um amontoado de fatos, perdendo sua condição de mestra da vida, para lembrar a afirmação de Cícero.
As idéias seguintes são compiladas de Ewing[4]. Em seu livro, As Questões fundamentais da Filosofia 1984: 13-16). Ewing começa citando Whitead que, segundo ele, é um dos mais acatados pensadores modernos. Este descreve os dons da Filosofia com sua capacidade de ver e prever, aliada ao valor da vida, ou seja, o aporte de subsídios que sustentam todo o esforço civilizado. Literalmente, Whithead diz o seguinte: “quando uma civilização atinge seu auge sem coordená-lo com uma filosofia, difundem-se por toda a comunidade períodos de decadência e monotonia, seguidos pela estagnação de todos os esforços”. Segundo Ewing, a História está impregnada de acontecimentos induzidos pela filosofia. A título de exemplo, relacionemos os seguintes: 1) a concepção mecanicista do universo[5],.teorizada por Nwton, tem muito a ver com as idéias de Descartes, sobretudo com sua tese sobre a mecanicidade do corpo humano[6]; 2) a teoria da Relatividade e da Física Quântica têm muita ligação com as coordenadas na projeção de Heráclito, Jordano Bruno, Hegel, entre outros; 3) a Constituição dos Estados Unidos é uma aplicação quase literal das idéias de John Locke; 4) as idéias de Rousseau foram decisivas para a Revolução Francesa.
Reforço a convicção de que a Filosofia é muito importante visto estar ela umbilicalmente atrelada à vida; assim podemos dizer que: filósofo é aquele que anda com o pé no pó, o coração nos espinhos, ainda que a mente vagueie pelo espaço. Dito de outra forma: filósofo é aquele que parte da realidade vivida, eleva-se, pelo método da abstração, ao mundo das idéias, e volta depois a esta mesma realidade vivida para confirmá-la e transformá-la. Pode haver algo mais importante do que isto?
Enfim, a Filosofia “é uma necessidade natural do ser humano, pois ninguém pode agir no escuro, sem saber para onde vai e porque vai”.

Utilidade da Filosofia
A propósito da afirmação de que “todo homem é filósofo”, vamos apontar a seguinte distinção. Existe uma filosofia no sentido lato, geral, genérico, usual. Esta filosofia consiste na visão de mundo que norteia a ação do homem, desde os primeiros sinais de seu amadurecimento psico-epistemológico até sua morte. Existe, porém, outra filosofia no sentido estrito, específico, propriamente dito. Filosofia no sentido” científico”. É a esta Filosofia que se refere Jaspers no texto que dá início a estas considerações preliminares. É desta Filosofia que vamos tratar neste Curso.

Observe-se que a filosofia, no sentido lato, é mais importante que a Filosofia no sentido estrito. Entretanto, sem a segunda, aquela se pode perder em um mundo cada vez mais pulverizado em tendências, determinações e ideologias.
Antes de entrar na discussão deste item, desejo colocar o leitor em contato com o constructo “congruência”, criado ou usado exaustivamente por Carl Rogers (1988).
Para este psicólogo norte-americano, a finalidade da educação (ou da Filo,sofia, sem a qual nenhuma educação é possível), congruência é a qualidade da pessoa que está de bem (sintonizado) consigo mesmo, com o outro e com Deus.

Nota-se que estar de bem consigo mesmo é condição prévia para que se venha estar de bem com o outro e com Deus.

Veremos que ser congruente, estar de bem consigo mesmo, sintonizado consigo mesmo é a finalidade suprema da Filosofia.

A filosofia é mesmo útil?

O termo “útil” procede do verbo latino “utor, uti”, que quer dizer usar, gozar de. Usar de determinadas faculdades e bens, para satisfazer às necessidades. A um seguimento de necessidades, corresponde uma faculdade. O homem tem muitas necessidades e, por isso, tem muitas faculdades.

Desde Aristóteles, sabemos que o ser humano é dotado destas faculdades (potencialidades). Umas são externas (os sentidos externos), outras são internas (inteligência, vontade, memória, fantasia, imaginação, afetividade, senso comum, ecológico, senso lúdico, estético, religioso, senso de curiosidade).

Às faculdades externas, correspondem as necessidade externas, como: alimentação, vestuário, moradia, saneamento básico, prevenção e cura das doenças, propagação da espécie; afinal, tudo aquilo que serve de suporte à vida vegetativa (simplesmente biológica). Entretanto, dado que o homem não é um simples animal, a plenitude de sua vida não se restringe à reprodução desta vida vegetativa. Tal reprodução é meio, e não fim da vida humana. Reduzir-se a ação humana somente à produção dos recursos necessários à defesa da vida vegetativa é algo frustrante, sendo talvez um dos fatores preponderantes da angústia de nosso século, desencadeadora de tanta violência.

Tal raciocínio leva-nos a concluir que, além da satisfação das necessidades externas (correspondentes às faculdades externas), temos também de satisfazer às necessidades internas (correspondentes às faculdades internas).

Voltando ao termo “útil”, dizemos que temos o “útil” externo, prático (a poiésis dos gregos), voltado para a satisfação da vida vegetativa, material, e temos o “útil” interno, para a satisfação da vida espiritual que tem tudo a ver com a congruência de que se falou. Expondo de outro modo: entendemos por “útil externo“ tudo aquilo que tem um fim em outro, e não em si mesmo. Por exemplo, uma faca é útil, porque seu fim é cortar; uma caneta é útil, porque seu fim é escrever. Ninguém fará de uma faca ou de uma caneta um objeto estético, isto é, apenas para ser contemplado.

Pelo conceito de “útil externo”, estamos vendo que ele não pode ser considerado como critério por excelência para julgamento dos valores, pois o “útil externo” não tem valor em si mesmo (a não ser para proteção da vida vegetativa), mas só tem valor por aquilo a que serve. O “útil externo” é sempre instrumento, sempre meio, é intermediário, e só vale por aquilo a que se dirige: não vale por si. Não leva àquela congruência mencionada (e que é a finalidade da vida e da e Filosofia). Seu valor é, portanto, dependente e subordinado, pois “não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”.

O conceito de “útil interno”, por sua vez, significa aquilo que tem um fim em si mesmo, colocando-nos diante do aspecto plenitudificativo da vida humana (a congruência). Os atos externos são aqueles que estão dirigidos a um fim externo (a manutenção da vida externa, palpável, quantificável, biológica). Os atos internos são aqueles que estão dirigidos a um fim em si mesmo, definem a vida humana na ordem da perfeição ontológica, pessoal (que leva á congruência), perfeição que é: lúdica, estética, especulativa, amorosa, afetiva, sentimental, ética, moral, ecológica, sacral, religiosa, imanente, livre, cinestésica, etc.

O homem tem necessidade de tudo isto, para seu equilíbrio psíquico (para ser congruente) e até orgânico. Ora, esta forma de existir (desligada do “útil externo”) tem um fim em si mesmo. Ela se cumpre na própria medida em que ela se realiza no próprio indivíduo. “Não tem um fim extrínseco a ele, mas se efetua nele, como um modo de ser fundamentalmente saudável”(MENDONÇA, 1996 : 134).

Vamos insistir, o “útil externo”, prático dirige-se à realização exterior, aos atos que dão suporte à sua vida externa, material, vegetativa; enquanto isto, o “útil interno” dirige-se à perspectiva ontológica, existencial, pessoal do ser humano. Exemplificando: ouvir uma música é ouvir uma música: não tem finalidade externa. É uma vivência indizível, pois se efetua na experiência criativa, que é um estado de existência, um modo de ser diante do belo contemplado na natureza, que molda em seu ser algo de novo e que produz congruência. De certa maneira, somos como que possuídos pela obra de arte. Outro exemplo: a vida moral. Esta se passa numa esfera alheia ao âmbito do “útil externo”. O bem moral[7] é útil não externamente, mas internamente, pois é perfeição, uma realização harmoniosa, congruente, que deixa a pessoa em paz consigo mesmo. Quantas vezes ouvimos: “tenho a consciência de dever cumprido”.
A Filosofia se inscreve não como “útil externo”, mas como “útil interno”.

“A Filosofia procura alcançar um tipo de saber desinteressado... que não está comprometido com nenhuma aplicação prática imediata. É verdade que o homem tem o direito de conhecer para atender para a solução das dificuldades de ordem prática que surgem em sua vida; mas não é só isto, pois ele se engrandece na medida em que se dispõe á investigação das explicações mais profundas, movido pelo desejo de encontrar uma resposta que satisfaça a sua disposição inata de perguntar. Apenas esta satisfação de compreender, apenas esta alegria interior, que parece fazer com que se estabeleça no indivíduo a conciliação dele com ele mesmo, pois na medida em que ele conhece a natureza das coisas e o sentido da existência, uma nova harmonia parece brotar no interior do próprio ser. Neste sentido, ele se reconcilia consigo mesmo, ele se sente poder apoiar-se em si mesmo, ele passa a dialogar com o mundo, porque, então, não é apenas um instrumento ou uma engrenagem da máquina da natureza, mas é um ser, um ser ciente e consciente, um ser no mundo, um ser diante do mundo, um ser capaz de testemunhar e contemplar a existência do mundo. Se ele procura levar a ordem de suas investigações até às últimas barreiras do que é possível conhecer, não é pensando em qualquer vantagem ou finalidade externa: procura apenas responder ao questionário que se impõe por sua curiosidade intelectual, e por seu sentimento moral, que o move no sentido de alcançar uma estabilidade intelectual e emocional capazes de dar-lhe a firmeza do ânimo e a precisão da conduta...”
(MENDONÇA, 1996 : 128-129).

Tudo isto que Mendonça escreveu é claro, no plano dos interesses imediatos, mas não podemos olvidar que, a longo prazo, a Filosofia é o único seguimento do saber humano capaz de resolver os grandes problemas da humanidade.

A Filosofia é mesmo útil?

Como já se afirmou, e não se deve cansar de repetir, a Filosofia está na ordem do “útil interno”. Ela representa o evoluir da inteligência na perfeição de si mesma. Não estando comprometida com a ordem dos interesses práticos, externos, imediatos, ela está credenciada a conhecer, de maneira mais completa e verdadeira, pois sua investigação visa a atingir o conhecimento exaustivo do real, para satisfazer apenas a curiosidade humana de saber. Certa, vez alguém perguntou a Aristóteles para que serve a Filosofia. Ele respondeu de imediato: para nada. Depois ele argumentou que a Filosofia não serve para nada, porque ela não é serva, é rainha. Aristóteles quis dizer que a Filosofia não tem finalidade prática. Entretanto não devemos levar muito a sério esta inexistência da finalidade prática da Filosofia. Ao que já foi colocado nas páginas anteriores, acrescentemos outras explanações de Ewing, p. 16:

... De modo similar, estudos filosóficos por demais acadêmicos e aparentemente destituído de utilidade prática terminam por exercer profunda influência sobre a visão de mundo, chegando até mesmo a afetar, em última instância, a ética e a religião que adotamos. Pois as diferentes partes da Filosofia, os diferentes elementos que compõe nossa visão de mundo, deveriam integra-se... Sendo assim, conceitos, à primeira vista, muito distanciados de qualquer interesse de ordem prática, podem vir a afetar, de modo vital, outros conceitos que envolvem mais de perto a vida diária.

A Filosofia merece ser valorizada por si mesma

Podemos compreender, agora, por que a Filosofia não precisa recear de ter ou não ter valor prático. Devo, ao mesmo tempo, dizer que não aprovo, de modo algum, uma concepção puramente pragmática da Filosofia[8]. A Filosofia merece ser valorizada por si própria, e não por seus efeitos indiretos de ordem prática. E a melhor maneira de assegurarmos seus efeitos práticos é nos dedicarmos à Filosofia pela Filosofia. Para encontrarmos a verdade, precisamos buscá-la desinteressadamente. E o fato de a encontrarmos se revelará muito útil do ponto de vista prático. Não obstante, uma preocupação prematura com seus efeitos práticos só dificultará nossa busca do que é de fato verdadeiro. Muito menos podemos fazer desses efeitos práticos o critério de sua verdade. As crenças são úteis porque são verdadeiras, e não verdadeiras porque são úteis (Ewing, !984 : 16)

A Filosofia é mesmo útil? Vamos concluir com o repto de Marilena Chauí, uma das maiores expressões da cultura brasileira no campo da Filosofia:
Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes (CHAUÍ, p. 18).

4 Médico e pensador, Jaspers foi muito perseguido pelo Nazismo por se recusar a entregar sua esposa Annah Arend, também filósofa, que era judia.
[3] Sócrates adotou como lema de sua filosofia esse dístico gravado no frontispício do templo de Delfos. Procedimento que é a própria realização da filosofia (Kohan, v. VI: 57)
[4] Ewin é prof. De Filosofia da Universidade de Cambrdge na Inglaterra..
[5] Segundo a qual o universo é uma máquina que pode ser explorada até ás raias do sucateamento
[6] Descartes afirmou que o corpo é uma máquina guiada pela alma. A Newton se tornou fácil aplicar esta intuição ao todo do universo. Hoje, felizmente, estamos voltando á concepção orgânica do universo, vigente até a era descarteana, única que nos poderia salvar da catástrofe ecológica
8 A Moral é a parte da filosofia que tem a finalidade de, para proteger a vida, regular as ações entre as pessoas, na tentativa de recuperar a igualdade entre elas.
[8] Hoje quando lemos em Marx que não podemos somente pensar o mundo, entenda-se, Marx nunca propôs a prática pura, mas sim a práxis que é a integração de teoria e prática.


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CAPÍTULO 02

A filosofia é o reduto dos inconformados. Ela tem a convicção de que, para se plantar algo definitivamente útil para a humanidade, é necessário destruir (Geraldo)

Necessidade da filosofia


Sobre a importância e necessidade de filosofia, cabem as seguintes reflexões: vivemos em um mundo de necessidades. Temos necessidades substanciais e necessidades acidentais. Ao nível da substância, necessário é aquilo que não pode deixar de existir. O que pode deixar de existir é acidental, é supérfluo. Para o ser humano é absolutamente necessário que haja não somente comida, vestuário, educação, saúde, lazer, cultura, amor, mas também que se tenha capacidade e oportunidade de filosofar que, como vimos, é um bem interno, sem finalidade prática. Viveria em estado subumano quem vivesse sem se alimentar, sem se vestir, sem morar, sem amar, trabalhar, praticar lazer ... pensar ... filosofar. Isto é, sem suprir as necessidades fundamentais. A vida só tem sentido numa situação de condições mínimas para ser vivida. E a filosofia faz parte dessas condições mínimas. A fome do espírito é tão grave quanto a fome do corpo, na afirmação do Papa Paulo VI na Encíclica Populorum Progressio. Um povo sem filosofia seria um povo muito pobre, muito necessitado, incapaz de assumir-se, de auto-afirmar-se.
1 -A Filosofia é necessária para cimentar a cultura de um povo, protegendo-o melhor do que as armas mais sofisticadas da indústria bélica.
“Silenciam-se os filósofos, e um novo perigo, nos ronda”![1]

Já se tornou lugar comum escrever ou falar que o Brasil não possui uma Filosofia, ainda que tenhamos bons filósofos. Lamentavelmente, ao lado dos desbravadores de nossos sertões, ao lado dos extraordinários demarcadores de nossas fronteiras não perfilou igualmente um grupo compacto de pensadores a delimitar as fronteiras de nosso pensamento. Daí a instabilidade de nossa religião, de nossa educação, de nossa economia, de nossa política, afinal, de nossa cultura. O grande perigo do Brasil não se assinala por seu imenso costado aberto aos predadores internacionais, mas pelo fato de sermos um campo minado de culturas estranhas, com seus flancos escancarados aos “demônios que descem do norte”, para lembrar o título e a temática do livro do jornalista Delcio Monteiro de Lima. Se não tomarmos tento, essas minas que infestam nosso espaço cultural podem entrar em cadeia de explosão e, neste sorvedouro não vislumbrado pelo povo, lá se pode ir de roldão nossa nacionalidade, vale dizer, nossa pátria.

Infelizmente, as armas que podem nos proteger contra os inimigos visíveis, não nos protegem, entretanto, contra os invisíveis. É que os inimigos invisíveis, as ideologias, a violência psicológica só poderão ser detidos pela força das idéias, pelas armas da Filosofia. Na história, temos muitas ocorrências, sustentando esta afirmação. Entre outras, vamos lembrar o exemplo da Grécia. Este país, no século terceiro antes de Cristo, foi vencido pelos romanos. Entretanto, os romanos é que foram vencidos pela cultura grega. Escravos gregos se tornaram mestres em Roma. Tal a força da cultura grega, firmada no embate das grandes idéias[2]

2. A Filosofia é necessária para descobrir e compreender sentido do mundo e do homem, e o lugar que o homem ocupa nele.

Segundo a tradição grega, sobretudo aristotélica, a finalidade da filosofia era buscar as causas últimas e finais da realidade. Hoje, com a descoberta do método científico, começou-se a ver que esta linguagem já está ultrapassada, a menos que se dê outra interpretação para a palavra “causa” “que, no contexto atual, passa a significar: valor, sentido, interpretação. Buscar “as causas” quer dizer, hoje, procurar o sentido cada vez mais largo e profundo do universo, tendo em vista o destino do homem e o lugar que ele deve ocupar neste universo. Este mundo, com suas incertezas, perplexidades e conflitos, obriga-nos a tomar uma atitude - que não vai acontecer corretamente sem a ajuda indispensável da filosofia. “É exatamente porque temos dúvidas e incertezas é que temos necessidade uma filosofia”. (TEIXEIRA, p. 146) O homem se realiza tanto mais, quanto melhor compreender sua realidade.

Para reforçar estas afirmativas, vamos recorrer a autoridade de Antonio Joaquim Severino, em Filosofia, p. 24/25:

O homem não é um fato

Na realidade, a compreensão filosófica da realidade é um fim em si mesmo, na exata medida em que a existência humana, como um todo, é sua meta! Todo o esforço da consciência filosófica na busca do sentido das coisas tem, na verdade, a finalidade de compreender, de maneira integrada, o próprio sentido da existência do homem! Temos, então, de fato, uma nova pragmaticidade: o homem não consegue viver e existir apenas como um fato bruto, ele sente a necessidade inevitável de compreender sua própria existência.[3] Portanto, o esforço despendido pela consciência, no seu refletir filosófico, não é só mero diletantismo intelectual, nem puro desvario ideológico, nem tentativa de representação do mundo para fins pragmáticos. É antes a busca insistente do significado mais profundo da sua existência, sem dúvida alguma, para tomá-la mais adequada a si mesmo.

A especificidade do ser humano

Na realidade, o espírito humano está buscando insistentemente compreender a especificidade da existência do homem, com o objetivo de torná-la cada vez mais plena. Até porque essa compreensão da própria existência ajudará os homens a darem sentido mais coerente ao conjunto de suas outras atividades.

Por enquanto, podemos reafirmar que a forma filosófica de conhecimento apresenta-se como a busca ilimitada de mais sentido, de mais significação. Transforma-se, então, a filosofia num esforço do espírito humano com vistas a dar conta da significação de todos os aspectos da realidade, com a maior profundidade possível e sempre em relação à significação da existência do homem. É a tentativa de compreender o sentido mais radical de todas as coisas, independen-temente da sua utilização imediata. Esse sentido é o modo pelo qual as coisas se apresentam ao “espírito”, modo peculiarmente humano de a consciência se apropriar delas.

A vida humana é a meta suprema da Filosofia. Inquirindo o que é, o como é e o por que é das coisas e dos homens, o que a filosofia pretende é a compreensão, de maneira integrada, do sentido da existência humana. Com este procedimento, a Filosofia nada mais está fazendo do que dar uma resposta ao que a psicologia chama de “instinto de cogitação do sentido da vida e do mundo. A Filosofia não é, pois, passatempo de desocupados, um refúgio de ideologias desvairadas ou o passaporte imediato de ações pragmáticas. Com ela, o homem passa a perceber-se não um objeto entre outros, mas a própria consciência e a própria voz de si mesmo e do universo. Não carece lembrar que, faltando esta consciência da totalidade de si mesmo e do universo, a ação do homem será dispersiva e ineficiente.

3. A Filosofia é necessária para se criticar a realidade

No capítulo quarto trataremos mais detidamente da relação entre filosofia e crítica. Aqui só vamos lembrar que a filosofia é necessária para se aclarar o todo confuso do mundo social, para se denunciarem as alienações escravizantes. Para isso, nada melhor do que perguntar e isto a filosofia faz muito bem. A filosofia leva a sério o que Sócrates dissera: “...uma vida sem perguntas não merece ser vivida...”, a filosofia vive de perguntas, é o que tem de melhor para mostrar” (KOHAN, 2000ª : 28).

Perguntar como processo de hominização[4]

O homem se engrandece na medida em que se dispõe à investigação das explicações mais profundas , movido pelo desejo de encontrar uma resposta que satisfaça à disposição inata de perguntar. Apenas esta satisfação de compreender, apenas a alegria interior, que parece fazer com que se estabeleça no indivíduo a conciliação dele com ele mesmo, pois na medida em que ele conhece a natureza das coisas e o sentido da existência, uma nova harmonia parece brotar no interior de seu próprio ser. Neste sentido, ele se reconcilia consigo mesmo, ele sente poder apoiar-se em si mesmo, ele passa a dialogar com o mundo, porque, então, não é apenas um instrumento ou uma engrenagem da máquina da natureza, mas é um ser, um ser ciente e consciente, um ser no mundo, um ser diante do mundo, um ser capaz de testemunhar e contemplar a existência do mundo. Se ele procura a ordem de suas investigações até às últimas barreiras do que é possível conhecer, não é pensando em qualquer vantagem ou finalidade externa: procura apenas responder ao questionário que se impõe por sua curiosidade intelectual... (MENDONÇA, 1986 : 128-129)

A filosofia é necessária para que não se continue a comer gato por lebre ou a misturar alho com bugalho. É necessária para “desbanalizar o banal”, na expressão de Ghirardelli.
A filosofia é o único conhecimento que nos leva a questionar a realidade presente (comumente injusta e desumana), a questionar os pressupostos de nossa visão de mundo, de nosso conhecimento familiar de que lançamos mão para explicar nossas práticas cotidianas.

Para aprofundar este item, muito nos ajudarão os textos seguintes: Comecemos com a seguinte passagem do livro Filosofia para crianças, de Walter Kohan[5] sobre o método do Prof. Matthew Lipman.[6]

Um dos motivos mais fortes de se trabalhar filosofia com as crianças é o poder que a filosofia tem de formar pessoas críticas. É precioso que Lipman, à maneira de Sócrates, venha considerar
...que a prática da filosofia é substancialmente educativa, na medida em que contribui para formar espíritos críticos, pessoas dispostas a deixar de ter certezas sobre seus saberes e a se colocar atentas para questionar os valores e as idéias que formam suas vidas e as vidas de seus semelhantes. Para os dois, uma verdadeira educação não pode deixar de ser filosófica e uma verdadeira filosofia não pode deixar de ser educativa (KOHAN, 2000 : 22).

A filosofia pode fazer de cada estudante um espírito crítico e razoável, e isso, considera Lipman, nenhuma outra disciplina está em condições de proporcionar” (Kohan, p. 51), pois, como já foi lembrado, perguntar é o que melhor a filosofia sabe fazer: “a filosofia pergunta, desconstrói o aparente e o falso, pergunta, cuida de si e dos outros, pergunta, resiste á ordem instituída, pergunta, outra vez pergunta, sempre pergunta” (Idem, p. 20).

Perguntando, o ser humano se desabrocha, desvela-se como pessoa [7]– o vocábulo pessoa vem do verbo latino personare que quer dizer soar. Pessoa emite som, e este som deve ser ouvido. “(...) O que estou tentando sugerir é que a Filosofia é uma atividade que se dedica a questionar os cenários, as estruturas categoriais, os preconceitos comumente aceitos, sem exame. Na Filosofia o que se busca é questionar o conhecimento familiar de que lançamos mão, para explicar nossas práticas cotidianas...

Não é necessário dizer que quem quer que se dedique a fazer a crítica dos fundamentos do mundo familiar está metido numa atividade que produz ansiedade. Não foi por acidente que Sócrates teve de beber cicuta”. “Fazer com que os homens se sintam inconformados, eis a minha tarefa”, afirmava Nietzsche. A Filosofia não é edificante, reconfortante ou sacralizante. Sua vocação é iconoclasta[8] - a quebra de ídolos”. (ALVES, 1982ª : 74-8 passim). Por sua vez, Ghirardelli afirma que o filósofo, antes de tudo, é um pensador que se dedica a arte do incômodo”[9]

Vivemos num mundo pragmático, isto é, voltado para as coisas práticas da vida, sem questionar os cenários, as estruturas categoriais, os pressupostos comumente aceitos sem exame. Na filosofia, ao contrário, o que se busca é questionar o conhecimento familiar de que nos valemos na aplicação imediata dos conhecimentos. A filosofia é o reduto dos inconformados. Ela tem a convicção de que para se plantar algo definitivamente útil para a humanidade, é necessário destruir, quebrar ícones, ter a coragem de enfrentar o poder, sempre avesso à descoberta da verdade, remover os elefantes mortos da estrada. Vê-se que, neste sentido, a filosofia não encontra muitos adeptos e, ao contrário, é freqüentemente repudiada como sendo uma teoria inútil e, conseqüentemente, perda de tempo.

Entretanto, a filosofia é necessária. Por meio da reflexão é possível que se tenha mais de uma dimensão, ou seja, aquela que é dada pelo agir imediato no qual o homem prático se encontra mergulhado. É a filosofia que permite o distanciamento, para a avaliação dos fundamentos dos atos humanos e dos fins a que eles se destinam, levantando, conseqüentemente, o problema dos valores. É a filosofia que reúne o pensamento fragmentado da ciência e o reconstrói na sua unidade.

A filosofia impede a estagnação e sempre se confronta com o poder, não devendo sua investigação estar alheia à ética e à política. Nesse sentido, tem a função de desvelar a ideologia, ou seja, as formas pelas quais é mantida a dominação. Aliás, atentando para a etimologia do vocábulo grego correspondente à verdade (a-létheia, a-letheúein, “desnudar”), vemos que a verdade põe a nu[10] aquilo que estava escondido; aí reside a vocação do filósofo: o desvelamento do que está encoberto pelo costume, pelo convencional, pelo poder.
Por isso a atitude de filosofar exige coragem. A filosofia não é um exercício puramente intelectual. Descobrir a verdade é ter a coragem de enfrentar as formas estagnadas do poder que tentam manter o status quo, é aceitar o desafio da mudança”. (ARANHA, 1998 : 43).

Podemos aplicar aos filósofos tudo aquilo que Eduardo Prado de Mendonça, na obra O Mundo Precisa de filosofia, na p.128, aplica aos artistas:

são os vigilantes do exército da liberdade, que têm por função despertar os homens dos hábitos automatizados e da visão rotineira de tudo. A eles cabe sacudir o torpor causado pela repetição e profissionalização da vida humana. O filósofo é o antimecânico, pois, na medida que consegue promover esta visão original e desinteressada das coisas, ele contribui para a existência de uma tensão espiritual, que mantém o homem num estado de consciência e liberdade.

Encerrando este item, podemos dizer que Filosofia é o conhecimento daquele que, tendo uma visão de conjunto do sentido radical das coisas e dos fenômenos, sabe separar[11] seus elementos significativos, hierarquizar seus valores, priorizar o humanamente o necessário e secundarizar o que não é necessário. Filosofia é o conhecimento daquele que, em tudo, está procurando o conteúdo silenciado das coisas: nos discursos, nos projetos, nas leis, na literatura, nas artes. Daquele que está à cata das ideologias, da malha de poder que subjaz a qualquer ação humana, - é isto que entendemos por crítica, como veremos no capítulo 04.

A filosofia é necessária para se descobrirem as ideologias - os conteúdos silenciados.
Finalmente, a filosofia é necessária “para que se quebrem os grilhões da escravidão sócio econômico-político-cultural que detém a maior parte da humanidade em situação de menoridade e abjeção”. LARA, Revista do SINPRO, 1990).

Enfim, a Filosofia é necessária em todas as instâncias da sociedade e, sobretudo, da escola para que ela não se estratifique, não se aliene, “não se alie ao comodismo das idéias feitas e dos conteúdos acabados”. A filosofia é necessária para questionar os fundamentos de si mesma e dos outros saberes.

4 - A Filosofia é necessária para se poder transformar a realidade

Na Antigüidade clássica e medieval, pensava-se que a filosofia - e qualquer conhecimento - tinha uma finalidade imanente, isto é, em si mesma. Hoje, quase todos aceitamos que a filosofia - como qualquer conhecimento - possui também, pelo menos a longo prazo, uma finalidade transitiva, isto é, vai além do sujeito que a possui, direcionando-se para a transformação da realidade. “Filosofia é um despertar para ver e mudar o mundo”, ensina Merleau-Ponty. “Filosofia como visão de mundo para a ação”[12].(. É que não basta pensar o mundo. Necessário se toma transformá-lo. Filosofia é a atitude daquele que, mesmo vivendo no mundo da especulação, lança as flechas reflexivas de seu pensamento na direção da transformação do mundo. A filosofia tem hoje a missão de iluminar a prática, da qual não pode estar separada em nenhum instante. Do contrário, não se poderá quebrar o círculo vicioso de idéias gerando idéias, à margem de um mundo sedento de transformação humanizadora. A filosofia deve ser a alavanca da transformação do mundo.

5 - A Filosofia é necessária para mostrar e firmar os fundamentos

Sem filosofia, todo conhecimento e toda ação dos homens são como monumentos edificados sobre a areia. Qualquer vento mais forte os derruba. Nenhum seguimento do saber humano é capaz de fornecer e apontar os fundamentos em que se baseiam o conhecimento e a ação dos homens. Só a filosofia tem esta função. A ciência tem a meta de chegar à verdade sobre a natureza, de estabelecer relação entre teorias e fatos, partindo de hipóteses, através de métodos adequados. Entretanto, verdade, teoria, hipótese, método em si não são questões científicas, mas filosóficas. O cientista parte delas, como questões resolvidas, todavia é a filosofia que as formula e procura respostas para elas. O cientista nem sempre está consciente disto, mas a realidade é assim. O texto de Adão Lara traz mais esclarecimentos sobre esta questão:

.“Outra dimensão da filosofia é aquela que se refere aos fundamentos. Seres humanos que somos, temos necessidade de pisar terra firme, de construir nossa vida, com tudo que ela tem de carência, interesse, aspirações e sonhos, em cima de algo sólido e fundamental. Não somente a casa material que habitamos precisa de alicerce. Também a casa da sociedade e da cultura que produzimos e pelas quais somos, por outro lado, produzidos, levanta-se em cima de alicerces. Chamem-se eles princípios, valores ou razões de existir,[13] nem sempre são evidentes e cognoscíveis à primeira vista. Nas múltiplas atividades da vida e, inclusive, nos variados saberes particulares, eles estão presentes e atuantes, sem que, todavia, sua presença marque a consciência reflexiva, cabe à filosofia evidenciá-los e questioná-los para ajuizar sua validade.

No passado, essa era a questão, à qual se dava o nome de questão metafísica. Hoje, com o descrédito da metafísica, chamemo-la de questão sobre os fundamentos da ordem cósmica e sócio-histórica”.
(Adão Lara, Revista do SINPRO, ano 1, n° 1, 1990, p. 45-47)

6-A Filosofia é necessária para se preservar a ecologia

Nossa avaliação é que a questão ecológica é mais pertinente à filosofia do que à ciência e à técnica. É que o progresso tecnológico, a super valorização da razão instrumental e a proteção da natureza andam na contramão.

Foi depois da invenção da Ciência, a partir do século XVI, e do uso que a tecnologia vem fazendo desta, que o equilíbrio ecológico entrou em crise.

Concepção orgânica do mundo

Restringindo-nos ao seguimento filosófico ocidental, diria que os gregos, instigados pela coruja de Minerva[14], criaram e projetaram, na Idade Clássica e na Idade Média, a concepção orgânica do mundo. Para os filósofos gregos, o mundo era um organismo vivo permeado pela substância divina (pelo sagrado) que é a substância que determina e dirige o desenvolvimento do mundo. Na concepção popular, esta substância era formada pelos próprios deuses e na concepção dos filósofos era o “logos”, a razão. Em ambos os casos, porém, tratava-se do princípio, aquilo que está na subjacência do ser. Ferir a natureza era ferir o próprio homem - síntese do universo. Na Idade Média, em que a exigência do ter não padecia a mesma violência de hoje, em que a ganância do consumismo era mais submissa às exigências do ser, tinha-se o máximo carinho com a terra, considerada a grande mãe. Tão viva era ela, que se tinha a obrigação de lhe dar férias periodicamente. Era o tempo de repouso[15].

Concepção mecânica do mundo

A Idade Moderna, sob o pretexto de eliminar os exageros castradores da idade anterior, chegou ao extremo de trocar a visão clássica do mundo pela visão mecanicista, a visão do sagrado pela visão do profano, do homem e do mundo.

Então começa a bulha: a violência recíproca do sagrado e do profano. No bojo desta visão filosófica nasce a nova ciência (nova?). Um de seus principais protagonistas (Francis Bacon) adiantou a senha:

“Conhecer é poder”[16]. É do mesmo filósofo também o mote da nova ciência: “luta contra a natureza para... domina-la (!)”. Está declarada a guerra. A razão deixa de ser o “logos” orientador dos gregos para se tornar um instrumento de dominação e opressão. Os escombros da visão baconiana estamos descobrindo hoje. Nem mesmo o próprio Bacon, com seu alerta de que só se fizesse isto obedecendo às leis da natureza, conseguiu sustar os efeitos das premissas colocadas. E a terra continua de roldão na voracidade desbragada da nova civilização do ter. Com a revolução industrial, a situação chega a horrores nunca vistos.

Conseqüências da visão mecanicista

Coincidentemente, contemporânea da ciência, nasce a moderna escravidão. Pensamos estarem aqui as mais fortes premissas do desastre ecológico. Se o mundo é uma máquina, podemos sugar-lhe todas as possibilidades, sem nenhuma prestação de contas. Esvaída totalmente, a máquina é transformada em sucatas. De outra parte, se o homem é também uma máquina, vamos explorá-lo até às fezes. Depois abandonemo-lo aos carcomas dos anos e aos miasmas das endemias. Afinal, o novo escravo é negro e não tem alma!...[17] A pretexto de vencer a natureza, escravizemo-la. Da escravidão à destruição é um passo. A terra torna-se um deserto e o mar, a tumba dos africanos do meio-sul!

Missão da Filosofia

Nem tudo, porém, está perdido. Qual fênix, das cinzas renasce a filosofia. Nas fímbrias do horizonte começa aparecer uma outra visão de mundo. Já no fim do século XIX, o neotomismo fez um apelo profundamente clamoroso pela conciliação entre filosofia e ciência, tendo em vista o panorama das ameaças aos ecosistemas que se avizinhavam. Nietzsche (1854 - 1900, na Gaia Ciência afirma que a ciência é uma deusa de pés de barro, atualizando a preocupação de Montaigne (1533 – 1592) que proclamava:a filosofia é a consciência da ciência.

A ciência só explica. Não basta explicar, é necessário compreender que é o papel específico da filosofia. Explicação e compreensão não são termos equivalentes. Explicação é somente o ato de desdobrar a realidade diante de nós, ato de determinar as condições de um fenômeno (Lalande, Compréhension, p. 159): é prender a realidade nas malhas de conceitos lógicos, deixando de lado a realidade total do ser humano. A ciência é exclusivista. Ao contrário, o termo compreensão significa muito mais. Possui uma conotação afetiva e sinaliza o ato de se colocar no lugar do outro, de compartilhar com ele em seu ser e em seu fazer. Nos meados do século findo, o filósofo Joseph Vilatoux insistia que não basta explicar, é preciso compreender.

O Budismo, o Hinduísmo, bem antes, mais recentemente Schopenhauer e atualmente, Emannuel Lévinas, Alberto Schweitzer, Dalai Lama, Edgar Morin, Leonardo Boff[18] têm desenvolvido o conceito de compaixão universal e de uma consciência planetária. No dizer de Boff (Caderno de Fé e Política n° 14):

...não podemos nos entender como seres separados da Terra; nem podemos permanecer na visão clássica [19] que entende a Terra como planeta inerte, um amontoado de solo e de água penetrados pelos 100 elementos que compõem todos os seres. Nós somos muito mais do que isso. Somos filhos e filhas da Terra. Somos a própria Terra que se tornou auto-consciente, a Terra que caminha, como dizia o grande poeta mestiço argentino Athaulpa Yupanqui, a Terra que pensa, a Terra que ama e a Terra que celebra o mistério do universo.
Portanto, a Terra não é planeta onde existe vida... A Terra não contêm vida. Ela é vida, um super-organismo vivente. Falou-se em compaixão. “Ter compaixão significa sofrer junto com o universo, estar junto com a realidade mais doente do universo, respeitá-la. A paixão universal procura a felicidade de todos os seres vivos, não só o ser humano. (idem, ibidem).

A Terra precisa de compreensão. A ciência não é capaz de compreender. Está muito presa aos esquemas lógicos pouco afeitos a coisas do coração. Pouco resolve, diz Boff “decifrar o código genético, descobrir as leis químicas, a composição atômica e subatômica ou até mesmo liquidar com o mistério”. A natureza continuará gemendo e chorando à espera da libertação. Compreender é estabelecer um pacto com tudo que vem ao encontro do ser humano: astros, terra, plantas, animais, homens. Compreender é um fenômeno empático; colocamo-nos em lugar do outro Compreender é sentir-se dentro desta
...totalidade, que é o universo. Todos nós somos parte, parcela de uma totalidade que nos desloca para todos os lados, que é maior do que nós e do qual nós dependemos: do ar que respiramos. do feijão com arroz que comemos, do chão para os nossos pés, em que possamos caminhar descalços sem logo pegar vermes, ou ácidos tóxicos que nos transmitem doenças. Nós temos esse direito, mas as coisas também têm sua autonomia. A pedra tem o direito de existir; o animal que levou milhões de anos para se formar tem o direito de continuar existindo” (BOFF, op. cit. p. 12).

A filosofia é compreensiva. Torna-se mais que urgente colocar em relevo o papel da filosofia diante da ecologia. A ciência só explica. Para explicar, ela se afasta do objeto com a finalidade de melhor relacionar seus fenômenos, quanto a variáveis antecedentes, conseqüentes e interve-nientes. A ciência, com os olhos da razão, só vê a realidade numa teoria que é uma espécie de espelho retrovisor. A filosofia, ao contrário, se aproxima da realidade, abraçando-a empaticamente, realizando assim a etimologia da palavra compreensão, que é: “cum + preendere”. Prender com ... com tudo que temos: razão, memória, imaginação, paixão, afeto, sensibilidade, coração. A filosofia abraça a realidade com um afago meigo e universal
Heidegger, em sua fenomenologia, sinaliza subliminarmente para a necessidade de salvar o mundo para salvar o homem. É que não existe homem sem mundo. Sendo a recíproca verdadeira. Se o homem é a instância de desvelamento do mundo (como afirma Heidegger)[20], aquele depende deste. O homem só é homem com o mundo, ponteia Sartre: Sem o “em-si” não existe o “para-si”. (Sartre). O “em-si” é o mundo, o “para-si” é o homem.

07 - filosofia é necessária para se preservar e fortalecer a democracia

Contemporaneidade da filosofia e da democracia


Filosofia e democracia nasceram ao mesmo tempo. Em abono a esta afirmativa, vamos nos socorrer de algumas assertivas de Cornellius Castoriadis[21]: “Filosofia e democracia nasceram juntas... A sua solidariedade resulta do fato de ambas exprimirem a sujeição da heteronomia”. (Castoriadis, 1992 : 246 e p. 138). “A filosofia foi criada na polis e pela polis e faz parte do mesmo movimento que criou as primeiras democracias” (idem, p. 251). “O nascimento da política é indissociável do nascimento da filosofia” (idem, p. 140 e 137).

Conceituação e qualificação de democracia


Democracia é o melhor regime de governo, por apresentar o mais refinado mecanismo de que o homem pode se servir para expressar sua liberdade que é seu maior bem e para controlar a máquina do Estado, reduzindo assim a servidão. A democracia é o reduto das liberdades e responsabilidades individuais em que os indivíduos são sujeitos autônomos, cidadãos livres, diferentemente dos regimes totalitários em que os indivíduos não passam de sujeitos “assujeitados”, massa de manobra dos poderes dominantes.

Democracia é o regime de governo em que a soberania do cidadão é limitada pela soberania das leis e pela transferência da soberania individual e de grupos aos eleitos legitimamente. Outrossim, a democracia compreende a auto-limitação do Estado pela divisão dos poderes, pela garantia aos direitos individuais e a proteção da vida privada. Além de método de governo, é a democracia, sobretudo, uma virtude da natureza humana, um hábito existencial. Diante destes conceitos, a velha definição de democracia, complementada por Lincoln[22], parece uma logomaquia meio abstrata.

Democracia e conflito

Que a democracia seja consenso, todos sabemos. O que pode estranhar é que ela é igualmente diversidade, dissenso, antagonismo, conflito. E é este caráter substancial da democracia que queremos ressaltar aqui.

“A democracia necessita, ao mesmo tempo, de conflito de idéias e de opiniões, que lhe conferem sua vitalidade. Mas a vitalidade e a produtividade só podem se expandir em obediência às regras democráticas que regulam os antagonismos, substituindo as lutas físicas pelas lutas de idéias, e que determinam , por meio de debates e eleições, o vencedor provisório das idéias em conflito, aquele que tem, em troca, a responsabilidade de prestar contas da aplicação de suas idéias em conflito, aquele que tem, em troca a responsabilidade de prestar contas da aplicação de suas idéias” (Morin, 2000: 108).

A experiência trágica dos totalitarismos vieram ressaltar esta característica da democracia. A democracia compreende e fomenta a diversidade de interesses e de idéias. A democracia deve ouvir o grito das minorias e dos contestadores, por muito desviante e heré- tico que seja. Edgar Morin[23] expressa o seguinte:

“Do mesmo modo que é preciso proteger a diversidade das espécies para salvaguardar a biosfera, é preciso proteger a diversidade de idéias e opiniões, bem como a diversidade de fontes de informação e dos meios de informação (imprensa, mídia), para salvaguardar a vida democrática” (Morin, 2000 : 108)

Continua Morin: “A democracia necessita ao mesmo tempo de conflitos de idéias e opiniões que lhe conferem sua vitalidade e produtividade. Mas a vitalidade e a produtividade dos conflitos só podem se expandir em situação de diálogo”.
Por tudo isto, vê-se a necessidade da filosofia para implementar a democracia.

Democracia, filosofia e educação

Democracia é o regime de governo que emerge de baixo para cima - vem do povo. Também é bom notar que nossa democracia está longe daquela que nós queremos, ainda é algo meio abstrato, muito influenciada pelo poder do dinheiro (seria mais um plutocracia?), mas é a que temos no momento; “ruim com ela, pior sem ela”. A pior democracia ainda é melhor do que a melhor ditadura. A democracia é tão importante, que ela deveria ser guindada a um dos principais mandamentos de qualquer religião.

Como virtude, hábito social e moral, a democracia deve ser ensinada desde o alvorecer da vida das crianças, como acontece com todos os hábitos.

Matthew Lipman, de quem já se falou no item 03, à maneira de John Dewey, é um entusiasta da democracia, parece ter entendido isto muito bem.

Desde Aristóteles, passando pelo Presidente Lincoln, sabia-se que democracia é “governo do povo, pelo povo, para o povo”. Esta definição, entretanto, não passava de abstração, melhor dizendo de uma logomaquia, por lhe faltar um método de aplicação. Dewey veio trazer uma base concreta para esta abstração. Democracia, como já lembramos no cap. 02, é mais que “um método de governo”; é, primordialmente, “um modo de existência associada, uma experiência conjunta e comunicada. Democracia é uma experiência compartilhada” (KNELLER, p. 66). O que Dewey quer dizer é que democracia é o hábito de respeitar e aceitar as experiências alheias, tendo em mira um consenso. Esse hábito, porém, só se adquire com a educação, desde a mais tenra idade. Se a criança não se acostumar a ter hábitos democráticos no seio da família, em sua rua, em seu bairro, no clube, na escola, jamais será ela um democrata. E, não se tendo pessoas democráticas, jamais poderá haver democracia: falta sua alavanca de sustentação.[24]
A propósito, vamos citar algumas reflexões de Walter Kohan:

Se quisermos democratizar nossas sociedades, diria Lipman, é preciso educar nossas crianças na filosofia e democracia... Porque se conseguirmos que elas pratiquem a filosofia em comunidades de investigação deliberativa, então haverá muito mais chances de que elas sejam pessoas razoáveis e democráticas e que, a partir desta prática filosófica e democrática, elas lutem para que as instituições e práticas sociais sejam mais igualitárias e menos autoritárias.
Desse modo, para que nossas crianças sejam democráticas, precisamos envolver-nos em diálogos filosóficos com elas, porque esses diálogos são parte insubstituível da liberação democrática.
...sem a prática da filosofia, as crianças não poderiam ser cidadãos críticos, reflexivos e atenciosos, e a democracia não pode crescer onde há cidadãos acríticos, não reflexivos e pouco atenciosos. Por isso, diria Lipman, se a democracia é desejável, a filosofia é necessária... praticar a filosofia é formar na democracia”
(KOHAN, 2000 : 55-56).

Para finalizar este capítulo, nada melhor do que lembrar Harold Bloom:[25] “uma democracia depende de pessoas capazes de pensar por si próprias. E ninguém faz isso sem ler”. Sem ler filosofia, acrescentamos nós.

O8 - A filosofia é necessária para ajudar o entendimento das outras disciplinas e a personalizá-las em uma totalidade que é a pessoa humana

Cada vez mais ganha terreno o paradigma da interdisciplinaridade[26] e transdisciplinaridade[27].

A filosofia, que tem a função de unir as pessoas pelo diálogo, é mais do que propícia para desempenhar o papel de fomentar a interdisciplinalidade e transdisciplinaridade.
A filosofia é necessária para a totalização e personalização de nossos conhecimentos. Muitos graduados não são pessoas formadas em sua integralidade. Fazem-se portadores de disciplinas, mas não são pessoas competentes e sábias em sua profissão. Tornam-se verdadeiros cabides de conteúdos compartimentados ou uma colcha de retalho: um médico, por exemplo, no dia da formatura, numa haste carrega a biologia, na outra carrega a química, na outra, as propriedades terapêuticas dos minerais, na outra, a contribuição da fitoterapia ou uma especialização qualquer; não são médicos, no muito, estão médicos, portadores que são de dispersivas intuições e apetrechos teóricos da arte curativa; perderam o viés da transdisciplinaridade e se perderam no emaranhado da multidisciplinaridade onde a totalidade do ser humano se evapora. Daí os efeitos colaterais mutiladores de muitas práticas terapêuticas, máxime na alopatia. O que estou dizendo da medicina, poderia dizer de qualquer outra profissão.

Sejamos sinceros, Nietszche tem razão quando disse que a ciência é uma deusa de pés de barro; entendido, a ciência multidisciplinar, não a transdisciplinar. Mas, a propósito, demos a palavra a Edgar Morin, 2000 : 45-47:

... o século XX produziu avanços gigantescos em todas as àreas do conhecimento científico, assim como em todos os campos da técnica. Ao mesmo tempo, produziu nova cegueira para os problemas globais, fundamentais e complexos, e esta cegueira gerou inúmeros erros e ilusões, a começar por parte dos cientistas, técnicos e especialistas.

Por quê? Porque se desconhecem os princípios maiores do conhecimento pertinente. O parcelamento e a compartimentação dos saberes impedem apreender ‘o que está decido junto’... Trata-se de entender o pensamento que separa e reduz, no lugar do pensamento que distingue e une. Não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da análise pela síntese. Existem desafios da complexidade com os quais os desenvol-vimentos próprios de nossa era planetária nos confrontam inelutavelmente.

...O fluxo de conhecimento, no final do século XX, traz nova luz sobre a situação do ser humano no universo. Os progressos concomitantes da cosmologia, das ciências da Terra, da ecologia, da biologia, da pré-história, nos anos 60-70, modificaram as idéias sobre o Universo, a Terra, a Vida e sobre o próprio homem. Mas estas contribuições permanecem ainda desunidas. O homem continua esquartejado, partido como pedaços de quebra-cabeça ao qual falta uma peça... É impossível conceber a unidade complexa do ser humano pelo pensamento disjuntivo, que concebe nossa unidade de maneira insular, fora dos cosmos que a rodeia...do espírito do qual somos constituídos ... As ciências humanas são elas próprias fragmentadas e compartimentadas. Assim a complexidade humana torna-se invisível e o homem desvanece ‘como um rastro na areia’. Além disso, o novo saber, por não ter sido religado, não é assimilado nem integrado. Paradoxalmente, assiste-se ao agravamento da ignorância do todo, enquanto avança o conhecimento das partes.

[1]Com este repto, no Primeiro Congresso Latino de Filosofia da Educação, o então Presidente do Conselho Nacional de Educação, Prof. José Antonio Teixeira, começou seu célebre discurso sobre Anísio Teixeira: de Dewey a Darcy Ribeiro.
[2] Na América Latina, temos o fato dos Astecas e dos Incas que, apesar de possuírem uma alta
cultura superior a dos europeus, não tiveram a mesma sorte dos gregos, pois foram inteira-
inteiramente esbulhados de sua cultura. O que os europeus não conseguiram transportar para
Europa, eles enterraram
[4] O arqueólogo Teilhard de Chardin, na década de sessenta criou esta palavra para sinalizar o
processo de crescimento do ser biológico do homem para a sua plenitude como ser humano. O
filósofo Richard Rorty fala do processo de produção de “versões melhoradas de nós mesmos”.
[5] Walter Kohan é argentino, com doutoramento na Universidade do México, com tese sobre Michel Foucault, é professor de filosofia da educação e coordenador da área “filosofia na escola”, da faculdade de educação da UNB. É presidente do Conselho Internacional para Investigação Filosófica com Crianças e Jovens.
[6] Lipman é um filósofo e educador norte-americano, que apresentou a melhor proposta de iniciação filosófica para criança. Ainda que devamos fazer restrições à sua filosofia que não aponta o vetor da transformação da realidade, não podemos deixar de entoar loas a seu método, por certo, o melhor que a história da filosofia nos ofereceu até o presente momento, segundo afirmação de Walter Kohan, em seu livro Filosofia para criança.
[7] O vocábulo “pessoa” vem do verbo latino “personare” que quer dizer soar,emitir som. Pessoa emite
som, e este som deve ser ouvido.
[8]Por causa desta vocação iconoc1asta, quase todos os filósofos foram perseguidos, de uma ou outra maneira.
[9] Paulo Ghiradelli é mestre e doutor em Filosofia e Filosofia da Educação; atualmente dirige
o Centro de Estudos em Filosofia Americana.
[10] No cap. 05 será encontrada a alegoria do homem nu.
14 Este é o papel frontal da crítica
[12] Note-se que ação não sinônimo da poiésis dos gregos (não é ação sobre as coisas, mas ação sobre as pessoas.). Também não se pode confundir com Práxis, pois ação é só um elemento da práxis enão a práxis toda
[14] Minerva é a deusa da sabedoria e a coruja é o logotipo (símbolo) da filosofia.
[15] Entretanto é bom frisar que foi na Idade Média (em contraste com o mundo grego) que se esbulhou o cósmos do divino que foi localizado estritamente na transcendência, dando início à desastrosa dicotomia “mundo sagrado versus mundo profano” – tudo isto é, a nosso ver, o marco do desregramento ecológico cujo paroxismo macabro estamos vivendo hoje).
[16]Hoje, graças sobretudo à filosofia de Michel Foucault, sabemos que não só saber é poder, mas o inverso também é verdadeiro. Existe uma relação dialética entre saber e poder e poder e saber, isto é, se o saber produz poder, o poder, por sua vez, produz saber. Aliás, segundo o filósofo citado, as relações de poder pervade todas as relações sociais. Nada está imune ao poder, nem mesmo a produção da subjetividade. É a microfísica do poder entrelaçando tudo.
[17]Até o século XVI, pensava-se que o negro (bem como o índio) não era dotado de alma. Isto foi até objeto de consulta ao Papa.
[18] Leonardo Boff é teólogo, filósofo que, de tempos para cá, tem dedicado sua privilegiada inteligência
aos problemas ecológicos, escrevendo várias obras sobre o assunto.
[19] A nosso ver, há um pequeno engano aqui, a visão clássica a que se refere Boff é a visão mecanicista
da Idade Moderna, pois, na Idade Clássica e na idade pré-clássica, a visão era orgânica.
[20] Heidegger é, na opinião de alguns, o maior filósofo do século XX, autor de Ser e o Tempo.
[21] Filósofo grego do século XX, radicado na França.
[22] Aristóteles ensinou que democracia é o governo do povo pelo povo, ao que Lincoln acrescentou a expressão “para o povo”






[23] Em Edgar Morin, não sabemos o que mais admirar em sua multidimensionalidade cultural: se o
filósofo, o antropólogo, o sociólogo, o ecólogo, o cientista político ou o pedagogo.
[24]Walter Kohan emite a seguinte crítica sobre o conceito de Democracia de Dewey: “Resulta notório o acentuado caráter idealista e a-histórico dessa concepção de 'democracia'. Dewey não fala de nenhuma democracia existente, mas de um ideal ético político; não caracteriza como são as relações sociais imperantes em nossa sociedade, mas como deveriam ser... Dewey não assume como parte consubstancial das democracias existentes as exclusões e iniqüidades econômicas, políticas, sociais, culturais, étnicas, religiosas, de idade e de gênero que fizeram partes delas, desde a Atenas de Péricles até a democracia estadunidense. Preso a um industrialismo e cientificismo que faz seus, esse ideal não parece oferecer chances de transformar as sociedades burguesas que o impulsionam” (KOHAN, opus cito P. 49).
[25]A Revista Veja, de 31 de janeiro de 2001, em suas páginas amarelas, trouxe uma entrevista com Harold Bloom, crítico literário norte-americano. O título da entrevista é Leio, logo existo, uma paráfrase do célebre apotégma de Descartes: Penso, logo existo.
[26] Interdisciplinaridade é a contribuição de todas a disciplinas particulares numa função integrada. È
diferente da multidisciplinaridade em que cada disciplina labora isoladamente em seu respectivo
canto.
[27] Transdisciplinaridade se apóia na totalidade da sabedoria humana em que as partes sãosecundarizadas ou vistas em lusco-fusco. Importante é a visão onímoda do todo, isto é o todo vista de todos os lados, inclusive do lado cósmico e do sagrado.

PRESENÇA, IMPORTÂNCIA E UTILIDADE DA FILOSOFIA

sábado, 24 de janeiro de 2009

BOAS VINDAS AOS ESTUDANTES DE FILOSOFIA GERAL

BOAS VINDAS
Prezados discentes de Filosofia Geral neste 1º Semestre de 2009, é com entusiasmo epistemológico que recebo a todos em nosso blog: geraldolopes.blogspot.com
Peço levar a sério este blog, pois é através dele que vamos nos comunicar, enviando textos, exercícios, orientações e recebendo o retorno de vocês. Colocarei oportunamente nas mãos de vocês os textos de minha autoria, em número de doze. Estes textos foram escritos inspirados em vasta bibliografia que passarei a vocês. Vocês deverão ler com muita atenção a metodologia das perguntas, que deverá ser seguida á risca. Em seguida, ler o primeiro texto intitulado,que é o primeiro capítulo do livro que estou escrevendo: PRESENÇA, IMPORTÂNCIA E UTILIDADE DA FILOSOFIA. Lido o texto, formular cinco perguntas sobre o tema do texto - perguntas formuladas de acordo com as orientações apontadas na Metodologia das Perguntas. As perguntas formuladas deverão sder entregues ao professor num espaço de 15 dias a contar da 1ª aula. Tais perguntas são exercícios de aprendizagem (tarefas de casa) e não entrarão na avaliação. sobre o capítulo 02, intitulado: NECESSIDADE DA FILOSOFIA, deverão ser formuladas oito perguntas a ser entregues vinte dias depois da 1ª aula. Quanto aos outros textos, serão postados oprtunamente.
Prof. Geraldo




COMO PERGUNTR EM FILOSOFIA? (Metodologia das perguntas).

(Favor ler com muita atenção)

Como está exarado no Texto Nº 02, Item 03, bem como na exposição sobre Sócrates, filosofar é perguntar, sempre perguntar. Sendo assim, o primeiro passo mais importante em um Curso de Iniciação filosófica, é aprendermos a formular perguntas. Mas perguntar em filosofia é algo difícil, pois, primeiro, só pergunta quem sabe, segundo, a pergunta só é bem feita quando ela tão somente insinua a resposta, sem sugeri-la, muito menos explicitá-la; sugerir a resposta ou, muito mais, explicitá-la, é, como que, entregar o ouro ao bandido. Assim, vê-se que não tem sentido fazerem-se perguntas diretas. Elas só têm sentido quando nascem de um contexto (cenário, matriz, histórico da questão) formulado e que tenha consistência e ligação com a pergunta a ser feita (o contexto deve ter uma extensão de, pelo menos, três vezes maior do que a extensão da pergunta). Ressalve-se que o contexto não é geração espontânea; só pode ser organizado com o conhecimento que o (a) discente já possui. A pergunta, vamos insistir, não pode ser feita a esmo, mas deve ser um produto natural que provenha do contexto e com ele tenha ligação lógica. Daí a necessidade de que o (a) discente veja o conteúdo com uma visão ampla, de conjunto (ex. se estou estudando “essência” em Aristóteles, é necessário que eu veja o que Platão[1] entende por essência). Também é fundamental insistir no que já foi dito, o contexto não pode antecipar a possível resposta da pergunta feita. Observar que, em Filosofia, as perguntas começam, via de regra, com os advérbios: porque ou por quê, como, em que sentido, etc (e não com: fale,explique relacione, etc) A pergunta não deve mandar fazer nada – só perguntar (perguntar não ofende – a pessoa só responde, se quiser; mandar fazer alguma coisa pode ofender). Terminada a formulação do contexto, coloca-se o verbo "perguntar" no indicativo presente (ex.: Pergunta-se).
Segundo Sócrates (modelo máximo de todo filósofo), o papel da filosofia não é responder, mas perguntar. Ah! quer dizer que as perguntas não serão respondidas? Sim, serão respondidas pela Ciência, pela Arte e pela Religião. O professor de filosofia responde ás perguntas, enquanto alguém que estudou um pouco de ciência (nem que seja só no 2º Grau) ou entende um pouco de arte e religião. Em todo caso, bom professor de filosofia é quem sabe transformar as respostas em novas perguntas. De maneira geral, a filosofia só pergunta e a ciência (arte e religião) só responde.
De nossa parte, seguiremos, de modo geral, o modelo socrático (atualizado por Paulo Freire, o maior educador do século XX).
Aliás, é bom saber desde já que não se trata bem de aprender filosofia (missão talvez impossível), mas, segundo Kant, de se educar filosoficamente.
Também vamos observar que nosso Curso é de Filosofia Geral e não de história da filosofia. Se, ás vezes, nos valemos desta, é somente como instrumento de trabalho (ou marcos históricos, sempre mutáveis no evoluir da filosofia) e não como finalidade; esta procuramos explicitá-la nos textos (cerca de doze) editados em nosso blog: geraldolopes.blogspot.com

Mãos à obra. Temos que ler muito. “Leio, logo existo” (Harold Bloom)

PROF./discente GERALDO LOPES

[1] Platão foi mestre de Aristóteles