sábado, 28 de março de 2009

CAP.07 - FILOSOFIA IDEALISTA

CAPÍTULO 07
Ciência sem cônscia é a ruína da alma (Rabelais)
FILOSOFIA IDEALISTA O que é Idealismo? Quando se fala em Idealismo, costuma-se pensar em veleidades, aspirações, desejos ou idéias irrealizáveis[1]. Em filosofia, Idealismo é uma questão muito séria e de altas elucubrações . No capítulo 02, vimos que, no que se refere ao caminho a percorrer, ou quanto ao método, a filosofia se divide em várias escolas, correntes ou tendências. O Idealismo é a primeira destas escolas. Chama-se Idealismo, porque, para ele, a realidade tem como matriz as idéias e o processo filosófico parte é das idéias e a elas se circunscreve. As coisas materiais, ou são expressões das idéias ou dependem das idéias. A nível filosófico, Idealismo é um sistema de idéias. É o primeiro sistema a ser arquitetado na história do pensamento. O que havia anteriormente, por exemplo, em Parmênides, era disperso, desorganizado, por isso, assistemático. Esta temática será mais bem esclarecida na página seguinte.
Origem do Idealismo Já se tem repetido que história é mãe da filosofia. Se isto vale de maneira geral, vale também para as escolas de filosofia. Possivelmente não teríamos o Idealismo se não tivesse havido pelo menos dois motivos que o provocaram. Eis as duas variáveis que o antecederam: a) a dicotomia “uno versus múltiplo”. O povo tinha a seguinte preocupação: diante da diversidade quase infinita da natureza, o povo perguntava intrigado: atrás de tudo isto, não haveria algo unificador? Criando o Idealismo, a filosofia dos dois mundos tão bem ilustrada pela Ale-goria da Caverna, Platão veio dar uma reposta a esta questão. A Alegoria da Caverna será explicada posteriormente. Por hora basta dizer que no mundo sensível (que é projeção do mundo das idéias) existe a diversidade, mas as coisas tão diversas são unificadas no mundo das idéias. Enquanto o mundo sensível é diverso, mutável, passageiro, o mundo das idéias de onde tudo provém, é imutável, perene, eterno, unificador. Criando a teoria dos dois mundos, Platão resolveu o problema. Este mundo terreno, de sombras, é movediço. Tudo muda. Heráclito[2] tem razão. É o mundo da diversidade. O mundo imutável é o das idéias. E como, nesse mundo, estão os arquétipos, os modelos, os manequins de tudo que existe aqui, o problema do uno e do diverso está resolvido. O que existe mesmo é o mundo das idéias. O mundo da diversidade não existe. b) morte de Sócrates. Platão tinha o maior apreço e a maior reverência para com seu mestre. Quando Sócrates foi condenado à morte, ele ficou profundamente revoltado e elucubrava: um mundo que mata um homem tão honesto, tão virtuoso, não pode existir; vamos criar um outro que está tematizado no Idealismo que é o primeiro sistema, corrente, escola, filosofia a ser criada. O termo Idealismo tem como raiz a palavra idéia, no plural idéias que, segundo Platão, são individualidades que nunca mais desaparecerão[3],. as quais seriam os fundamentos, os modelos, os manequins, as matrizes de tudo que existe no mundo sensível. O Idealismo, ao longo de quase dois milênios e meio, de Platão (427 - 347 a.C.) a Hegel (1770-1831 d.C.), apresenta uma variedade enorme de posições. Mas podemos destacar algumas teses que seriam aceitas por todos os seguidores desta escola. Uma é que a realidade, sem excluir, evidentemente, o homem, é de cunho mais espiritual que material. Quanto ao conhecimento[4], também, todos concordariam que ele é predominantemente produto da razão, por isso jorra de dentro do homem, que é sua fonte. Numa linguagem da moda, o conhecimento é construído pelo homem.
Assim, preconizam os filósofos idealistas, que o conhecimento sensível, beira a opinião. No tocante aos valores, todos são unânimes em proclamá-los imutáveis e perenes, já que são projeções das idéias e estas são perenes..
A filosofia idealista nasceu com a dupla, de inolvidável memória, Sócrates e Platão. Como sabemos, Sócrates apesar de ser considerado o mais legítimo mestre do Ocidente, nada escreveu. Platão, seu genial discípulo, foi quem melhor expôs e sistematizou seu pensamento. Esta sistematização foi tão perfeita que Platão é considerado o pai do Idealismo, pelo menos do Idealismo ontológico e objetivo.
Trataremos dos principais tipos de Idealismo. Para tanto, o melhor caminho é apresentar e analisar nomes que são referências necessárias na história do Idealismo. Pensando assim: trataremos destes nomes, na seguinte ordem cronológica: Platão - Santo Agostinho - Descartes - Kant e Hegel.
Deste modo, exporemos, em ordem cronológica; Idealismo platônico ou clássico – Idealismo agostiniano ou medieval – Idealismo descarteano – Idealismo kantiano ou Criticismo e Idealismo hegeliano. Ao final, voltaremos a Hegel, já no último no Apêndice, ao tratarmos da filosofia dialética.
Para a arquitetura do Idealismo, Platão foi impulsionado por dois motivos fortes, como já foi explicitado na p. 94

Ontologia ou metafísica Platônica
1 - Idealismo platônico - ontológico e objetivo
Apesar de alguns historiadores acharem que a filosofia platônica é um realismo, pois - segundo Platão - as idéias seriam realidades externas à mente humana existentes no “topos noetós” - mundo das idéias, esta não é nossa posição. De nossa parte, achamos que toda corrente filosófica que tem como ponto de partida as idéias é Idealismo, e toda corrente filosófica que tem como ponto de partida as coisas palpáveis, concretas é Realismo. Ora, a filosofia platônica parte das idéias, logo, é ela Idealismo.
Já sabemos, pelo cap. 04, que ontologia ou metafísica trata do ser - da realidade subja-cente a todas as coisas, já que as aparências enganam, como o povo diz muito bem: “nem tudo que reluz é ouro”.
Para o pai da Academia, a verdadeira realidade são as idéias. Elas são o substrato de tudo.
Para ilustrar a Teoria das Idéias ou metafísica (ontologia, melhor dizendo) bem como a Teoria da Participação e a Teoria da Reminiscência, Platão criou o Mito da Caverna. Prefiro a expressão: Alegoria da Caverna, que não se presta à confusão, já que alegoria é a maneira simbólica de dizer as coisas. Na Alegoria da Caverna, encontramos três teorias referidas. Teoria das Idéias Teoria da Participação. A Teoria das Idéias será mais bem expressa na exposição da Alegoria da Caverna, logo em seguida. A Teoria da Reminiscência será explicitada melhor quando tratarmos da gnosiologia platônica. Quanto à teoria da participação, vamos esclarecer que todo ser do mundo sensível é participação do verdadeiro ser específico (modelo, forma, arquétipo, essência, idéia) que se acha no mundo das idéias. Podemos, em lugar da palavra participação, usar os termos sombra, projeção, imagem.
Eis o conteúdo da Alegoria da Caverna. Este mundo - diz Platão - pode ser comparado a uma caverna. Nela os homens estão acorrentados, de frente para a parede, não podendo olhar para trás, nem para os lados, devido a uma viseira que lhes estreitam o campo visual.
Esta caverna - se Platão vivesse hoje, certamente falaria de uma sala de cinema - só possui uma abertura para luz, que fica no fundo da caverna. Por esta pequena abertura entra a luz que se projeta no fundo da caverna.
Pois bem, do lado de fora, diante do orifício da caverna estão perfilando as idéias que são as verdadeiras realidades. Ao fazer isto, elas, pela força da luz, se projetam na parede da caverna à maneira de sombra. Neste mundo, os homens só vêem as sombras, não a verdadeira realidade; os únicos que conseguem contemplar o verdadeiro mundo são os filósofos que inconformados com a situação, e num esforço penoso e quase sobrehumano de reflexão, conseguem escalar as paredes íngremes, passar pela pequena abertura e contemplar o mundo deslumbrante das idéias. Voltando ao convívio dos outros homens, e relatando o que viram, para convencê-los a se rebelarem também, são considerados loucos, e são expulsos.

Antropologia Platônica
Quem é o homem? Um ser constituído somente de uma substância espiritual, de uma idéia que vivia a plenitude da felicidade no mundo das idéias. Um dia, porém, este homem cometeu um crime - Platão não explica - e, assim, foi obrigado a se encarnar em um corpo que lhe serve de prisão ou sepultura. Cada ser humano que nasce aqui, no mundo, é uma sombra do verdadeiro homem que está no mundo das idéias. Notar que mundo das idéias se pode traduzir por paraíso das idéias – “topos noetós”.
A terra é o purgatório do homem. Depois de purgar todos seus crimes, o homem voltará ao empírio de idéias, de onde proveio.
Gnosiologia Platônica
No Paraíso das Idéias, o homem possuía todo o conhecimento possível ao ser humano. Encarnando-se, porém, no tempo, seu conhecimento é esquecido; fica sepultado no corpo, ou dormindo nos porões do inconsciente.
Como se faz o conhecimento? Conhecemos recordando - é o método da reminiscência. O educador, usando as imagens movediças deste mundo, desperta no educando o conhecimento adormecido, vai despertando nele os arquétipos - modelos - da verdade, do bem, do justo que estão no Paraíso. Por outra, o homem encarnado não se lembra das idéias, mas vendo as coisas sensíveis e auxiliados pelos mestres, ele vai se recordando ou tem reminiscências das idéias que se encontram na região supraceleste.
Como sabemos pelo capítulo 04, em filosofia, tudo depende da concepção ontológica - metafísica - que se tem da realidade. Segundo Platão, o “ser” verdadeiro não está nas coisas deste mundo, mas fora delas - nas “idéias”. Estas são individualidades, verdadeiras entidades ontológicas - metafísicas - que encerram o autêntico ser das coisas, possuem as propriedades do “ser”, que as coisas mutáveis não possuem; são unas, imutáveis, eternas e não estão sujeitas, nem ao movimento, nem à corrupção.
Dito isto, pode-se, agora, caracterizar as duas espécies de conhecimento em Platão:
1 - Conhecimento sensível, diverso, mutável, passageiro, duvidoso, relativo, não confiável. Afinal, segue as características da realidade sensível. Apesar disto, tal conhecimento é necessário por funcionar como uma espécie de despertador da verdadeira realidade do mundo das idéias.
2 - Em contraposição ao sensível, o conhecimento intelectivo é uno, imutável, eterno, certo, absoluto e fidedigno; pois tudo isto caracteriza a realidade das idéias.

Axiologia platônica
Axiologia trata dos valores, direitos, deveres, responsabilidades, etc.
Aqui também vale o aforismo: tal a ontologia, tal a axiologia. Se na ontologia - metafísica - tudo é perene, aqui também. A estática da realidade causa a estática na Ética - Estética - Política - Jurisprudência e Pedagogia - o que era bom no passado será sempre bom; o mesmo se diga dos conceitos do Belo, do Justo, que jamais mudam.
Sobre ética e política, qual a posição de Platão? Para ele não há distinção entre ética e política; a República, seu livro mais importante e dos mais importantes que já se escreveu, é uma obra tanto política quanto ética. A ética trata das virtudes individuais e a política (Estado) trata das virtudes públicas.
Reale coloca na boca de Platão a seguintes sentenças: “A política é o horizonte absoluto da vida humana, “O homem só pode explicar-se moralmente se se explica politicamente”. Para ele, o homem se realiza na “polis”; quem não é cidadão não é homem e quem não participa do Estado não é cidadão. A política é um dos constitutivos do ser humano. O Estado, por sua vez, deve ser não só o guardião do povo, mas seu educador mor. A educação espiritual é sua função máxima.
Uma crítica à Ética socrático-platônica: a ética é fruto do conhecimento; quem conhece é virtuoso, quem não conhece não é. Posição historicamente insustentável. Aristóteles vai corrigir esta posição, colocando que a virtude é muito mais uma questão de hábito do que de conhecimento.
Idealismo Agostiniano
Mil anos após Platão, depois de a filosofia ter passado por uma enorme crise, acompanhando a decadência da Grécia, surge, no início da Idade Média uma figura de alta grandeza, Santo Agostinho (354 - 430 d.C.).
Dada a grande sintonia do Idealismo Platônico com a revelação cristã, o bispo de Hipona, ao resgatar o prestígio da filosofia, o faz na linha de Platão e não na linha de Aristóteles.
Santo Agostinho seguiu Platão, mas teve de modificá-lo em alguns aspectos, dada a revelação cristã.[5] Entretanto, a metodologia é a mesma: tudo parte das idéias. A história é a expressão externa das idéias que estão em Deus. Só que estas idéias não estão no paraíso - platônico - mas estão em Deus. O homem é composto de alma, que é a imagem de Deus, e corpo que também foi criado por Deus. Enquanto no platonismo o corpo é mau, em Santo Agostinho o corpo é bom, porque criado por Deus. Deus, a perfeição suprema, não pode criar algo mau.
Se as idéias estão em Deus e Deus é a causa de tudo, Deus é também a causa do conhecimento. Este se faz por idéias infundidas por Deus na mente dos homens. A “reminiscência em Platão é substituída pela iluminação”, provocada por Deus.
Sobre Ética, a posição de Santo Agostinho segue também os ensinamentos bíblicos, principalmente os Dez Mandamentos e o Sermão da Montanha (bemaventuranças).
Idealismo Descarteano
Depois de um intervalo de mais de mil anos, dominado pelo realismo aristotélico, chegamos a Renê Descartes (1596 - 1650). Descartes é, com todo mérito, o criador do Idealismo moderno, também chamado Racionalismo, já que, nesta escola, a razão é considerada a fonte única do conhecimento.
Qual então é a antropologia Descarteana?
Desfazendo a unicidade do ser humano, inaugurada por Aristóteles e vigente na 2ª parte da Idade Média, Descartes vai ensinar que o homem é constituído só de um princípio: a alma. O corpo não passa de uma máquina de que a alma (piloto a máquina) se serve para realizar seus desejos. Inspirando-se no célebre aforisma de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”, Descartes vai lançar também o seu: “Penso, logo existo”. O homem é a medida de todas as coisas pela força de seu pensamento. O pensamento é tão poderoso que ele é capaz de criar a realidade. Tudo que é, só o é na medida em que é pensado pelo homem - inclusive o próprio Deus. A seqüência é a seguinte: se eu duvido, eu penso; se penso em Deus, Deus existe; se Deus existe, o mundo existe. O pensamento (a razão) pode tudo. Mais tarde a razão será endeusada. Na Revolução Francesa, será retirada a imagem de Nossa Senhora do altar-mor da Catedral de Notre Dame em Paris, que será substituída por uma imagem de mulher representando a deusa razão.
Se a razão é todo-poderosa, se a realidade sensível é derivada da razão, isto leva à conclusão de que o único conhecimento que interessa é o da razão. Também, o único método de conhecer é o método dedutivo, aquele que parte das verdades gerais intuídas pela razão (ver capítulo 04) e chega às verdades particulares das coisas. Assim, fica escanteado o método indutivo e descartada fica a observação empírica.
Descartes ensina que o homem nasce com idéias “inatas”[6] - daí o Inatismo (Nativismo) -. Basta raciocinar dedutivamente com estas idéias, que se chega ao conhecimento das coisas sensíveis. Outra idéia, e esta devastadora , de inspiração descarteana é a do mecanicismo, implementado depois por Newton. Ele disse que o corpo não faz parte do ser do homem, mas é só uma máquina. O que, porém, vai sedimentar-se no imaginário do povo, é que o homem todo é uma máquina. Já se pode perceber o arraso que esta posição vai acarretar no processo de hominização do ser humano.
Idealismo Kantiano
Kant (1724-1804), é um filósofo alemão de alto vôo. É o maior representante da fase iluminista do Idealismo, do qual ele tentou fugir, mas em vão. Entre os grandes méritos de Kant, está a teoria da Crítica - Criticismo - Apesar da criticidade ser uma característica histórica da filosofia, coube a Kant[7] formular a teoria sobre ela (rever capítulo 05). Outro mérito foi ter criado a Filosofia da Ciência. A palavra “epistemologia”, como filosofia da Ciência, só vai existir a partir Kant. Para criar a palavra “crítica”, ele se inspirou no verbo grego “creinin” que significa separar.
Também se credita a Kant a conciliação entre filosofia e ciência, que tem analogia e relação de efeito com a conciliação entre as posições absolutistas de Newton e as posições ceticistas de Davi Hume[8]
E porque Kant é idealista? Não é tanto no plano da Ontologia que ele muito depreciou. Efetivamente ele afirmou que o homem não pode conhecer a realidade em si (metafísica), mas só os fenômenos É, portanto, idealista no plano da Gnosiologia. Ele quando conclui que o conhecimento das coisas sensíveis só acontece quando a razão cobre estas coisas com suas categorias criadas aprioristicamente. Isto nada mais é do que manter a soberania da razão.
Puro racionalismo! Puro Idealismo. Esta doutrina vai ter influência na educação. Se é a razão que cobre a realidade com suas categorias de entendimento, retrocedemos à posição de Descartes. Basta acionar a razão para termos o conhecimento. Mais uma vez fica de fora a experiência sensível, a indução. Assim, todo o conhecimento é “exprimido melhor de dentro para fora do que despejado de fora para dentro no estudante”. Este mantra é de viés kantiano.
Aspecto importante da filosofia kantiana para a educação[9] é sua concepção ética, que é também, toda ela, comandada pela razão. A lei não vem do mundo, nem de Deus. Nasce no recôndito da razão. É uma lei autônoma e não heterônoma. Os princípios desta moral são os imperativos - concretamente - imperativos categóricos. A fórmula dos imperativos categóricos reflete o caráter formal da moral: “Aja de tal modo que possa querer que essa ação se converta em lei universal”. Em outras palavras: não ajas movido pela utilidade, mas para dignificar a humanidade que está em ti. E em tudo, penses na humanidade, de que és representante legítimo”. Isto é o formalismo moral criado pelo mestre de Koenisberg. Cumprir o dever pelo dever, mesmo que não haja nenhum reforço externo. Este formalismo ético vai provocar o otimismo e o voluntarismo na Educação. A educação pode tudo.
Idealismo Hegeliano
No Apênice, trataremos mais amplamente da filosofia de Hegel, em que especificamente, trataremos da filosofia dialética. Aqui só exporemos alguns pontos de sua substanciosa filosofia.
Hegel (1770-1831) é o último grande filósofo idealista. Ao lado de Marx, foi o genial criador da dialética moderna.
A dialética, resumidamente, é a visão de que o movimento[10] é a substância da realidade. Evocando Heráclito, vai afirmar que tudo é um devir, nada é, tudo está sendo. O movimento da dialética se faz em três etapas: tese, antítese e síntese. A tese do primeiro processo dialético é a Idéia ou Razão. Desta tese tudo proveio através da Dialética, incluindo a instância mineral, a vegetal, a animal, a instância do ser humano e, finalmente, a instância do Estado que seria a síntese mais perfeita da Idéia ou Razão[11].
A esta posição antropológica (lamentável), segue paralela a relevância que ele dá para a filosofia: “A mais alta manifestação do Espírito absoluto é a filosofia , saber de todos os saberes, quando o Espírito atinge a absoluta autoconsciência”.
Outras explicitações sobre o Idealismo
Sendo a realidade mais espiritual do que material, e o mesmo acontecendo com o ser humano, o Idealismo, na educação, dá mais importância ao lado espiritual do ser humano. O Idealismo manifesta um tropismo - impulso - para o interior do homem, sede do espírito, ou para o além, onde se situa o verdadeiro mundo. O ser humano, prescindindo do tempo e do espaço, é o mesmo em toda parte, devendo receber uma educação igualitária. O ser humano é contemplativo, por natureza. Nasceu para conhecer, mesmo que tal conhecimento seja só ornamental, nada tendo a ver com a transformação deste mundo. A felicidade está no conhecimento das idéias, de Deus ou das cabeças iluminadas de homens superiores.
O Idealismo é uma filosofia de alta coerência, e de muito apreço à ontologia que ele julga o maestro da orquestra filosófica, por isso, tal a posição ontológica, tal a posição nas outras partes da filosofia. Na ontologia, ele ensina que a verdadeira realidade está no interior do homem. Daí se dar mais importância às ciências sociais ou humanas, visto elas falarem mais diretamente do homem do que as ciências físicobiológicas ou empíricoformais. O “conhece-te a ti mesmo”, que era a divisa da pedagogia socrática, continua, de certa forma, a meta de todos os idealistas. Não se despreza o conhecimento do mundo material, já que ele tem um substrato espiritual e, por isso, ajuda a despertar o conhecimento racional. De certa maneira, entretanto, o conhecimento continua um produto quase isolado da razão. O método indutivo está descartado.
Crítica à filosofia Idealista
A crítica positiva ao Idealismo já foi delineada no item anterior. Vê-se que o Idealismo traz a vantagem de superar as posturas materialistas, empiristas, positivistas, pragmatistas e comportamentalistas/funcionalistas. Entretanto, este sistema padece de uma compreensão precária do mundo material que, em última análise, não passa de projeção do espírito, não oferecendo condições para o uso do método indutivo, que é o método, por excelência, da pesquisa científica. Como conseqüência do princípio de imanência da realidade ao espírito, existe uma concepção unilateral do mundo. Isto limita o estudo da realidade e não se presta à transformação do mundo e à solução de problemas concretos do homem.
Para maior aprofundamento, ver Bochenski, em Filosofia Contemporânea Ocidental, apud
Mary Rangel em Currículo de 1º e 2° Graus no Brasil. Vozes 1988, p. 23.
Embora válidas e procedentes estas considerações negativas, a crítica mais séria está por ser feita. Na introdução deste ensaio, referiu-se à ineficácia do Idealismo para a satisfação da
natureza humana. Não ajuda no processo de hominização do ser humano. Sua concepção do ser humano é uma abstração. Trata-se de um vício de origem: é um essencialismo absoluto. A antropologia idealista é inteiramente viciada. Está na contra-mão da história concreta do homem. O que ela propõe não tem correspondência neste mundo. O homem - ensina o Idealismo (platônico) - é uma essência que vivia no Empírio de Idéias e que, um dia, por castigo, foi obrigada a assumir um corpo. Este homem não existe. O que vemos no mundo é um ser de carne e osso. Um espírito materializado por um corpo real e comparte do homem indivíduo ou um corpo informado por um espírito que lhe é comparte também na constituição do ser humano.
O Idealismo, como filosofia essencialista[12] que é, estruturalmente, não oferece condições para satisfazer as exigências da natureza concreta e histórica do ser humano. Como uma rede de fios invisíveis (que é a filosofia) pode atingir e colher, em seu regaço, um ser que não é só espírito, mas é, também, matéria sensível e quantificável? Afinal, o ser humano não é um ente que desceu do céu, mas alguém que anda com o pé no pó e o coração nos espinhos, num arquipélago de rara felicidade e num mar de preocupações e não poucos sofrimentos.

Literalmente, eis o que afirma Suchodoski, filósofo polonês: “Esta formação social é fundamental (...) porque, na sociedade do futuro, cada profissão será revestida de caráter social, e cada cidadão tornar-se-á membro responsável da democracia. O problema da formação social deve ser posto no primeiro plano das nossas preocupações... deve ser considerado em toda sua vastidão e ir do conhecimento dos grandes processos sociais do mundo moderno à capacidade de compreender o meio concreto em que se age e vive. (...) No domínio da educação, a tarefa mais importante consiste em transformar as grandes idéias universais e sociais para a vida quotidiana e concreta do homem” (SUCHODOLSKI, p. 133).
E continua o filósofo citado: o Idealismo não está preocupado com a dimensão do existir humano aqui e agora, atendo-se tão somente ao passado e ao futuro. Descartando-se o presente, acaba-se anulando também o futuro, já que o futuro é o que fizermos do presente; sem o presente, o futuro é impensável A sociedade é uma categoria do presente; sem ela, a formação social do futuro não tem nenhum sentido. O Idealismo é uma filosofia que menospreza a prática, a transformação do mundo. Insistindo na importância do passado e do futuro , esta filosofia se esquece que o passado não pode mais ser mudado e que o futuro não poderá acontecer, sem a plataforma do presente. O Idealismo trata de abstrações, e o ser humano é um ser do presente e do concreto. Razão teve Marx, ao considerar a filosofia da essência como: “flores que servem para mascarar os grilhões do homem. A crítica desfolhou as flores imaginárias que cobriam os grilhões, não a fez para que o homem arraste a grilheta prosaica e desoladora, mas para que dela se liberte e colha a flor viva” (Idem, p. 125-126).
[1] Isto é um idealismo com “i” minúsculo.
[2] Heráclito foi o primeiro pensador a afirmar que a realidade é mutável, que o movimento é sua
essência e o primeiro a insinuar que a contradição é o motor (ou o criador) do movimento.
[3] Segundo Platão, o mundo das idéias é abeterno (criado, não se extingue jamais, ao contrário do
mundo dos sentidos que é perecível.)
[4] Conforme a filosofia socrático-platônica, o conhecimento se faz por reminiscência ou rememo-
rização. É que o ser humano nasce sabendo, mas, dado que o nascimento é como uma sepultura que
encobre também as
idéias, é necessário acordá-las.
[5]Segundo Platão, Deus não criou o mundo: este é obra dos demiurgos (deuses intermediários).
[6] Descartes rejeita as idéias adventícias que serão defendidas depois por J. Locke. Interessante notar
que inatismo e nativismo tem o mesmo significado, apesar de etimologicamente estarem oposição
[7] Por muitas décadas, a Ética kantiana foi considerada o máximo: uma ética muito diferente da que vigorou na Idade Média (que tinha como matriz a religião, e muito diferente da ética hegeliano-marxista, que tem como matriz os embates travados na História (a História é a mãe da Ética). A Ética kantiana, fruto do imperativo categórico é, na verdade, bem superior às éticas anteriores, mas sendo a histórica, não foi feita para os homens, mas para anjos. Carrega o vezo do voluntarismo, próprio da filosofia idealista agostiniana, e do racionalismo, hábito nefasto de querer resolver tudo pela razão.

[8] Depois de Kant surge a senha da conciliação: filosofia e ciência devem ser como os dois trilhos de uma linha de trem de ferro; os trilhos se afastando ou grimpando, a máquina descarrilha. Afinal, são dois seguimentos do saber que, tendo seu estato próprio e sua individualiade própria, devem colaborar um com o outro. Quanto a Newton e Davi Hume, Kant pondera: Davi Hume tem razão, pois o conhe-cimento sensível não é confiável; por sua vez, Newton também tem razão, pois o conhecimento do movimento macro é imutável. O universo – diz Newton - é como um relógio que não adianta nem atrasa. Também, para Newton, o conhecimento metafísico era possível e, se possível, deve ser imu-tável.
Por tudo isto, Kant promove a conciliação entre Racionalismo e Empirismo. O Racionalismo reduz a realidade ao pensamento ou à razão, a razão pode tudo, o Empirismo reduz tudo à experiência sensível – fora desta experiência, nada. Por outras palavras, segundo o Racionalismo, tudo que conhecemos vem de nós e, do nosso espírito. Em contra posição, segundo o Empirismo, tudo que conhecemos vem da experiência sensível.
[9] Em pedagogia, Kant começa a introduzir idéias dialéticas que depois serão aproveitadas por Hegel.
Vai sugerir ele que a educação se faz por opostos: o conhecimento intelectivo só acontece em opo-
sição ao conhecimento sensível, o filho só se educa contra o pai, o aluno só aprende contra o
professor, o indivíduo só se torna cidadão contra o Estado
[10] No fundo, a dialética é uma metafísica, pois é uma visão da realidade, só que a realidade não é
estática, mas em contínuo movimento como ensinara Heráclito.
[11] Esta visão do Estado é um desastre, pois fere profundamente sua antroplogia.. Senão vejamos. A dialética, como o já colocado, é um processo de tese, síntese e antítese. A tese primeira é a Idéia - o Deus dos cristãos. Desta idéia tudo proveio pelo processo dialético, inclusive o homem. Mas diferentemente de tudo que se pensava anteriormente, seguindo o paralelismo bíblico, Hegel estabelece um corte neste paralelismo. Enquanto a Bíblia diz que o homem é a imagem de Deus, portanto a síntese mais perfeita que pode existir, o criador da Dialética vem, pelo contrário, afirmar que a síntese mais perfeita não é o homem, mas, sim, o Estado. Precisamente: O homem é uma faísca que se desprendeu da idéia e que, no mundo, se absorve no Estado, como a gota d’água no Oceano. Está aprontada a bulha. Começa o reinado sombrio da massificação. O homem não é mais que uma peça na engrenagem do Estado. Está compulsoriamente a serviço do Estado, queira ou não. Este pode explorá-lo até as raias do absurdo. Depois o deixa morrer à mingua nas filas dos institutos da previdência, encharcado de doenças. Adeus identidade, individualidade, personalidade do homem. O que vemos é só massa. Vê-se que esta posição de Hegel, sobretudo para a educação , é devastadora, pois a finalidade principal da educação seria preparar o cidadão para servir ao Estado. Qual a finalidade da educação? Preparar o homem para servir ao Estado. Certamente não deixou de ser inspiração de Hegel, ao reverso, o que Geraldo Vandré escreveu em sua canção na década de 60: “Há soldados armados, amados ou não. Quase todos perdidos de armas na mão. Nos quartéis lhes ensinam antigas lições. De morrer pela Pátria e viver sem razões.

[12] Filosofia essencialista é aquela, melhor aquelas que, no fundo, só tratam de essências. Elas estão
desvinculadas da realidade concreta, como veremos.

terça-feira, 3 de março de 2009

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO (CAP. 06)

CAPÍTULO 06

O filósofo é crítico; embora não seja desesperado da verdade, recusa todas as certezas (Rouanet)

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO

Ao final do capítulo III, afirmamos que não se trata propriamente de aprender filosofia, mas de se educar filosoficamente. Esta afirmativa já aponta a íntima relação entre Filosofia e Educação. São irmãs gêmeas. Nasceram ao mesmo tempo. Sempre tiveram o mesmo objetivo: proteger e desenvolver a plenitude da vida. Com efeito, Filosofia e Educação sempre andaram juntas desde os primórdios da Filosofia e da Escola: “uma, como interpretação teórica das aspirações, desejos e anseios de um grupo humano; a outra, como instrumento de veiculação dessa interpretação”. (LUCKESI, 1992 : 32).
(...) “Assim sendo, não há como se processar uma ação pedagógica sem uma correspondente reflexão filosófica. Se a reflexão filosófica não for realizada conscientemente, ela será sob a forma de ‘senso comum’, assimilada ao longo da convivência dentro de um grupo. Se a ação pedagógica não se processar a partir de conceitos e valores explícitos e conscientes, ela se processará, queiramos ou não, baseada em conceitos e valores que a sociedade propõe a partir de sua postura cultural.
Quando não se reflete sobre a educação, ela se processa dentro de uma cultura cristalizada e perenizada. Isto significa admitir que nada mais há para ser descoberto em termos de interpretação do mundo. É propriamente a reprodução dos meios de produção.[1] (...) Nas relações entre Filosofia e Educação, só existem duas opções: ou se pensa e se reflete sobre o que se faz, e assim se realiza uma ação educativa consciente; ou não se reflete criticamente, e se executa uma ação pedagógica a partir de uma concepção mais ou menos obscura e opaca, existente na cultura vivida no dia a dia, e assim se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência”. (idem, p. 32)
Essa ligação entre Filosofia e Educação, é uma constante a partir de Sócrates. Este educador - considerado o maior mestre do Ocidente - mantinha tanta intimidade com a Filosofia, que criou um de seus mais importantes ramos - a antropologia. Seu método didático da “maiêutica” decorre de sua convicção filosófica de que as idéias estão adormecidas no interior das pessoas, devendo ser despertadas pela ação pedagógica.
Em Platão, não saberíamos distinguir bem o filósofo, do educador. Ele, ao lado de Isócrates, é apontado como criador do tipo de escola que temos até hoje e que, em sua prática pedagógica, Platão chamou de “Academia”. Este filósofo escreveu a República, que é considerado um dos mais importantes livros de pedagogia de que se tem notícia.
Aristóteles, em sua obra Arte Retórica e Poética, trata profundamente da educação. O mesmo se diz dos pensadores romanos: Cícero, Sêneca, Quintiliano, Plutarco, para citar os principais.
Entre os filósofos medievais, lembramos Santo Agostinho com seu De Magistro e Santo Tomás de Aquino que, no século XIII, escreveu, com o mesmo título, uma importante obra pedagógica.
Todos os filósofos foram educadores. É o que podemos constatar, pelo menos, até o século XIX. Além dos nomes lembrados, poderíamos continuar a lista, sem excluir: Locke, Kant, Rousseau, Hegel, Marx, Gramsci, Vieira Pinto, Anísio Teixeira, Paulo Freire e Saviani.
Essa intimidade só veio a se enfraquecer com a criação das chamadas “ciências sociais e humanas”, a partir do fim do século XVIII.. De fato, estas são indiscutivelmente indispensáveis à educação e só se tomam intrusas quando se arrogam o direito de substituir a filosofia. É assim que comçam a aparecer os “sociologismos”, os “psicologismos”, os “biologismos”, os “economicismos”, etc.
Filosofia e Educação estão ligadas. Fato que leva Walter Kohan a afirmar a propósito do Projeto de filosofia para criança de Mathews Lipman: “Concordamos com Lipman em que tanto a filosofia é uma dimensão insubstituível da educação quanto a educação é uma dimensão in-substituível da filosofia. Sem sua projeção educacional, a filosofia se torna vazia; sem sua dimensão filosófica, a educação se torna cega”. (KOHAN, Opus cit. p. 120).
Em vista disto, Luckesi também conclui: “Não há como fugir dessa ‘fatalidade’ da nossa existência. Assim sendo, parece-nos mais válido e mais rico, para nós e para a vida humana, fazer esta junção de maneira consciente, como bem cabe a qualquer ser humano. É a liberdade no seio da necessidade”. (LUCKESI, Opus cit, p. 33).
O fenômeno educacional, do ponto de vista epistemológico, é muito complexo. Em sintonia com os textos transcritos, podemos dizer que não é possível tratá-lo do mesmo modo como é tratado nas ciências. Estas não possuem um acervo categorial para a construção/apreensão de seu objeto. A aproximação do fenômeno da educação exige uma abordagem no mínimo interdisciplinar (hoje caminhamos para a transcultura e a transdisciplinaridade). Esta interdisciplinaridade (transdisciplinatidade) é tecida pela reflexão filosófica. A filosofia não substitui os conteúdos significantes elaborados pela ciência. Ela, como que os articula, instaurando uma comunidade construtiva de sentido, gerando uma atitude de abertura à interdisciplinaridade (transdisciplinaridade).
Apesar da clareza e contundência dos argumentos aqui exarados para mostrar o casamento natural entre Filosofia e Educação, vamos colocar três linhas de raciocínio, além da história que já foi largamente lembrada.

Questão temática e teleológica
O objeto tanto da Filosofia como da Educação é o ser humano. Ao tratar de outros temas, sua preocupação é o homem. Na perspectiva do homem, ambos tratam da realidade no aspecto da totalidade, radicalidade e criticidade.
Para ambas, estão sempre presentes as indagações: o educando, quem é, o que deve ser, qual seu papel no mundo; a sociedade, o que é ? O que pretende? Qual deve ser a finalidade da ação pedagógica? Estas são indagações que emergem da atividade educacional dos povos para a reflexão filosófica, no sentido de que estabeleça pressupostos para aquela.
Um desses pressupostos - e o mais importante - é saber que tipo, que imagem de homem eu pretendo conseguir em minha prática educativa. Sabemos que as ciências particulares não são capazes de fornecer uma íntegra e autêntica imagem do homem. Senão vejamos: a Física só está preocupada com a força que, no homem, provoca o movimento; a Química está preocupada com a constituição dos corpos; a Biologia só se interessa pela estrutura e vitalidade das células; a História está preocupada com as ações do homem no tempo; a Geografia com as ações do homem no espaço; a Sociologia, com as ações entre as pessoas e grupos; a Psicologia, com a estrutura e comportamentos psíquicos das pessoas; a Economia, com a sobrevivência material dos povos. E assim por diante.
Inventariadas todas as contribuições das ciências, o que temos? Um aglomerado de pe-daços da imagem do homem, não o homem em sua dimensão integral ou seja, um homem pela metade, um mostrengo de homem.
As ciências humanas têm status próprio na Pedagogia. Status soberano e não subalterno. Acontece, porém, que só a filosofia no seu impulso de visão total, onímoda, “holística” pode fornecer uma imagem integral do ser humano. Esta idéia da importância da filosofia para a Educação é tão cristalina que Anísio Teixeira[2] não teve pejo de declarar: “Creio que em educação sempre haverá mais necessidade de filosofia do que de ciência”. (PAGANI, p. 19). O mesmo Anísio, em 1950, diz mais ou menos o seguinte a propósito da formação de professores:
“Contudo, antes de formar bacharéis, seria necessário formar ‘pequeninos Sócrates’, isto é, crianças e jovens que não apenas fossem talhados para o trabalho profissional, como também tivessem aguçada sua inteligência para que compreendessem as ‘incertezas do mundo complexo e mutável’, desenvolvessem a tolerância e contribuíssem para o enriquecimento e o ‘progresso da existência humana’ (PAGANI, 22).[3]
Anísio Teixeira foi discípulo de Dewey, um dos criadores da filosofia pragmatista, que tentou introduzir na educação brasileira. O texto citado dá a entender que Anísio absorveu bem a filosofia pedagógica do grande educador norte-americano.
Walter Kohan, em sua vasta obra de defesa da filosofia para crianças, recorre com freqüência ao pensamento de Dewey. Vejamos algumas passagens:
“ Ele propôs considerar a escola como um espaço de construção social do pensar e de formação e exercício da capacidade de julgar das crianças e não como um lugar de transmissão de conhecimento... Neste sentido, o melhor que uma escola pode fazer por seus alunos é desenvolver sua habilidade de pensar”. E conclui Kohan: “Para Dewey, existe uma disciplina que cultiva o pensar, no que o diferencia do conhecer, a filosofia[4]
Sobre a relação entre filosofia e educação, muita coisa Matheus Lipman tem a dizer, além do que já foi colocado a propósito da interdisciplinaridade. É o que veremos:
“Há um século e meio atrás, Eduardo Hanslick formulou sua famosa tese de que a música é única entre as artes, porque, na música, forma e conteúdo são uma só coisa. Seja como for, pode-se efetivamente argumentar que a filosofia é a disciplina cuja forma e pedagogia são uma só coisa. Até onde isto for assim...a filosofia fornece um modelo formidável para o processo educacional como um todo”
Até a pouco tempo discutia-se o acerto do método ontogenético em que se colocava a antinomia: forma ou conteúdo? Sujeito ou objeto?[5]
A finalidade da escola é formar investigadores[6], entretanto...
“O estudante que aprende apenas os resultados da investigação não se torna um investigador, mas um estudante instruído. Esta alusão aponta para um dos propósitos educacionais da filosofia: todo estudante deve tornar-se um investigador. Para a realização desta meta não há melhor preparo que o que é dado pela filosofia... A educação nas outras disciplinas não envolve tanto conhecimento quanto aprender, quanto aprende a pensar uma disciplina – pensar historicamente, fisicamente, antropologicamante, matematicamente, etc. A filosofia implica aprender a pensar sobre uma disciplina e, ao mesmo tempo, aprender a pensar autocorretivamente sobre nosso pensar”. (LIPMAN, 1990 : 59)
Para maiores esclarecimentos sobre este tema, recomendamos o livro de Mathew Lipman, A Filosofia vai à Escola, sobretudo o capítulo 03
Um princípio em que muito vamos insistir é que: tal a antropologia, tal a pedagogia - tal o princípio antropológico, tal o princípio pedagógico. Conforme a concepção que eu tenho do homem, assim será a instrumentalidade que devo usar para educá-lo. Repetindo, tal o tamanho do homem, tal será o tamanho da educação. Exemplo: se o homem é só um animal, vou educá-lo como animal. Se é um anjo, vou educá-lo como anjo. Sem a contribuição da Filosofia, a educação será um aparato inútil: é como uma rede de náilon para pescar baleia ou uma rede de tarugo para capturar borboletas. Alguém me promete como presente de Natal um filhote de pequinês; construo um canil apropriado; eis que no Natal, recebo um buldogue adulto; onde vou abrigá-lo ?
Outro pressuposto para a educação é a questão dos conceitos, das categorias. Não é a ciência que cria os conceitos e as categorias. Esta criação é obra da Filosofia. Como se pode falar de educação sem o domínio de conceitos, tais como: conhecimento, sujeito, objeto, essência, existência, natureza, substância, acidente, finalidade, etc.
Outro pressuposto para a educação - dominar as habilidades de pensamento, de investigação. A educação exige tais habilidades e só a filosofia poderá fornecê-las.
Outro pressuposto - a interdisciplinariedade. É necessário todo esforço para eliminar o “fantasma diplomado”. Nada de preparar o aluno para se transformar, no fim do curso, numa espécie de cabide de conhecimento. Numa haste do cabide está uma disciplina, noutra haste, está outra disciplina, naquela outra mais uma disciplina. Temos ao final, não um ser humano integralizado, em que as disciplinas estão assimiladas e encarnadas, mas, sim, um “espantalho” fantasiado de conhecimentos. Conhecimentos estanques que se perdem logo depois da azáfama da formatura.
Pois bem, só a Filosofia pode contribuir para a integração destas disciplinas na formação do homem integral, onímodo, “holístico”, sábio, douto, culto e consequentemente preparado para exercer uma profissão.
Ratificando estas posições, oferecemos a transcrição de outra importante obra do professor Lipman, intitulada O Pensar na Educação, p. 381:
“A filosofia estimula o pensamento nas disciplinas, pois assume a responsabilidade de ensinar os aspectos genéricos do pensamento, que ocorrem em qualquer disciplina, e porque é um modelo daquilo que significa para uma disciplina refletir sobre e (sic) ser crítica da sua própria metodologia. A filosofia sempre considerou axiomático que o curso não analisado não merece ser dado, apesar de, muitas vezes, não ser capaz de funcionar de acordo com os seus axiomas.
A filosofia estimula o pensar sobre as disciplinas, pois um dos seus principais métodos de operação é a “filosofia” do curso: a filosofia da matemática, a filosofia das ciências sociais, a filosofia da linguagem e assim por diante. Na realidade, a “filosofia do curso” freqüentemente revela aspectos inerentes à metodologia de uma disciplina, sobre a qual os profissionais daquela disciplina não têm plena consciência.
A filosofia estimula o pensamento entre as disciplinas, a fim de impedir o provincianismo, que, muitas vezes, acompanha a especialização profissional. A mente superespecializada é o que há de pior na vida acadêmica, e precisamos da persistente advertência interdisciplinar, que a filosofia representa, para fazer com que percebamos que aquilo que ocorre nas linhas divisórias entre as disciplinas é, no mínimo, tão importante ao que acontece dentro delas.
Finalmente, necessitamos da inflexão da filosofia em relação à questão que, quando falamos de investigação, não nos referimos somente à investigação científica, e, quando falamos de metodologia, não nos referimos somente à metodologia científica. Existem também as investigações artísticas, humanísticas, filosóficas[7], profissionais - cada qual com sua própria dimensão metodológica. Os alunos precisam se familiarizar com toda esta dimensão ou ordem das coisas e não apenas com alguns dos seus elementos”.

Questão metodológica
Como já se lembrou, a filosofia é a expressão dos anseios e dos desejos, das aspirações de uma época, e a educação é meio para veicular estas aspirações. Quer dizer que a educação é o método da filosofia.
De outra parte, somente a filosofia é capaz de resolver os aspectos fornecidos pelas ciências humanas e constituir uma totalidade que não se resume na soma das partes. A filosofia leva à articulação dialética dessas partes, entre si e com o todo, sem perder sua especificidade, ao totalizar, ao unir, ao relacionar.
O fenômeno educacional é muito complexo. Não é possível tratá-lo do mesmo modo que é tratado nas ciências. Como se afirmou anteriormente, estas não possuem um acervo catego-rial para a construção/apreensão de seu objeto.
A aproximação do fenômeno da educação exige uma abordagem multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, como também já foi lembrado. Ora, tudo isto é tecido pela reflexão filosófica. A Filosofia não substitui os conteúdos significadores, elaborados pelas ciências. Ela como que os articula, instaurando uma comunidade construtiva de sentido, gerando uma abertura à intersubjetividade. A educação é um fenômeno não só objetivo, não só subjetivo, mas intersubjetivo.
Encerrando este capítulo, poderíamos dizer que, se a educação é o método genérico da filosofia, esta, por sua vez, é o método genérico das ciências, isto por causa de sua largueza totalizante, podendo, assim, formular hipóteses de mais longo alcance, levando a uma visão mais abrangente e integrada do ser humano - Tudo isto é uma questão de método. Encerrando esta primeira parte de nosso ensaio, damos por finda nossa pretensão de apresentar uma meta-filosofia ou uma proto-filosofia. Na segunda parte, pretendemos entrar na filosofia propriamente dita, estudando sete escolas filosóficas, incluindo o Apêndice sobre Dialética.

[2] Anísio se revela aqui um fiel seguidor de Dewey, com quem estudou Pragmatismo nos EEUU.
[3] Estas afirmações de Anísio Teixeira foram extraídas do artigo do Prof. Pedro Angelo Pagani, respectivamente, p. 20 e 22 da Revista Educação: Associação Brasileira de Educação, Ano 32, n. 101.
4 Segundo Dewey, o pensar e o julgar são diferentes de conhecer. O conhecer é apreender o que é dado, não favorecendo a criatividade, ao passo que o pensar e o julgar, sendo hipotéticos, projetam-se sobre o futuro e, assim, favorece a criatividade. Nesta linha de raciocino, sendo a filosofia a arte de pensar, ela é tão prospectiva, quanto o pensar.
[5] A metodologia da pedagogia tradicional girava em torno do objeto, ou seja em torno do conteúdo, em contraposição, sobreveio a metodologia ontogenético que gira em torno do sujeito do conhecicimento. Naquele momento, a pergunta freqüente era: o que é mais importante para ensinar latim a João, saber latim ou conhecer João. Hoje, parece estarmos chegando a uma síntese: saber latim e conhecer João. Lipman insiste: “... o objetivo da educação tem de ser transferido da aquisição de conhecimento para o pensamento, e este pensamento tem que ser crítico ou lógico ou ambos”.
[6] Inquirir, investigar é indispensável para a hominização do ser humano e isto é a finalidade suprema da escola.