sábado, 30 de maio de 2009

CAP. 12 - FILOSOFIA DIALÉTICA

CAP. 12

FILOSOFIA DIALÉTICA

A verdade é que tudo envolve algum conflito e alguma controvérsia. Ninguém vem ao mundo sem briga (Mangabeira Unger).

Desfolhando a segunda e terceira parte deste livro, podemos constatar que as filosofias essencialistas[vi] e existencialistas não são capazes de satisfazer a natureza das coisas e dos seres humanos. Essas filosofias são as seguintes: Idealismo, Realismo, Racionalismo, Criticismo, Empirismo, Positivismo. Quanto às filosofias existencialistas, apontamos o Pragmatismo e o Existencialismo. A incapacidade das primeiras se prende a seu caráter abstrato e apriorístico. As segundas, em que pese sua visão dinâmica, por adotarem ainda uma concepção linear do movimento, não levam em consideração a natureza contraditória (dialética) do mundo físico e, sobretudo, do mundo humano. Efetivamente, foi-se o tempo em que se pensava que a filosofia só tinha uma finalidade contemplativa, nada tendo a ver com a ordem prática. Hoje, graças à teoria da relatividade e da física quântica, aceita-se a tese de que, pelo menos a longo prazo, é a filosofia que resolve os mais profundos e graves problemas da humanidade. Soa, no mundo atual, um grande apelo à filosofia. Não obstante, não se trata de qualquer filosofia. As filosofias muito impregnadas de ideologia, as filosofias acríticas, pouco ajudam nesta fase da humanidade tão dispersiva e tão, explicitamente, inçada de fome, de doença epidêmica, de miséria, de opressão, de violência, de marginalização econômica que atinge metade da população do Globo.
Ineficiência das filosofias essencialistas
Podemos relacionar as seguintes características desta ineficiência ou seus motivos mais pontuais: 1- Tais filosofias, por seu caráter apriorístico, só vêem, no horizonte, um ser humano ideal, aquele que veio do céu, que só existe em nossas mentes, e não o homem na sua realidade, dolorosamente, existencial e social. Estas filosofias são como redes tecidas com fios abstratos, invisíveis e incapazes de pescar seres de carne e osso como são os seres humanos. Ao contrário, a filosofia dialética, pelo menos a de feição marxista e freiriana[vii], considera o ser humano na sua integridade terrena, aquele que tem o pé no pó e o coração nos espinhos. 2 – Essas filosofias, sobretudo, de tendência idealista e religiosa, de uma maneira ou de outra, desdenhando a vida presente, consideram este mundo, tão somente, um caminho, em demanda de um estado de vida extraterrena[viii]. Para elas, este mundo não merece maior atenção. Afinal, esquecem que o futuro depende do que fizermos dele no presente. A filosofia dialética, por sua própria estrutura, coloca em pé de igualdade as três dimensões do tempo 3 – Essas filosofias, na feição idealista[ix], exacerbam a subjetividade em detrimento da objetividade, anulando-se o objeto diante do sujeito; assim, o conhecimento acaba sendo um produto isolado da razão. Na feição realista, empirista e positivista, é o contrário: há uma exacerbação da objetividade em detrimento da subjetividade. O objeto impõe-se ao sujeito. Em ambos os casos, temos um desvirtuamento da natureza do conhecimento que, genui-namente, deve ser fruto tanto do sujeito quanto do objeto. Como sabemos, a natureza sempre se vinga, quando violentada. O desrespeito à natureza e à estrutura do conhecimento é um dos maiores responsáveis, senão o único, pelas desavenças e guerras entre os povos[x]. A filosofia dialética, a nível de conhecimento, é uma relação recíproca entre sujeito e objeto, considerando os dois elementos no mesmo patamar. 4 – Tais filosofias colocam, em plano inferior, a prática, quando não a desprezam. Ora, precisamos de uma filosofia que coloca, no mesmo nível, teoria e prática, pois nenhum lado é maior ou menor, anterior ou posterior, prioritário ou mero conseqüente. Esta postura é decisiva para não se cair na banalização da teoria, quando dicotomizada da prática. A prática, de seu lado, é importante, mas, isolada da teoria, torna-se cega e desastrada. Mais uma vez, precisamos de uma filosofia que seja uma filosofia da práxis, que institua a integração da teoria e da prática.
Quanto às filosofias existencialistas, sua deficiência se prende ao seguinte: a – No horizonte da humanidade, estas filosofias só vêem o indivíduo, deixando de lado a sociedade ou só vendo, nela, a oportunidade de ascensão ao plano da realização pessoal. Apesar de exaltarem a liberdade, esta não tem ligação com o possível, pois o possível está no futuro e as filosofias existencialistas não se importam com o futuro, tornando-se, portanto, o argumento decisivo do direito de fazer o que se quer, aqui e agora. É a exacerbação do “eu” que, ao final de um módulo no processo de hominização, deve se achar congruente, isto é: de bem consigo, de bem com a vida, de bem com os outros, de bem com Deus. Ora, precisamos de uma filosofia que demande uma relação recíproca entre indivíduo e a sociedade. b – Estas filosofias preconizam que o processo de hominização se faça somente de acordo com os interesses de cada um no presente histórico. É o presentismo em qualquer situação. O passado não conta e o futuro está nas mãos de Deus. É necessária, pois, uma filosofia que atri- bua o mesmo valor às três dimensões. c – As filosofias existencialistas, no afã de combater o racionalismo desbragado, acabam por envolver o homem na teia das paixões que, exacerbadas, se tornam vícios. Exemplo é o amor que se pode tornar ódio (uma das raízes da violência)[xi]. Urge uma filosofia que, ensinando que tudo está ligado com tudo, encaminhe o contencioso paixão/vício para um consenso em que paixões e vícios perdem sua contundência desvairada, transformando-se numa convivência razoável e hominizante. Num oceano de tanto impacto de dimensões incomensuráveis, vivemos numa corda bamba, tremulando sobre abismos. Nesta situação, assoma em nossa mente um apelo insopitável á filosofia dialética, a única corrente de pensamento capaz de nos ajudar. Ela é capaz de nos socorrer, desde que a constituamos o grande critério, o grande tribunal de julgamento do caráter, eminentemente, ideológico e acrítico das filosofias estudadas nesta obra.
O termo “dialética” vem do grego. Como explica Paul Foulquiê: “O prefixo dia exprime aqui idéia de reciprocidade ou de troca: dialegein é trocar palavras ou razões, conversar ou discutir. O substantivo dialéticos significa troca de impressões, conversação, discussão”. (FOULQUIÊ, 1979: 09).
CARACTERÍSTICAS DA DIALÉTICA
a) Totalidade. Esta característica é tão própria da dialética que sem ela a dialética não passaria do método corriqueiro de conhecimento próprio do senso comum. A totalidade é o ar que a dialética respira, pois o sentido das coisas não está na consideração de sua individualidade (parcialidade), mas na sua totalidade. Já sabemos que sem o todo não, não compreendemos as partes. Abaixo, este tema será mais desenvolvido.
b) Simultaneidade. Como decorrência imediata da totalidade, termos a característica da simultaneidade, pois se não podemos ver a realidade senão em sua totalidade, é evidente que tudo nesta é simultâneo: acontece ao mesmo tempo, não existindo um antes e um depois. Tudo acontece como as ondas do mar, não se sabendo onde começam e onde terminam. Elas vêm aos borbotões.
c) Criticidade. A criticidade é deveras natural à dialética como as águas da chuva, caindo nas encostas, correm para o mar. A filosofia dialética, dada sua estrutura de tese, antítese e síntese, só pode ser a mais crítica de todas as filosofias. É pena que Nietszcche, dada sua ogeriza antirrehgeliana não tenha se dado conta disto. O tema da crítica foi tratado no cap. 05.

PRINCÍPIOS DA DIALÉTICA
1 – Princípio da totalidade: tudo se relaciona
Este princípio poderia também se denominar : lei da interdependência dos opostos ou dos contrários; lei da reciprocidade; lei da ligação ou da interação; lei da conexão universal.
Para a dialética, a natureza se apresenta como um todo, onde objetos e fenômenos são ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. Desta maneira, “nenhum fenômeno, seja natural ou social, pode ser explicado isoladamente, sem que busquemos sua gênese e causa no processo mais amplo de feitos que o compõem. Separados deste processo mais amplo de que faz parte, o fenômeno torna-se totalmente desprovido de real significação. A dialética convida-nos, portanto, a analisar a realidade, assumindo uma visão de conjunto, que nos permite enxergar o processo de inter-relações dos fenômenos, superando a visão estanque e desconexa das coisas.” (COTRIN, 1997: 260). Vamos acentuar ainda mais este princípio, dando o máximo relevo à característica da totalidade de que já se falou. Para tanto, nada melhor do que a comparação entre a filosofia tradicional, no que se refere ao ser, e a filosofia dialética. Diferentemente da filosofia tradicional, “a dialética vê a natureza não como uma acumulação acidental de objetos, de fenômenos desligados uns dos outros, isolados e independentes uns dos outros, mas como um todo uno, coerente, onde os objetos, os fenômenos, estão ligados organicamente, dependendo uns dos outros e condicionando-se reciprocamente. É a razão por que o método dialético considera que nenhum elemento da natureza pode ser compreendido se é encarado isoladamente, fora dos fenômenos que o rodeiam; pois não importa que fenômenos, nem importa que domínio da natureza pode ser convertido num não-senso, se o consideramos fora das condições circundantes, se o isolamos dessas condições; pelo contrário, não importa que fenômeno pode se compreendido e explicado, se o consideramos em volta, se o consideramos tal como é condicionado pelos fenômenos que o circundam” (FOULQUIÉ, 1979: 60-61). Como exemplo do princípio da totalidade: tudo se relaciona, vamos apresentar algo mais simples. Trata-se da ferradura. À primeira vista, temos em vista um instrumento para proteger o casco dos cavalos. Entretanto, pensando bem, vamos encontrar nesta palavra “ferradura” uma série quase imensurável de mediações (geográficas, históricas, econômicas, sociais e até transcendentais). Vejamos. Há milênios, no seio da terra, a ferradura se achava potencialmente em estado de minério. Este minério não estava isolado dos outros componentes do planeta Terra. Um dia, o homem, levado pela necessidade de proteger seu animal – cuja produção era premente para sua própria subsistência – cavou o chão, retirou o metal, levou-o a um forno, transformou-o em um pedaço de ferro. Este, por sua vez, numa forja, se transforma na ferradura que, colocada no casco do equino, vai proporcionar-lhe mais resistência, segurança e produção. Eis as mediações por que passa a ferradura. Às vezes, nem mesmo a transcendência religiosa escapa à trajetória deste artefato. Gasta, a ferradura é retirada do pé do animal e pregada atrás da porta para evitar feitiços e coisas que tais.

2 – Princípio do movimento: tudo se transforma Este princípio pode-se intitular: lei da negação da negação, lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante, lei do movimento universal, lei da ultrapassagem. A dialética considera todas as coisas em seu devir. Já vimos que o movimento é uma qualidade inerente a todas as coisas, melhor dizendo, é a própria substância das coisas. A dialética “concebe a realidade não como um sistema estático, imutável, mas, inversamente, como um sistema aberto e dinâmico, em permanente movimento. O movimento não é, portanto, um aspecto secundário da realidade. Não natureza, mais movimento; sociedade, mais movimento. Não; a realidade é movimento, processo. Ele se manifesta, portanto, na natureza e na sociedade. Onde existe movimento, há transformação incessante. Transformação marcada tanto pelo nascimento e desenvolvimento, quanto pela decadência de qualquer fenômeno, seja do mundo material, seja do mundo social. Por isso, interessa ao pensamento dialético captar da realidade não apenas o dado estável que se revela a cada momento, mas também o processo estrutural mais amplo, que nos permite avaliar aquilo que já está decaindo, bem como espaços que se abrem para o nascimento do novo. É necessário, entretanto, não nos servirmos do pensamento dialético, como se fosse de uma ‘fórmula mágica’ capaz de justificar o passado ou amparar todas as nossas expectativas do futuro”. (COTRIN, 1997: 260-261). Como exemplo desta lei, pode-se apresentar o seguinte: lança-se na terra uma semente de mogno. A semente brota – é uma planta. Esta cresce e se transforma em uma árvore. A árvore, por sua vez, se transforma em madeira. Esta madeira, levada à marcenaria, se transforma em móvel. Este, depois de muito uso, apodrece e, na indústria, passa a ser adubo que vai contribuir para o cultivo de outras sementes. 3º - Princípio da mudança qualitativa
Estas mudanças qualitativas dão-se pelo acúmulo de elementos quantitativos que, num dado momento, produzem o qualitativamente novo. Dada a importância e o caráter revolucionário desta lei, vamos nos estender mais um pouco sobre ela. Para tanto, nada melhor – ao que pensamos – do que transcrever o que foi escrito por um filósofo russo: “A lei das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas[xii] diz como, de que modo, ocorre o processo de desenvolvimento, e qual é o mecanismo deste processo. Expressa a relação recíproca entre os contrários qualitativo e quantitativo das coisas e dos processos. Para compreender a essência desta lei, é preciso, antes de tudo, esclarecer o que é quantidade e qualidade.
- Conceito de qualidade ...O conceito de qualidade exprime as características de semelhança e diferença que as coisas possuem. Por qualidade entende-se o conjunto de características substanciais que expressam a natureza e os traços específicos de uma coisa.[xiii] Além de determinar o objeto, a qualidade indica que este se acha em equilíbrio relativo. Este fato é importante para sua existência, pois qualquer modificação da qualidade da coisa faz com que esta também mude de uma maneira radical. Por exemplo, a interrupção do metabolismo no organismo vivo significa sua destruição e morte, o fim da existência desse organismo, como tal. A qualidade é inseparável das coisas e é mutável, à medida que estas mudam. Para conhecer bem um objeto, compreender sua essência, é preciso tomá-la separadamente das coisas, determinar a identidade e as diferenças entre elas, e classificar suas qualidades e propriedades. A qualidade se manifesta nas propriedades que distinguem uma coisa das outras ou indicam as semelhanças entre elas. Cada coisa possui muitas propriedades. A modificação ou desaparecimento dalgumas delas ainda não leva à modificação da coisa. Por exemplo, a cor não é uma propriedade substancial para a gasolina. Para esta substância, a propriedade determinante é a inflamabilidade. Suponhamos, se numa reação química, a gasolina perder esta propriedade, a sua qualidade muda, deixando de ser combustível para motores. ... Além de uma determinada qualidade, cada objeto ou processo possui também características quantitativas. -- conceito de quantidade A quantidade caracteriza o objeto sob o aspecto do grau, da intensidade ou do nível de desenvolvimento de uma qualidade. Em regra, a quantidade se expressa em número. Para conhecer melhor a realidade, é necessária, além da qualitativa, fazer a análise quantitativa dos processos e fenômenos... As características qualitativas e quantitativas são interligadas, porquanto estão indissoluvelmente unidas e mutuamente determinadas, representando aspectos do mesmo objeto. Quando as mudanças quantitativas ultrapassam os limites normais, temos a ‘violação’ da medida, que conduz necessariamente à modificação da qualidade do objeto. Por exemplo, com a pressão atmosférica normal, a água mantém-se em estado líquido dentro da temperatura de 0º a 100º, solidificando-se com a temperatura abaixo de 0º e transformando-se em gás, em vapor, quando aquecida acima de 100 graus. O conceito filosófico de medida corresponde, em certo sentido, às concepções vulgares, segundo as quais, quando são ultrapassados certos limites, o que era positivo, se transforma em negativo, o que era útil, em nocivo. Por exemplo, a alimentação é condição indispensável à vida e à saúde. Mas, comer em excesso é nocivo ao processo de metabolismo e, afinal de contas, prejudica à saúde. Com o desequilíbrio na medida, a qualidade velha deixa de corresponder a uma nova quantidade, surge e agudiza-se entre elas a contradição que se resolve unicamente com o aparecimento de uma nova qualidade e de uma nova medida. Este processo qualifica-se como transformação das mudanças quantitativas em qualitativas. ... Esta lei é universal, a sua ação se revela tanto no mundo objetivo como no processo de conhecimento[xiv]. Por exemplo, falando-se nos organismos vivos, as mudanças quantitativas, diminutas e pequenas, nas primeiras etapas, acumulando-se, podem levar a transformações qualitativas, ao aparecimento de novos gêneros e espécies. Isto é muito importante para criar novas culturas agrícolas e raças de gado. Assim, graças à hibridação e seleção, podem multiplicar-se as variedades dos frutos, Tc A transformação da quantidade em qualidade verifica-se também na vida social. Por exemplo, a cooperação, isto é, a união de muitos trabalhadores num só processo de produção, cria uma nova força social produtiva, cujo poder é substancialmente diferente da simples soma de seus componentes. Diversas formas de cooperação criam condições para o trabalho mais rentábil, para a solução dos problemas das tarefas da produção e da satisfação das necessidades vitais ... É importante considerar, na prática, a interligação das mudanças qualitativas e quantitativas. Se desejamos obter uma nova qualidade, é necessário realizar uma preparação quantitativa; no entanto, muitas vezes, uma nova quantidade resulta da nova qualidade. Para esclarecer: os operários-modelo alcançam maior produtividade do trabalho, principalmente, através da utilização de material técnico e tecnológico qualitativamente novo, de nova organização do trabalho, do aumento da qualificação, etc. (Kaprívine, 1986 : 165-172)
4º - Princípio da contradição: tudo se opõe.Este princípio se pode denominar também lei da unidade e luta dos contrários. Lembremos que este princípio enuncia um paradoxo: para haver oposição entre os elementos, é necessário que eles estejam interligados, unidos. Kaprívine ( p. 155) oferece a seguinte explicação: “Na natureza não orgânica, o exemplo mais elucidativo dos contrários é o imã, cuja característica principal é possuir a existência de dois pontos extremos chamados pólos, que se complementam e, ao mesmo tempo, se excluem mutuamente. Se quiséssemos separar o pólo norte do pólo sul, não conseguiríamos: dividido em duas, quatro, oitos partes, o magneto conserva suas propriedades”. A propósito, Foulquié, citando Politzer, dá o seguinte exemplo tirado da natureza animal: “Se tomarmos o exemplo de um ovo que é posto e chocado por uma galinha, vemos que no ovo se encontra o germe que, a uma certa temperatura e em certas condições, se desenvolve. Este germe, desenvolvendo-se, dará um pinto; assim, esse germe já é a negação do ovo. Vemos que no ovo há duas forças, a que tende que ele fique um ovo e a que tende a que venha ser pinto. O ovo está, pois, em desacordo consigo mesmo e todas as coisas estão em desacordo com elas próprias” (FOULQUIÉ, 1979, p. 64). Por sua vez, Gadotti (p.105) acrescenta: “A transformação só é possível porque, no seu interior, coexistem forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição. É o que se chama contradição, que é universal, inerente a todas as coisas materiais e espirituais. A contradição é a essência ou a lei fundamental da dialética...”. Para entender melhor a essência desta lei, é necessário definirmos o que são termos con-trários e o que são termos contraditórios. “Por contrários, entendemos os aspectos, as tendências e as forças internas dum objeto ou de um fenômeno que se excluem mutuamente, mas, ao mesmo tempo, não podem existir, umas sem as outras” [xv](KAPRÍVINE, 1986: 155). Vale dizer, termo contrário é aquele que nega o outro, mas não de maneira absoluta. Quando a negação é absoluta. o termo contrário se transforma em termo contraditório. E o que é termo contraditório? Lamentavelmente nossa língua emprega indiferenciadamente, um pelo outro,os termos “contrários” e “contraditórios”. Na realidade, eles têm sentido diferente. É necessário que o leitor ou o estudante tenha muita perspicácia para esta diferença, mas que tem de ser feita, se não quisermos tomar gato por lebre. Contrário, como já vimos, nega o termo oposto, em parte, pois não pode existir, sem fazer parte do oposto, por exemplo: o dia só tem sentido tendo em vista a noite; na verdade, não sabemos distinguir com precisão se é dia ou se já é noite. Contraditório, por seu lado, nega completamente o oposto, não deixando margem para nenhuma dúvida, exemplo: o lápis é absolutamente oposto ao não lápis, um elefante é inteiramente oposto a uma pedra, tem sentido mesmo que se prescinda da pedra, o mesmo podendo dizer-se de todos os termos díspares.[xvi] A dialética baseada em termos contra-ditórios, já não tem mais sentido, pelo menos depois que Hegel colocou em evidência a terceira face da dialética, que é a síntese. Ela não pode mais afirmar que algo existe e não existe ao mesmo tempo, ou que algo é e não é ao mesmo tempo. Seria contraditório[xvii]. “O que ela afirma é a convivência de contrários, ou seja, de elementos que têm na sua exclusão apenas uma face do fenômeno, Complementada necessariamente também pela face da polarização” (DEMO, 1983: 89 em Introdução à Metodologia da Ciência). É nesse sentido que se poderia[xviii] falar em identidade de contrários, pois existe uma convivência numa mesma totalidade, não exclusão pura e simples. Como veremos, oportunamente, o contrário permite e até fomenta o diálogo (diálogo entre situação e oposição, no terreno político, por exemplo). A propósito do dilema “contrário versus contraditório”, mais uma vez, vamos recorrer aos esclarecimentos de Kaprívine[xix]: “... os contrários estão presentes em todos os fenômenos e processos da realidade. A contrariedade tem caráter universal. Como atuam os contrários dentro dos fenômenos e objetos, uns sobre os outros? Esta interação implica tanto sua unidade como sua oposição. A unidade dos contrários consiste em estes, sendo reciprocamente determinados, não poderem existir, um sem o outro. A unidade significa que, em certas condições, os elementos ou aspectos contraditórios vêm a equilibrar-se. Esta justa combinação de elementos ou forças contrárias corresponde à etapa do desenvolvimento estável de uma coisa. No entanto, o equilíbrio dos contrários é relativo e temporário, podendo ser interrompido no curso da evolução, o que redunda no desaparecimento de outro em uma nova unidade dos contrários. Por exemplo, num organismo novo prevalece o processo de assimilação; na idade madura, a assimilação e desassimilação permanece em equilíbrio; na velhice, domina o processo de desassimilação. Apesar de estarem ligados entre si, os aspectos contraditórios estão ao mesmo tempo em luta, quer dizer, negam-se, excluem-se reciprocamente. Já dissemos que a unidade dos contrários é relativa, ao passo que a oposição entre eles... é absoluta,[xx] como absolutos são o movimento e o desenvolvimento. Efetivamente, a existência dos aspectos contraditórios pressupõe ações recíprocas entre eles e, como conseqüência, modificações recíprocas” (KAPRÍVINE, 1986: 156-157)
Dialética como visão de totalidade Heráclito (século VI a. C) pode ser considerado o criador da dialética, pois foi o primeiro pensador do Ocidente a ensinar que tudo está em contínua transformação, num total processo de mudança constante. “Tudo muda tão rapidamente, que não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio: na segunda vez, o rio não será mais o mesmo e nós mesmos já teremos também mudado” (GADOTTI, 1983 : 16). Para Heráclito, o movimento é a substância das coisas, sua essência mais alta[xxi]. “Segundo Heráclito tudo flui... tudo está em constante movimento... A realidade não é apenas Ser; ela não é por igual, apenas Não-ser. A realidade é realmente uma tensão que liga... Ser e Não-ser. Aparece, pela primeira vez na História da Filosofia, a Dialética” (CIRNE-LIMA, 1996 : 19). Na natureza, temos o movimento eterno: o fogo vive com a morte da terra; o ar vive com a morte do fogo; a água vive com a morte do ar; a terra vive com a morte da água. Na dialética, tudo se apresenta como interação dos contrários, como sua unidade e oposição. O conhecimento nasce da compreensão da unidade da luta dos contrários: os elementos hostis fundem-se, os divergentes formam uma harmonia perfeita, e tudo isto vai através da luta: tudo passa e muda, porque a luta é o pai, é o rei de tudo. Como se percebe, a dialética é uma visão de mundo, é uma filosofia, não somente um método. Para maiores esclarecimentos, consultar CORSHUNOVA e KIRILENCO, 1986 : 94). Contrariando o princípio de identidade, criado por Parmênides, o pensador de Éfeso[xxii] vai criar o princípio de contradição, o qual admite que um objeto pode ser e não ser[xxiii], ao mesmo tempo, e sob o mesmo aspecto. A dialética de Heráclito vai ser aplicada na educação por Sócrates, e recebe nova conotação na filosofia platônica. Platão lhe dá nova função: levar os seres humanos a ascenderem do mundo físico ao Mundo das Idéias. Aristóteles é uma anti-dialético. Cria a Lógica Formal para substituir a dialética. Isto é um dos motivos, segundo Nietzsche, de a filosofia de Aristóteles ir pouco além de uma simples ideologia. Em Heráclito, a dialética não passava de um dicotomia, uma “duática”: um processo em dois tempos – tese e antítese. Uma dialética negativa que se baseava na contradição[xxiv] absoluta. Nela, a antítese nega inteiramente a tese, fechando todas as portas ao diálogo, ao consenso – o que Hegel vai chamar de síntese. Criando a síntese, Hegel vai contribuir, de maneira clara, para a solução do contencioso do conhecimento. Como sabemos, Aristóteles definiu o conhecimento como a relação sujeito-objeto. Nesta relação – talvez Aristóteles não tenha percebido – está enrustida a dialética heraclitiana, dialética do conflito absoluto. Esta visão abre brecha para guerra entre sujeito e objeto, já que, ora o sujeito se sobrepõe ao objeto (inferência do Idealismo), ora o objeto se sobrepõe ao sujeito(inferência do Positivismo). A dialética de Heráclito leva a uma antinomia insuperável. Daí o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história, de acordo com assertiva de Heráclito: “a guerra é a parteira da história” Também esse tipo de dialética, supõe-se, vai fornecer subsídio macabro a Francis Bacon, para lançar seu apotégma de que “conhecer é poder”, apotégma que deu origem, certa-mente, à beligerância ecológica,como o exposto no cap. 02. Hegel, descobrindo a existência da síntese, começa a entreabrir a porta da esperança.: não existe sujeito isolado do objeto, nem objeto isolado do sujeito. A propósito, Pedro Demo, categoriza, depois da restauração da dialética da natureza:[xxv]: “A matéria passou a ser considerada parte da vida “ e Foulquiê escreve: “... nem subjetivismo puro, nem objetividade absoluta, mas informação do sujeito pelo objeto e do objeto pelo sujeito”, na afirmação de Foulquiê, p. 95. È a realização de umas das leis da dialética: tudo está ligado com tudo (Princípio da Tota-lidade). A realidade não é “posição de subjetividade”, nem um mundo de ob-jetos pré-dados, mas, sim, uma “conexão acontecimental” em que o sujeito se transforma, de certa maneira, em objeto e o objeto se transforma em sujeito. Sujeito e objeto são mutuamente imbricados e, por isso, só podem ser pensados num jogo recíproco de inclusão e exclusão, que é interior a cada um dos termos. A conciliação entre os homens passa, necessariamente, pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto, nem do objeto que não se absolve no su-jeito. pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto e a impor-tância do objeto que não se absolve no sujeito É ocioso dizer que esta imbri-cação entre sujeito e objeto não se faz de maneira linear, mas de maneira in-terativa, dialética. A dialética de Heráclito, desconhecendo, porém, a presença da síntese, uma descoberta genial de Hegel, faz desta antinomia algo insupe-rável. Daí, o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e mor-ticínios – é a guerra parindo a história para, mais uma vez, lembrar o pensador dialético de Éfeso. Poderíamos dizer que a relação sujeito/objeto é a expressão histórica mais sangüinária e macabra da dialética fechada, dicotômica. O obje-to afirma, o sujeito nega (Idealismo); o sujeito afirma, o objeto nega Não haven-do um terceiro termo (tempo, face), ou um termo médio, o único jeito é resolver a questão pelo confronto físico, é pela força material, pela guerra. Repetindo, a história da humanidade tem sido, não raro, um desfilar de maldades, tragédias e morticínios O texto de Manfredo de Oliveira[xxvi], ora transcrito, confirma as últimas afirmações:
Assim, cada termo é ele mesmo e seu outro, mediação consigo através de seu outro. O sujeito só é sujeito enquanto exclui o objeto de si, mas, por outro lado, só é ele mesmo através da relação ao objeto e vice-versa. Cada um só é enquanto outro do outro e seu ser consiste, precisamente, nesta relação. Assim, a relação ao outro não é algo exterior ao seu ser, mas o constitui[xxvii]: cada um só é en-quanto é o não ser do seu outro. O seu ser é, assim, movimento infinito do “transporte-se” um no outro. Ora, esta mútua imbricação entre sujeito e objeto, homem e mundo, no processo infinito de seu condicionamento recíproco é de tal sorte que o sujeito só é sujeito na medida em que se relaciona com o outro[xxviii], e isto é o que constitui a realidade dialeticamente concebida. Neste sentido não há sujeito puro sem mundo e sem história ... mas, sim sujeito que, enquanto determina o mundo é, também, por ele determinado ... cada sujeito é, sempre, sujeito numa objetalidade específica, isto é, numa configuração espe-cífica da convivência dos homens entre si e de sua interpretação, um reserva-tório de conhecimentos, que se foi gestando na história em sua comunidade concreta. Por outro lado, não existe um mundo objetivo puro[xxix], mas todo objeto é condicionado pelo sujeito que o capta sempre, a partir de um deter-minado contexto de sentido[xxx]”. (OLIVEIRA, Educação em Debate, Fort. 14 (2) jul/dez 1987 : 10/11).
Algumas idéias do texto: A – Para haver sujeito é necessário que haja indivíduo, e indivíduo é aquele ser (ser humano ou coisa) que não pode ser dividido, por-que se for divido deixa de ser, exemplo, o corpo de um animal (humano ou não) se for dividido, deixa de ser corpo. Uma cadeira que for divida, deixa de ser cadeira; B - Por outra, o indivíduo, para ser indivíduo e, consequentemente, para ser sujeito deve ser separado do outro - exemplo: em um grupo social, os indivíduos são separados uns dos outros.; C - Dois dados a considerar: sem ou-tro sujeito, eu acabo não sendo, pois o ser humano é, por natureza, um animal social; mas também, sem objeto, eu não sou, pois há um correlação entre sujei-to e objeto. Essa correlação, que é similar à intencionalidade, é que faz que su-jeito e objeto sejam. É só lembrar o que foi constituído tão ecologicamente por Heidegger: sem mundo não há homem e sem homem não há mundo. D – Tanto o sujeito quanto o objeto é produto da história numa reciprocidade dialética, ou seja, cada sujeito só é sujeito dentro de uma configuração específica ( dentro de uma época ou módulo histórico). De outro lado, porém, o objeto não é puro. Ele está sempre condicionado pelo sujeito que o determina, dentro de um contexto de sentido, por isso, podemos dizer que um fato não é um fato, mas aquilo que a comunidade pensante diz do fato. Existem vários tipos de dialética: dialética aberta/fechada, absoluta/relativa, negativa/positiva, estrutural/conjuntural, ortodoxa/revisitada, antiga/moderna, idealista/materialista, dicotômica/tri-cotômica, etc. Mas todas elas têm algo em comum: baseiam-se - é Pedro Demo quem afirmou acima - no princípio dado: “a realidade física ou social é intrinsecamente contraditória”.
CONCEITUAÇÃO DE DIALÉTICA O que é mesmo dialética? Algumas tentativas de conceituação: - a dialética (como filosofia, como doutrina) é a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento humano. Ou seja, a dialética pode ser definida como modelo mental dos processos de modificação e desen-volvimento do mundo. - dialética é o diálogo das coisas entre si; das coisas com os homens e dos homens consigo mesmos e com os outros homens. Vale a pena repetir a definição insinuada por Hegel, que, resumidamente, passaremos a ex-plicar. Ei-la: Processo em três tempos – tese, antítese e síntese. Tese (afirma-ção) é o que está posto ou afirmado (coisa ou idéia). Antítese (negação) é o que nega a tese (coisa ou idéia). Esta negação não pode ser absoluta. Caso contrário, se cortaria o fio do diálogo. E o diálogo é a modalidade original da dialética, como está claramente patenteado em Sócrates e redescoberto em Paulo Freire. A síntese é a negação da negação, é a unidade dos contrários. Tese e síntese se encontram em um nível superior (pode ser inferior também). Concluindo, ob-servamos que na exposição aqui referida, seguimos a concepção dialética no seguinte vetor: partimos de Heráclito, passando por Hegel, Marx, Gramsci, Vieira Pinto, tendo como último estágio o pensamento de Paulo Freire que, absorvendo a filosofia existencialista, dá à dialética um toque mais vivencial de humanismo.

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CAP. 12
FILOSOFIA DIALÉTICA
A verdade é que tudo envolve algum conflito e alguma controvérsia. Ninguém vem ao mundo sem briga (Mangabeira Unger).
Desfolhando a segunda e terceira parte deste livro, podemos constatar que as filosofias essencialistas[vi] e existencialistas não são capazes de satisfazer a natureza das coisas e dos seres humanos. Essas filosofias são as seguintes: Idealismo, Realismo, Racionalismo, Criticismo, Empirismo, Positivismo. Quanto às filosofias existencialistas, apontamos o Pragmatismo e o Existencialismo. A incapacidade das primeiras se prende a seu caráter abstrato e apriorístico. As segundas, em que pese sua visão dinâmica, por adotarem ainda uma concepção linear do movimento, não levam em consideração a natureza contraditória (dialética) do mundo físico e, sobretudo, do mundo humano. Efetivamente, foi-se o tempo em que se pensava que a filosofia só tinha uma finalidade contemplativa, nada tendo a ver com a ordem prática. Hoje, graças à teoria da relatividade e da física quântica, aceita-se a tese de que, pelo menos a longo prazo, é a filosofia que resolve os mais profundos e graves problemas da humanidade. Soa, no mundo atual, um grande apelo à filosofia. Não obstante, não se trata de qualquer filosofia. As filosofias muito impregnadas de ideologia, as filosofias acríticas, pouco ajudam nesta fase da humanidade tão dispersiva e tão, explicitamente, inçada de fome, de doença epidêmica, de miséria, de opressão, de violência, de marginalização econômica que atinge metade da população do Globo.
Ineficiência das filosofias essencialistas
Podemos relacionar as seguintes características desta ineficiência ou seus motivos mais pontuais: 1- Tais filosofias, por seu caráter apriorístico, só vêem, no horizonte, um ser humano ideal, aquele que veio do céu, que só existe em nossas mentes, e não o homem na sua realidade, dolorosamente, existencial e social. Estas filosofias são como redes tecidas com fios abstratos, invisíveis e incapazes de pescar seres de carne e osso como são os seres humanos. Ao contrário, a filosofia dialética, pelo menos a de feição marxista e freiriana[vii], considera o ser humano na sua integridade terrena, aquele que tem o pé no pó e o coração nos espinhos. 2 – Essas filosofias, sobretudo, de tendência idealista e religiosa, de uma maneira ou de outra, desdenhando a vida presente, consideram este mundo, tão somente, um caminho, em demanda de um estado de vida extraterrena[viii]. Para elas, este mundo não merece maior atenção. Afinal, esquecem que o futuro depende do que fizermos dele no presente. A filosofia dialética, por sua própria estrutura, coloca em pé de igualdade as três dimensões do tempo 3 – Essas filosofias, na feição idealista[ix], exacerbam a subjetividade em detrimento da objetividade, anulando-se o objeto diante do sujeito; assim, o conhecimento acaba sendo um produto isolado da razão. Na feição realista, empirista e positivista, é o contrário: há uma exacerbação da objetividade em detrimento da subjetividade. O objeto impõe-se ao sujeito. Em ambos os casos, temos um desvirtuamento da natureza do conhecimento que, genui-namente, deve ser fruto tanto do sujeito quanto do objeto. Como sabemos, a natureza sempre se vinga, quando violentada. O desrespeito à natureza e à estrutura do conhecimento é um dos maiores responsáveis, senão o único, pelas desavenças e guerras entre os povos[x]. A filosofia dialética, a nível de conhecimento, é uma relação recíproca entre sujeito e objeto, considerando os dois elementos no mesmo patamar. 4 – Tais filosofias colocam, em plano inferior, a prática, quando não a desprezam. Ora, precisamos de uma filosofia que coloca, no mesmo nível, teoria e prática, pois nenhum lado é maior ou menor, anterior ou posterior, prioritário ou mero conseqüente. Esta postura é decisiva para não se cair na banalização da teoria, quando dicotomizada da prática. A prática, de seu lado, é importante, mas, isolada da teoria, torna-se cega e desastrada. Mais uma vez, precisamos de uma filosofia que seja uma filosofia da práxis, que institua a integração da teoria e da prática.
Quanto às filosofias existencialistas, sua deficiência se prende ao seguinte: a – No horizonte da humanidade, estas filosofias só vêem o indivíduo, deixando de lado a sociedade ou só vendo, nela, a oportunidade de ascensão ao plano da realização pessoal. Apesar de exaltarem a liberdade, esta não tem ligação com o possível, pois o possível está no futuro e as filosofias existencialistas não se importam com o futuro, tornando-se, portanto, o argumento decisivo do direito de fazer o que se quer, aqui e agora. É a exacerbação do “eu” que, ao final de um módulo no processo de hominização, deve se achar congruente, isto é: de bem consigo, de bem com a vida, de bem com os outros, de bem com Deus. Ora, precisamos de uma filosofia que demande uma relação recíproca entre indivíduo e a sociedade. b – Estas filosofias preconizam que o processo de hominização se faça somente de acordo com os interesses de cada um no presente histórico. É o presentismo em qualquer situação. O passado não conta e o futuro está nas mãos de Deus. É necessária, pois, uma filosofia que atri- bua o mesmo valor às três dimensões. c – As filosofias existencialistas, no afã de combater o racionalismo desbragado, acabam por envolver o homem na teia das paixões que, exacerbadas, se tornam vícios. Exemplo é o amor que se pode tornar ódio (uma das raízes da violência)[xi]. Urge uma filosofia que, ensinando que tudo está ligado com tudo, encaminhe o contencioso paixão/vício para um consenso em que paixões e vícios perdem sua contundência desvairada, transformando-se numa convivência razoável e hominizante. Num oceano de tanto impacto de dimensões incomensuráveis, vivemos numa corda bamba, tremulando sobre abismos. Nesta situação, assoma em nossa mente um apelo insopitável á filosofia dialética, a única corrente de pensamento capaz de nos ajudar. Ela é capaz de nos socorrer, desde que a constituamos o grande critério, o grande tribunal de julgamento do caráter, eminentemente, ideológico e acrítico das filosofias estudadas nesta obra.
O termo “dialética” vem do grego. Como explica Paul Foulquiê: “O prefixo dia exprime aqui idéia de reciprocidade ou de troca: dialegein é trocar palavras ou razões, conversar ou discutir. O substantivo dialéticos significa troca de impressões, conversação, discussão”. (FOULQUIÊ, 1979: 09).
CARACTERÍSTICAS DA DIALÉTICA
a) Totalidade. Esta característica é tão própria da dialética que sem ela a dialética não passaria do método corriqueiro de conhecimento próprio do senso comum. A totalidade é o ar que a dialética respira, pois o sentido das coisas não está na consideração de sua individualidade (parcialidade), mas na sua totalidade. Já sabemos que sem o todo não, não compreendemos as partes. Abaixo, este tema será mais desenvolvido.
b) Simultaneidade. Como decorrência imediata da totalidade, termos a característica da simultaneidade, pois se não podemos ver a realidade senão em sua totalidade, é evidente que tudo nesta é simultâneo: acontece ao mesmo tempo, não existindo um antes e um depois. Tudo acontece como as ondas do mar, não se sabendo onde começam e onde terminam. Elas vêm aos borbotões.
c) Criticidade. A criticidade é deveras natural à dialética como as águas da chuva, caindo nas encostas, correm para o mar. A filosofia dialética, dada sua estrutura de tese, antítese e síntese, só pode ser a mais crítica de todas as filosofias. É pena que Nietszcche, dada sua ogeriza antirrehgeliana não tenha se dado conta disto. O tema da crítica foi tratado no cap. 05.

PRINCÍPIOS DA DIALÉTICA
1 – Princípio da totalidade: tudo se relaciona
Este princípio poderia também se denominar : lei da interdependência dos opostos ou dos contrários; lei da reciprocidade; lei da ligação ou da interação; lei da conexão universal.
Para a dialética, a natureza se apresenta como um todo, onde objetos e fenômenos são ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. Desta maneira, “nenhum fenômeno, seja natural ou social, pode ser explicado isoladamente, sem que busquemos sua gênese e causa no processo mais amplo de feitos que o compõem. Separados deste processo mais amplo de que faz parte, o fenômeno torna-se totalmente desprovido de real significação. A dialética convida-nos, portanto, a analisar a realidade, assumindo uma visão de conjunto, que nos permite enxergar o processo de inter-relações dos fenômenos, superando a visão estanque e desconexa das coisas.” (COTRIN, 1997: 260). Vamos acentuar ainda mais este princípio, dando o máximo relevo à característica da totalidade de que já se falou. Para tanto, nada melhor do que a comparação entre a filosofia tradicional, no que se refere ao ser, e a filosofia dialética. Diferentemente da filosofia tradicional, “a dialética vê a natureza não como uma acumulação acidental de objetos, de fenômenos desligados uns dos outros, isolados e independentes uns dos outros, mas como um todo uno, coerente, onde os objetos, os fenômenos, estão ligados organicamente, dependendo uns dos outros e condicionando-se reciprocamente. É a razão por que o método dialético considera que nenhum elemento da natureza pode ser compreendido se é encarado isoladamente, fora dos fenômenos que o rodeiam; pois não importa que fenômenos, nem importa que domínio da natureza pode ser convertido num não-senso, se o consideramos fora das condições circundantes, se o isolamos dessas condições; pelo contrário, não importa que fenômeno pode se compreendido e explicado, se o consideramos em volta, se o consideramos tal como é condicionado pelos fenômenos que o circundam” (FOULQUIÉ, 1979: 60-61). Como exemplo do princípio da totalidade: tudo se relaciona, vamos apresentar algo mais simples. Trata-se da ferradura. À primeira vista, temos em vista um instrumento para proteger o casco dos cavalos. Entretanto, pensando bem, vamos encontrar nesta palavra “ferradura” uma série quase imensurável de mediações (geográficas, históricas, econômicas, sociais e até transcendentais). Vejamos. Há milênios, no seio da terra, a ferradura se achava potencialmente em estado de minério. Este minério não estava isolado dos outros componentes do planeta Terra. Um dia, o homem, levado pela necessidade de proteger seu animal – cuja produção era premente para sua própria subsistência – cavou o chão, retirou o metal, levou-o a um forno, transformou-o em um pedaço de ferro. Este, por sua vez, numa forja, se transforma na ferradura que, colocada no casco do equino, vai proporcionar-lhe mais resistência, segurança e produção. Eis as mediações por que passa a ferradura. Às vezes, nem mesmo a transcendência religiosa escapa à trajetória deste artefato. Gasta, a ferradura é retirada do pé do animal e pregada atrás da porta para evitar feitiços e coisas que tais.

2 – Princípio do movimento: tudo se transforma Este princípio pode-se intitular: lei da negação da negação, lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante, lei do movimento universal, lei da ultrapassagem. A dialética considera todas as coisas em seu devir. Já vimos que o movimento é uma qualidade inerente a todas as coisas, melhor dizendo, é a própria substância das coisas. A dialética “concebe a realidade não como um sistema estático, imutável, mas, inversamente, como um sistema aberto e dinâmico, em permanente movimento. O movimento não é, portanto, um aspecto secundário da realidade. Não natureza, mais movimento; sociedade, mais movimento. Não; a realidade é movimento, processo. Ele se manifesta, portanto, na natureza e na sociedade. Onde existe movimento, há transformação incessante. Transformação marcada tanto pelo nascimento e desenvolvimento, quanto pela decadência de qualquer fenômeno, seja do mundo material, seja do mundo social. Por isso, interessa ao pensamento dialético captar da realidade não apenas o dado estável que se revela a cada momento, mas também o processo estrutural mais amplo, que nos permite avaliar aquilo que já está decaindo, bem como espaços que se abrem para o nascimento do novo. É necessário, entretanto, não nos servirmos do pensamento dialético, como se fosse de uma ‘fórmula mágica’ capaz de justificar o passado ou amparar todas as nossas expectativas do futuro”. (COTRIN, 1997: 260-261). Como exemplo desta lei, pode-se apresentar o seguinte: lança-se na terra uma semente de mogno. A semente brota – é uma planta. Esta cresce e se transforma em uma árvore. A árvore, por sua vez, se transforma em madeira. Esta madeira, levada à marcenaria, se transforma em móvel. Este, depois de muito uso, apodrece e, na indústria, passa a ser adubo que vai contribuir para o cultivo de outras sementes. 3º - Princípio da mudança qualitativa
Estas mudanças qualitativas dão-se pelo acúmulo de elementos quantitativos que, num dado momento, produzem o qualitativamente novo. Dada a importância e o caráter revolucionário desta lei, vamos nos estender mais um pouco sobre ela. Para tanto, nada melhor – ao que pensamos – do que transcrever o que foi escrito por um filósofo russo: “A lei das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas[xii] diz como, de que modo, ocorre o processo de desenvolvimento, e qual é o mecanismo deste processo. Expressa a relação recíproca entre os contrários qualitativo e quantitativo das coisas e dos processos. Para compreender a essência desta lei, é preciso, antes de tudo, esclarecer o que é quantidade e qualidade.
- Conceito de qualidade ...O conceito de qualidade exprime as características de semelhança e diferença que as coisas possuem. Por qualidade entende-se o conjunto de características substanciais que expressam a natureza e os traços específicos de uma coisa.[xiii] Além de determinar o objeto, a qualidade indica que este se acha em equilíbrio relativo. Este fato é importante para sua existência, pois qualquer modificação da qualidade da coisa faz com que esta também mude de uma maneira radical. Por exemplo, a interrupção do metabolismo no organismo vivo significa sua destruição e morte, o fim da existência desse organismo, como tal. A qualidade é inseparável das coisas e é mutável, à medida que estas mudam. Para conhecer bem um objeto, compreender sua essência, é preciso tomá-la separadamente das coisas, determinar a identidade e as diferenças entre elas, e classificar suas qualidades e propriedades. A qualidade se manifesta nas propriedades que distinguem uma coisa das outras ou indicam as semelhanças entre elas. Cada coisa possui muitas propriedades. A modificação ou desaparecimento dalgumas delas ainda não leva à modificação da coisa. Por exemplo, a cor não é uma propriedade substancial para a gasolina. Para esta substância, a propriedade determinante é a inflamabilidade. Suponhamos, se numa reação química, a gasolina perder esta propriedade, a sua qualidade muda, deixando de ser combustível para motores. ... Além de uma determinada qualidade, cada objeto ou processo possui também características quantitativas. -- conceito de quantidade A quantidade caracteriza o objeto sob o aspecto do grau, da intensidade ou do nível de desenvolvimento de uma qualidade. Em regra, a quantidade se expressa em número. Para conhecer melhor a realidade, é necessária, além da qualitativa, fazer a análise quantitativa dos processos e fenômenos... As características qualitativas e quantitativas são interligadas, porquanto estão indissoluvelmente unidas e mutuamente determinadas, representando aspectos do mesmo objeto. Quando as mudanças quantitativas ultrapassam os limites normais, temos a ‘violação’ da medida, que conduz necessariamente à modificação da qualidade do objeto. Por exemplo, com a pressão atmosférica normal, a água mantém-se em estado líquido dentro da temperatura de 0º a 100º, solidificando-se com a temperatura abaixo de 0º e transformando-se em gás, em vapor, quando aquecida acima de 100 graus. O conceito filosófico de medida corresponde, em certo sentido, às concepções vulgares, segundo as quais, quando são ultrapassados certos limites, o que era positivo, se transforma em negativo, o que era útil, em nocivo. Por exemplo, a alimentação é condição indispensável à vida e à saúde. Mas, comer em excesso é nocivo ao processo de metabolismo e, afinal de contas, prejudica à saúde. Com o desequilíbrio na medida, a qualidade velha deixa de corresponder a uma nova quantidade, surge e agudiza-se entre elas a contradição que se resolve unicamente com o aparecimento de uma nova qualidade e de uma nova medida. Este processo qualifica-se como transformação das mudanças quantitativas em qualitativas. ... Esta lei é universal, a sua ação se revela tanto no mundo objetivo como no processo de conhecimento[xiv]. Por exemplo, falando-se nos organismos vivos, as mudanças quantitativas, diminutas e pequenas, nas primeiras etapas, acumulando-se, podem levar a transformações qualitativas, ao aparecimento de novos gêneros e espécies. Isto é muito importante para criar novas culturas agrícolas e raças de gado. Assim, graças à hibridação e seleção, podem multiplicar-se as variedades dos frutos, Tc A transformação da quantidade em qualidade verifica-se também na vida social. Por exemplo, a cooperação, isto é, a união de muitos trabalhadores num só processo de produção, cria uma nova força social produtiva, cujo poder é substancialmente diferente da simples soma de seus componentes. Diversas formas de cooperação criam condições para o trabalho mais rentábil, para a solução dos problemas das tarefas da produção e da satisfação das necessidades vitais ... É importante considerar, na prática, a interligação das mudanças qualitativas e quantitativas. Se desejamos obter uma nova qualidade, é necessário realizar uma preparação quantitativa; no entanto, muitas vezes, uma nova quantidade resulta da nova qualidade. Para esclarecer: os operários-modelo alcançam maior produtividade do trabalho, principalmente, através da utilização de material técnico e tecnológico qualitativamente novo, de nova organização do trabalho, do aumento da qualificação, etc. (Kaprívine, 1986 : 165-172)
4º - Princípio da contradição: tudo se opõe Este princípio se pode denominar também lei da unidade e luta dos contrários. Lembremos que este princípio enuncia um paradoxo: para haver oposição entre os elementos, é necessário que eles estejam interligados, unidos. Kaprívine ( p. 155) oferece a seguinte explicação: “Na natureza não orgânica, o exemplo mais elucidativo dos contrários é o imã, cuja característica principal é possuir a existência de dois pontos extremos chamados pólos, que se complementam e, ao mesmo tempo, se excluem mutuamente. Se quiséssemos separar o pólo norte do pólo sul, não conseguiríamos: dividido em duas, quatro, oitos partes, o magneto conserva suas propriedades”. A propósito, Foulquié, citando Politzer, dá o seguinte exemplo tirado da natureza animal: “Se tomarmos o exemplo de um ovo que é posto e chocado por uma galinha, vemos que no ovo se encontra o germe que, a uma certa temperatura e em certas condições, se desenvolve. Este germe, desenvolvendo-se, dará um pinto; assim, esse germe já é a negação do ovo. Vemos que no ovo há duas forças, a que tende que ele fique um ovo e a que tende a que venha ser pinto. O ovo está, pois, em desacordo consigo mesmo e todas as coisas estão em desacordo com elas próprias” (FOULQUIÉ, 1979, p. 64). Por sua vez, Gadotti (p.105) acrescenta: “A transformação só é possível porque, no seu interior, coexistem forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição. É o que se chama contradição, que é universal, inerente a todas as coisas materiais e espirituais. A contradição é a essência ou a lei fundamental da dialética...”. Para entender melhor a essência desta lei, é necessário definirmos o que são termos con-trários e o que são termos contraditórios. “Por contrários, entendemos os aspectos, as tendências e as forças internas dum objeto ou de um fenômeno que se excluem mutuamente, mas, ao mesmo tempo, não podem existir, umas sem as outras” [xv](KAPRÍVINE, 1986: 155). Vale dizer, termo contrário é aquele que nega o outro, mas não de maneira absoluta. Quando a negação é absoluta. o termo contrário se transforma em termo contraditório. E o que é termo contraditório? Lamentavelmente nossa língua emprega indiferenciadamente, um pelo outro,os termos “contrários” e “contraditórios”. Na realidade, eles têm sentido diferente. É necessário que o leitor ou o estudante tenha muita perspicácia para esta diferença, mas que tem de ser feita, se não quisermos tomar gato por lebre. Contrário, como já vimos, nega o termo oposto, em parte, pois não pode existir, sem fazer parte do oposto, por exemplo: o dia só tem sentido tendo em vista a noite; na verdade, não sabemos distinguir com precisão se é dia ou se já é noite. Contraditório, por seu lado, nega completamente o oposto, não deixando margem para nenhuma dúvida, exemplo: o lápis é absolutamente oposto ao não lápis, um elefante é inteiramente oposto a uma pedra, tem sentido mesmo que se prescinda da pedra, o mesmo podendo dizer-se de todos os termos díspares.[xvi] A dialética baseada em termos contra-ditórios, já não tem mais sentido, pelo menos depois que Hegel colocou em evidência a terceira face da dialética, que é a síntese. Ela não pode mais afirmar que algo existe e não existe ao mesmo tempo, ou que algo é e não é ao mesmo tempo. Seria contraditório[xvii]. “O que ela afirma é a convivência de contrários, ou seja, de elementos que têm na sua exclusão apenas uma face do fenômeno, Complementada necessariamente também pela face da polarização” (DEMO, 1983: 89 em Introdução à Metodologia da Ciência). É nesse sentido que se poderia[xviii] falar em identidade de contrários, pois existe uma convivência numa mesma totalidade, não exclusão pura e simples. Como veremos, oportunamente, o contrário permite e até fomenta o diálogo (diálogo entre situação e oposição, no terreno político, por exemplo). A propósito do dilema “contrário versus contraditório”, mais uma vez, vamos recorrer aos esclarecimentos de Kaprívine[xix]: “... os contrários estão presentes em todos os fenômenos e processos da realidade. A contrariedade tem caráter universal. Como atuam os contrários dentro dos fenômenos e objetos, uns sobre os outros? Esta interação implica tanto sua unidade como sua oposição. A unidade dos contrários consiste em estes, sendo reciprocamente determinados, não poderem existir, um sem o outro. A unidade significa que, em certas condições, os elementos ou aspectos contraditórios vêm a equilibrar-se. Esta justa combinação de elementos ou forças contrárias corresponde à etapa do desenvolvimento estável de uma coisa. No entanto, o equilíbrio dos contrários é relativo e temporário, podendo ser interrompido no curso da evolução, o que redunda no desaparecimento de outro em uma nova unidade dos contrários. Por exemplo, num organismo novo prevalece o processo de assimilação; na idade madura, a assimilação e desassimilação permanece em equilíbrio; na velhice, domina o processo de desassimilação. Apesar de estarem ligados entre si, os aspectos contraditórios estão ao mesmo tempo em luta, quer dizer, negam-se, excluem-se reciprocamente. Já dissemos que a unidade dos contrários é relativa, ao passo que a oposição entre eles... é absoluta,[xx] como absolutos são o movimento e o desenvolvimento. Efetivamente, a existência dos aspectos contraditórios pressupõe ações recíprocas entre eles e, como conseqüência, modificações recíprocas” (KAPRÍVINE, 1986: 156-157)
Dialética como visão de totalidade Heráclito (século VI a. C) pode ser considerado o criador da dialética, pois foi o primeiro pensador do Ocidente a ensinar que tudo está em contínua transformação, num total processo de mudança constante. “Tudo muda tão rapidamente, que não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio: na segunda vez, o rio não será mais o mesmo e nós mesmos já teremos também mudado” (GADOTTI, 1983 : 16). Para Heráclito, o movimento é a substância das coisas, sua essência mais alta[xxi]. “Segundo Heráclito tudo flui... tudo está em constante movimento... A realidade não é apenas Ser; ela não é por igual, apenas Não-ser. A realidade é realmente uma tensão que liga... Ser e Não-ser. Aparece, pela primeira vez na História da Filosofia, a Dialética” (CIRNE-LIMA, 1996 : 19). Na natureza, temos o movimento eterno: o fogo vive com a morte da terra; o ar vive com a morte do fogo; a água vive com a morte do ar; a terra vive com a morte da água. Na dialética, tudo se apresenta como interação dos contrários, como sua unidade e oposição. O conhecimento nasce da compreensão da unidade da luta dos contrários: os elementos hostis fundem-se, os divergentes formam uma harmonia perfeita, e tudo isto vai através da luta: tudo passa e muda, porque a luta é o pai, é o rei de tudo. Como se percebe, a dialética é uma visão de mundo, é uma filosofia, não somente um método. Para maiores esclarecimentos, consultar CORSHUNOVA e KIRILENCO, 1986 : 94). Contrariando o princípio de identidade, criado por Parmênides, o pensador de Éfeso[xxii] vai criar o princípio de contradição, o qual admite que um objeto pode ser e não ser[xxiii], ao mesmo tempo, e sob o mesmo aspecto. A dialética de Heráclito vai ser aplicada na educação por Sócrates, e recebe nova conotação na filosofia platônica. Platão lhe dá nova função: levar os seres humanos a ascenderem do mundo físico ao Mundo das Idéias. Aristóteles é uma anti-dialético. Cria a Lógica Formal para substituir a dialética. Isto é um dos motivos, segundo Nietzsche, de a filosofia de Aristóteles ir pouco além de uma simples ideologia. Em Heráclito, a dialética não passava de um dicotomia, uma “duática”: um processo em dois tempos – tese e antítese. Uma dialética negativa que se baseava na contradição[xxiv] absoluta. Nela, a antítese nega inteiramente a tese, fechando todas as portas ao diálogo, ao consenso – o que Hegel vai chamar de síntese. Criando a síntese, Hegel vai contribuir, de maneira clara, para a solução do contencioso do conhecimento. Como sabemos, Aristóteles definiu o conhecimento como a relação sujeito-objeto. Nesta relação – talvez Aristóteles não tenha percebido – está enrustida a dialética heraclitiana, dialética do conflito absoluto. Esta visão abre brecha para guerra entre sujeito e objeto, já que, ora o sujeito se sobrepõe ao objeto (inferência do Idealismo), ora o objeto se sobrepõe ao sujeito(inferência do Positivismo). A dialética de Heráclito leva a uma antinomia insuperável. Daí o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história, de acordo com assertiva de Heráclito: “a guerra é a parteira da história” Também esse tipo de dialética, supõe-se, vai fornecer subsídio macabro a Francis Bacon, para lançar seu apotégma de que “conhecer é poder”, apotégma que deu origem, certamente, à beligerância ecológica,como o exposto no cap. 02. Hegel, descobrindo a existência da síntese, começa a entreabrir a porta da esperança.: não existe sujeito isolado do objeto, nem objeto isolado do sujeito. A propósito, Pedro Demo, categoriza, depois da restauração da dialética da natureza:[xxv]: “A matéria passou a ser considerada parte da vida “ e Foulquiê escreve: “... nem subjetivismo puro, nem objetividade absoluta, mas informação do sujeito pelo objeto e do objeto pelo sujeito”, na afirmação de Foulquiê, p. 95. È a realização de umas das leis da dialética: tudo está ligado com tudo (Princípio da Totalidade). A realidade não é “posição de subjetividade”, nem um mundo de objetos pré-dados, mas, sim, uma “conexão acontecimental” em que o sujeito se transforma, de certa maneira, em objeto e o objeto se transforma em sujeito. Sujeito e objeto são mutuamente imbricados e, por isso, só podem ser pensados num jogo recíproco de inclusão e exclusão, que é interior a cada um dos termos. A conciliação entre os homens passa, necessariamente, pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto, nem do objeto que não se absolve no sujeito. pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto e a importância do objeto que não se absolve no sujeito É ocioso dizer que esta imbricação entre sujeito e objeto não se faz de maneira linear, mas de maneira interativa, dialética. A dialética de Heráclito, desconhecendo, porém, a presença da síntese, uma descoberta genial de Hegel, faz desta antinomia algo insuperável. Daí, o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história para, mais uma vez, lembrar o pensador dialético de Éfeso. Poderíamos dizer que a relação sujeito/objeto é a expressão histórica mais sangüinária e macabra da dialética fechada, dicotômica. O objeto afirma, o sujeito nega (Idealismo); o sujeito afirma, o objeto nega Não havendo um terceiro termo (tempo, face), ou um termo médio, o único jeito é resolver a questão pelo confronto físico, é pela força material, pela guerra. Repetindo, a história da humanidade tem sido, não raro, um desfilar de maldades, tragédias e morticínios O texto de Manfredo de Oliveira[xxvi], ora transcrito, confirma as últimas afirmações:
Assim, cada termo é ele mesmo e seu outro, mediação consigo através de seu outro. O sujeito só é sujeito enquanto exclui o objeto de si, mas, por outro lado, só é ele mesmo através da relação ao objeto e vice-versa. Cada um só é enquanto outro do outro e seu ser consiste, precisamente, nesta relação. Assim, a relação ao outro não é algo exterior ao seu ser, mas o constitui[xxvii]: cada um só é enquanto é o não ser do seu outro. O seu ser é, assim, movimento infinito do “transporte-se” um no outro. Ora, esta mútua imbricação entre sujeito e objeto, homem e mundo, no processo infinito de seu condicionamento recíproco é de tal sorte que o sujeito só é sujeito na medida em que se relaciona com o outro[xxviii], e isto é o que constitui a realidade dialeticamente concebida. Neste sentido não há sujeito puro sem mundo e sem história ... mas, sim sujeito que, enquanto determina o mundo é, também, por ele determinado ... cada sujeito é, sempre, sujeito numa objetalidade específica, isto é, numa configuração específica da convivência dos homens entre si e de sua interpretação, um reservatório de conhecimentos, que se foi gestando na história em sua comunidade concreta. Por outro lado, não existe um mundo objetivo puro[xxix], mas todo objeto é condicionado pelo sujeito que o capta sempre, a partir de um determinado contexto de sentido[xxx]”. (OLIVEIRA, Educação em Debate, Fort. 14 (2) jul/dez 1987 : 10/11).
Algumas idéias do texto: A – Para haver sujeito é necessário que haja indivíduo, e indivíduo é aquele ser (ser humano ou coisa) que não pode ser dividido, porque se for divido deixa de ser, exemplo, o corpo de um animal (humano ou não) se for dividido, deixa de ser corpo. Uma cadeira que for divida, deixa de ser cadeira; B - Por outra, o indivíduo, para ser indivíduo e, consequentemente, para ser sujeito deve ser separado do outro - exemplo: em um grupo social, os indivíduos são separados uns dos outros.; C - Dois dados a considerar: sem outro sujeito, eu acabo não sendo, pois o ser humano é, por natureza, um animal social; mas também, sem objeto, eu não sou, pois há um correlação entre sujeito e objeto. Essa correlação, que é similar à intencionalidade, é que faz que sujeito e objeto sejam. É só lembrar o que foi constituído tão ecologicamente por Heidegger: sem mundo não há homem e sem homem não há mundo. D – Tanto o sujeito quanto o objeto é produto da história numa reciprocidade dialética, ou seja, cada sujeito só é sujeito dentro de uma configuração específica ( dentro de uma época ou módulo histórico). De outro lado, porém, o objeto não é puro. Ele está sempre condicionado pelo sujeito que o determina, dentro de um contexto de sentido, por isso, podemos dizer que um fato não é um fato, mas aquilo que a comunidade pensante diz do fato. Existem vários tipos de dialética: dialética aberta/fechada, absoluta/relativa, negativa/positiva, estrutural/conjuntural, ortodoxa/revisitada, antiga/moderna, idealista/materialista, dicotômica/tricotômica, etc. Mas todas elas têm algo em comum: baseiam-se - é Pedro Demo quem afirmou acima - no princípio dado: “a realidade física ou social é intrinsecamente contraditória”.
CONCEITUAÇÃO DE DIALÉTICA O que é mesmo dialética? Algumas tentativas de conceituação: - a dialética (como filosofia, como doutrina) é a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento humano. Ou seja, a dialética pode ser definida como modelo mental dos processos de modificação e desenvolvimento do mundo. - dialética é o diálogo das coisas entre si; das coisas com os homens e dos homens consigo mesmos e com os outros homens. Vale a pena repetir a definição insinuada por Hegel, que, resumidamente, passaremos a explicar. Ei-la: Processo em três tempos – tese, antítese e síntese. Tese (afirmação) é o que está posto ou afirmado (coisa ou idéia). Antítese (negação) é o que nega a tese (coisa ou idéia). Esta negação não pode ser absoluta. Caso contrário, se cortaria o fio do diálogo. E o diálogo é a modalidade original da dialética, como está claramente patenteado em Sócrates e redescoberto em Paulo Freire. A síntese é a negação da negação, é a unidade dos contrários. Tese e síntese se encontram em um nível superior (pode ser inferior também). Concluindo, observamos que na exposição aqui referida, seguimos a concepção dialética no seguinte vetor: partimos de Heráclito, passando por Hegel, Marx, Gramsci, Vieira Pinto, tendo como último estágio o pensamento de Paulo Freire que, absorvendo a filosofia existencialista, dá à dialética um toque mais vivencial de humanismo.
CAP. 12
FILOSOFIA DIALÉTICA
A verdade é que tudo envolve algum conflito e alguma controvérsia. Ninguém vem ao mundo sem briga (Mangabeira Unger).
Desfolhando a segunda e terceira parte deste livro, podemos constatar que as filosofias essencialistas[vi] e existencialistas não são capazes de satisfazer a natureza das coisas e dos seres humanos. Essas filosofias são as seguintes: Idealismo, Realismo, Racionalismo, Criticismo, Empirismo, Positivismo. Quanto às filosofias existencialistas, apontamos o Pragmatismo e o Existencialismo. A incapacidade das primeiras se prende a seu caráter abstrato e apriorístico. As segundas, em que pese sua visão dinâmica, por adotarem ainda uma concepção linear do movimento, não levam em consideração a natureza contraditória (dialética) do mundo físico e, sobretudo, do mundo humano. Efetivamente, foi-se o tempo em que se pensava que a filosofia só tinha uma finalidade contemplativa, nada tendo a ver com a ordem prática. Hoje, graças à teoria da relatividade e da física quântica, aceita-se a tese de que, pelo menos a longo prazo, é a filosofia que resolve os mais profundos e graves problemas da humanidade. Soa, no mundo atual, um grande apelo à filosofia. Não obstante, não se trata de qualquer filosofia. As filosofias muito impregnadas de ideologia, as filosofias acríticas, pouco ajudam nesta fase da humanidade tão dispersiva e tão, explicitamente, inçada de fome, de doença epidêmica, de miséria, de opressão, de violência, de marginalização econômica que atinge metade da população do Globo.
Ineficiência das filosofias essencialistas
Podemos relacionar as seguintes características desta ineficiência ou seus motivos mais pontuais: 1- Tais filosofias, por seu caráter apriorístico, só vêem, no horizonte, um ser humano ideal, aquele que veio do céu, que só existe em nossas mentes, e não o homem na sua realidade, dolorosamente, existencial e social. Estas filosofias são como redes tecidas com fios abstratos, invisíveis e incapazes de pescar seres de carne e osso como são os seres humanos. Ao contrário, a filosofia dialética, pelo menos a de feição marxista e freiriana[vii], considera o ser humano na sua integridade terrena, aquele que tem o pé no pó e o coração nos espinhos. 2 – Essas filosofias, sobretudo, de tendência idealista e religiosa, de uma maneira ou de outra, desdenhando a vida presente, consideram este mundo, tão somente, um caminho, em demanda de um estado de vida extraterrena[viii]. Para elas, este mundo não merece maior atenção. Afinal, esquecem que o futuro depende do que fizermos dele no presente. A filosofia dialética, por sua própria estrutura, coloca em pé de igualdade as três dimensões do tempo 3 – Essas filosofias, na feição idealista[ix], exacerbam a subjetividade em detrimento da objetividade, anulando-se o objeto diante do sujeito; assim, o conhecimento acaba sendo um produto isolado da razão. Na feição realista, empirista e positivista, é o contrário: há uma exacerbação da objetividade em detrimento da subjetividade. O objeto impõe-se ao sujeito. Em ambos os casos, temos um desvirtuamento da natureza do conhecimento que, genui-namente, deve ser fruto tanto do sujeito quanto do objeto. Como sabemos, a natureza sempre se vinga, quando violentada. O desrespeito à natureza e à estrutura do conhecimento é um dos maiores responsáveis, senão o único, pelas desavenças e guerras entre os povos[x]. A filosofia dialética, a nível de conhecimento, é uma relação recíproca entre sujeito e objeto, considerando os dois elementos no mesmo patamar. 4 – Tais filosofias colocam, em plano inferior, a prática, quando não a desprezam. Ora, precisamos de uma filosofia que coloca, no mesmo nível, teoria e prática, pois nenhum lado é maior ou menor, anterior ou posterior, prioritário ou mero conseqüente. Esta postura é decisiva para não se cair na banalização da teoria, quando dicotomizada da prática. A prática, de seu lado, é importante, mas, isolada da teoria, torna-se cega e desastrada. Mais uma vez, precisamos de uma filosofia que seja uma filosofia da práxis, que institua a integração da teoria e da prática.
Quanto às filosofias existencialistas, sua deficiência se prende ao seguinte: a – No horizonte da humanidade, estas filosofias só vêem o indivíduo, deixando de lado a sociedade ou só vendo, nela, a oportunidade de ascensão ao plano da realização pessoal. Apesar de exaltarem a liberdade, esta não tem ligação com o possível, pois o possível está no futuro e as filosofias existencialistas não se importam com o futuro, tornando-se, portanto, o argumento decisivo do direito de fazer o que se quer, aqui e agora. É a exacerbação do “eu” que, ao final de um módulo no processo de hominização, deve se achar congruente, isto é: de bem consigo, de bem com a vida, de bem com os outros, de bem com Deus. Ora, precisamos de uma filosofia que demande uma relação recíproca entre indivíduo e a sociedade. b – Estas filosofias preconizam que o processo de hominização se faça somente de acordo com os interesses de cada um no presente histórico. É o presentismo em qualquer situação. O passado não conta e o futuro está nas mãos de Deus. É necessária, pois, uma filosofia que atri- bua o mesmo valor às três dimensões. c – As filosofias existencialistas, no afã de combater o racionalismo desbragado, acabam por envolver o homem na teia das paixões que, exacerbadas, se tornam vícios. Exemplo é o amor que se pode tornar ódio (uma das raízes da violência)[xi]. Urge uma filosofia que, ensinando que tudo está ligado com tudo, encaminhe o contencioso paixão/vício para um consenso em que paixões e vícios perdem sua contundência desvairada, transformando-se numa convivência razoável e hominizante. Num oceano de tanto impacto de dimensões incomensuráveis, vivemos numa corda bamba, tremulando sobre abismos. Nesta situação, assoma em nossa mente um apelo insopitável á filosofia dialética, a única corrente de pensamento capaz de nos ajudar. Ela é capaz de nos socorrer, desde que a constituamos o grande critério, o grande tribunal de julgamento do caráter, eminentemente, ideológico e acrítico das filosofias estudadas nesta obra.
O termo “dialética” vem do grego. Como explica Paul Foulquiê: “O prefixo dia exprime aqui idéia de reciprocidade ou de troca: dialegein é trocar palavras ou razões, conversar ou discutir. O substantivo dialéticos significa troca de impressões, conversação, discussão”. (FOULQUIÊ, 1979: 09).
CARACTERÍSTICAS DA DIALÉTICA
a) Totalidade. Esta característica é tão própria da dialética que sem ela a dialética não passaria do método corriqueiro de conhecimento próprio do senso comum. A totalidade é o ar que a dialética respira, pois o sentido das coisas não está na consideração de sua individualidade (parcialidade), mas na sua totalidade. Já sabemos que sem o todo não, não compreendemos as partes. Abaixo, este tema será mais desenvolvido.
b) Simultaneidade. Como decorrência imediata da totalidade, termos a característica da simultaneidade, pois se não podemos ver a realidade senão em sua totalidade, é evidente que tudo nesta é simultâneo: acontece ao mesmo tempo, não existindo um antes e um depois. Tudo acontece como as ondas do mar, não se sabendo onde começam e onde terminam. Elas vêm aos borbotões.
c) Criticidade. A criticidade é deveras natural à dialética como as águas da chuva, caindo nas encostas, correm para o mar. A filosofia dialética, dada sua estrutura de tese, antítese e síntese, só pode ser a mais crítica de todas as filosofias. É pena que Nietszcche, dada sua ogeriza antirrehgeliana não tenha se dado conta disto. O tema da crítica foi tratado no cap. 05.

PRINCÍPIOS DA DIALÉTICA
1 – Princípio da totalidade: tudo se relaciona
Este princípio poderia também se denominar : lei da interdependência dos opostos ou dos contrários; lei da reciprocidade; lei da ligação ou da interação; lei da conexão universal.
Para a dialética, a natureza se apresenta como um todo, onde objetos e fenômenos são ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. Desta maneira, “nenhum fenômeno, seja natural ou social, pode ser explicado isoladamente, sem que busquemos sua gênese e causa no processo mais amplo de feitos que o compõem. Separados deste processo mais amplo de que faz parte, o fenômeno torna-se totalmente desprovido de real significação. A dialética convida-nos, portanto, a analisar a realidade, assumindo uma visão de conjunto, que nos permite enxergar o processo de inter-relações dos fenômenos, superando a visão estanque e desconexa das coisas.” (COTRIN, 1997: 260). Vamos acentuar ainda mais este princípio, dando o máximo relevo à característica da totalidade de que já se falou. Para tanto, nada melhor do que a comparação entre a filosofia tradicional, no que se refere ao ser, e a filosofia dialética. Diferentemente da filosofia tradicional, “a dialética vê a natureza não como uma acumulação acidental de objetos, de fenômenos desligados uns dos outros, isolados e independentes uns dos outros, mas como um todo uno, coerente, onde os objetos, os fenômenos, estão ligados organicamente, dependendo uns dos outros e condicionando-se reciprocamente. É a razão por que o método dialético considera que nenhum elemento da natureza pode ser compreendido se é encarado isoladamente, fora dos fenômenos que o rodeiam; pois não importa que fenômenos, nem importa que domínio da natureza pode ser convertido num não-senso, se o consideramos fora das condições circundantes, se o isolamos dessas condições; pelo contrário, não importa que fenômeno pode se compreendido e explicado, se o consideramos em volta, se o consideramos tal como é condicionado pelos fenômenos que o circundam” (FOULQUIÉ, 1979: 60-61). Como exemplo do princípio da totalidade: tudo se relaciona, vamos apresentar algo mais simples. Trata-se da ferradura. À primeira vista, temos em vista um instrumento para proteger o casco dos cavalos. Entretanto, pensando bem, vamos encontrar nesta palavra “ferradura” uma série quase imensurável de mediações (geográficas, históricas, econômicas, sociais e até transcendentais). Vejamos. Há milênios, no seio da terra, a ferradura se achava potencialmente em estado de minério. Este minério não estava isolado dos outros componentes do planeta Terra. Um dia, o homem, levado pela necessidade de proteger seu animal – cuja produção era premente para sua própria subsistência – cavou o chão, retirou o metal, levou-o a um forno, transformou-o em um pedaço de ferro. Este, por sua vez, numa forja, se transforma na ferradura que, colocada no casco do equino, vai proporcionar-lhe mais resistência, segurança e produção. Eis as mediações por que passa a ferradura. Às vezes, nem mesmo a transcendência religiosa escapa à trajetória deste artefato. Gasta, a ferradura é retirada do pé do animal e pregada atrás da porta para evitar feitiços e coisas que tais.

2 – Princípio do movimento: tudo se transforma Este princípio pode-se intitular: lei da negação da negação, lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante, lei do movimento universal, lei da ultrapassagem. A dialética considera todas as coisas em seu devir. Já vimos que o movimento é uma qualidade inerente a todas as coisas, melhor dizendo, é a própria substância das coisas. A dialética “concebe a realidade não como um sistema estático, imutável, mas, inversamente, como um sistema aberto e dinâmico, em permanente movimento. O movimento não é, portanto, um aspecto secundário da realidade. Não natureza, mais movimento; sociedade, mais movimento. Não; a realidade é movimento, processo. Ele se manifesta, portanto, na natureza e na sociedade. Onde existe movimento, há transformação incessante. Transformação marcada tanto pelo nascimento e desenvolvimento, quanto pela decadência de qualquer fenômeno, seja do mundo material, seja do mundo social. Por isso, interessa ao pensamento dialético captar da realidade não apenas o dado estável que se revela a cada momento, mas também o processo estrutural mais amplo, que nos permite avaliar aquilo que já está decaindo, bem como espaços que se abrem para o nascimento do novo. É necessário, entretanto, não nos servirmos do pensamento dialético, como se fosse de uma ‘fórmula mágica’ capaz de justificar o passado ou amparar todas as nossas expectativas do futuro”. (COTRIN, 1997: 260-261). Como exemplo desta lei, pode-se apresentar o seguinte: lança-se na terra uma semente de mogno. A semente brota – é uma planta. Esta cresce e se transforma em uma árvore. A árvore, por sua vez, se transforma em madeira. Esta madeira, levada à marcenaria, se transforma em móvel. Este, depois de muito uso, apodrece e, na indústria, passa a ser adubo que vai contribuir para o cultivo de outras sementes. 3º - Princípio da mudança qualitativa
Estas mudanças qualitativas dão-se pelo acúmulo de elementos quantitativos que, num dado momento, produzem o qualitativamente novo. Dada a importância e o caráter revolucionário desta lei, vamos nos estender mais um pouco sobre ela. Para tanto, nada melhor – ao que pensamos – do que transcrever o que foi escrito por um filósofo russo: “A lei das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas[xii] diz como, de que modo, ocorre o processo de desenvolvimento, e qual é o mecanismo deste processo. Expressa a relação recíproca entre os contrários qualitativo e quantitativo das coisas e dos processos. Para compreender a essência desta lei, é preciso, antes de tudo, esclarecer o que é quantidade e qualidade.
- Conceito de qualidade ...O conceito de qualidade exprime as características de semelhança e diferença que as coisas possuem. Por qualidade entende-se o conjunto de características substanciais que expressam a natureza e os traços específicos de uma coisa.[xiii] Além de determinar o objeto, a qualidade indica que este se acha em equilíbrio relativo. Este fato é importante para sua existência, pois qualquer modificação da qualidade da coisa faz com que esta também mude de uma maneira radical. Por exemplo, a interrupção do metabolismo no organismo vivo significa sua destruição e morte, o fim da existência desse organismo, como tal. A qualidade é inseparável das coisas e é mutável, à medida que estas mudam. Para conhecer bem um objeto, compreender sua essência, é preciso tomá-la separadamente das coisas, determinar a identidade e as diferenças entre elas, e classificar suas qualidades e propriedades. A qualidade se manifesta nas propriedades que distinguem uma coisa das outras ou indicam as semelhanças entre elas. Cada coisa possui muitas propriedades. A modificação ou desaparecimento dalgumas delas ainda não leva à modificação da coisa. Por exemplo, a cor não é uma propriedade substancial para a gasolina. Para esta substância, a propriedade determinante é a inflamabilidade. Suponhamos, se numa reação química, a gasolina perder esta propriedade, a sua qualidade muda, deixando de ser combustível para motores. ... Além de uma determinada qualidade, cada objeto ou processo possui também características quantitativas. -- conceito de quantidade A quantidade caracteriza o objeto sob o aspecto do grau, da intensidade ou do nível de desenvolvimento de uma qualidade. Em regra, a quantidade se expressa em número. Para conhecer melhor a realidade, é necessária, além da qualitativa, fazer a análise quantitativa dos processos e fenômenos... As características qualitativas e quantitativas são interligadas, porquanto estão indissoluvelmente unidas e mutuamente determinadas, representando aspectos do mesmo objeto. Quando as mudanças quantitativas ultrapassam os limites normais, temos a ‘violação’ da medida, que conduz necessariamente à modificação da qualidade do objeto. Por exemplo, com a pressão atmosférica normal, a água mantém-se em estado líquido dentro da temperatura de 0º a 100º, solidificando-se com a temperatura abaixo de 0º e transformando-se em gás, em vapor, quando aquecida acima de 100 graus. O conceito filosófico de medida corresponde, em certo sentido, às concepções vulgares, segundo as quais, quando são ultrapassados certos limites, o que era positivo, se transforma em negativo, o que era útil, em nocivo. Por exemplo, a alimentação é condição indispensável à vida e à saúde. Mas, comer em excesso é nocivo ao processo de metabolismo e, afinal de contas, prejudica à saúde. Com o desequilíbrio na medida, a qualidade velha deixa de corresponder a uma nova quantidade, surge e agudiza-se entre elas a contradição que se resolve unicamente com o aparecimento de uma nova qualidade e de uma nova medida. Este processo qualifica-se como transformação das mudanças quantitativas em qualitativas. ... Esta lei é universal, a sua ação se revela tanto no mundo objetivo como no processo de conhecimento[xiv]. Por exemplo, falando-se nos organismos vivos, as mudanças quantitativas, diminutas e pequenas, nas primeiras etapas, acumulando-se, podem levar a transformações qualitativas, ao aparecimento de novos gêneros e espécies. Isto é muito importante para criar novas culturas agrícolas e raças de gado. Assim, graças à hibridação e seleção, podem multiplicar-se as variedades dos frutos, Tc A transformação da quantidade em qualidade verifica-se também na vida social. Por exemplo, a cooperação, isto é, a união de muitos trabalhadores num só processo de produção, cria uma nova força social produtiva, cujo poder é substancialmente diferente da simples soma de seus componentes. Diversas formas de cooperação criam condições para o trabalho mais rentábil, para a solução dos problemas das tarefas da produção e da satisfação das necessidades vitais ... É importante considerar, na prática, a interligação das mudanças qualitativas e quantitativas. Se desejamos obter uma nova qualidade, é necessário realizar uma preparação quantitativa; no entanto, muitas vezes, uma nova quantidade resulta da nova qualidade. Para esclarecer: os operários-modelo alcançam maior produtividade do trabalho, principalmente, através da utilização de material técnico e tecnológico qualitativamente novo, de nova organização do trabalho, do aumento da qualificação, etc. (Kaprívine, 1986 : 165-172)
4º - Princípio da contradição: tudo se opõe Este princípio se pode denominar também lei da unidade e luta dos contrários. Lembremos que este princípio enuncia um paradoxo: para haver oposição entre os elementos, é necessário que eles estejam interligados, unidos. Kaprívine ( p. 155) oferece a seguinte explicação: “Na natureza não orgânica, o exemplo mais elucidativo dos contrários é o imã, cuja característica principal é possuir a existência de dois pontos extremos chamados pólos, que se complementam e, ao mesmo tempo, se excluem mutuamente. Se quiséssemos separar o pólo norte do pólo sul, não conseguiríamos: dividido em duas, quatro, oitos partes, o magneto conserva suas propriedades”. A propósito, Foulquié, citando Politzer, dá o seguinte exemplo tirado da natureza animal: “Se tomarmos o exemplo de um ovo que é posto e chocado por uma galinha, vemos que no ovo se encontra o germe que, a uma certa temperatura e em certas condições, se desenvolve. Este germe, desenvolvendo-se, dará um pinto; assim, esse germe já é a negação do ovo. Vemos que no ovo há duas forças, a que tende que ele fique um ovo e a que tende a que venha ser pinto. O ovo está, pois, em desacordo consigo mesmo e todas as coisas estão em desacordo com elas próprias” (FOULQUIÉ, 1979, p. 64). Por sua vez, Gadotti (p.105) acrescenta: “A transformação só é possível porque, no seu interior, coexistem forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição. É o que se chama contradição, que é universal, inerente a todas as coisas materiais e espirituais. A contradição é a essência ou a lei fundamental da dialética...”. Para entender melhor a essência desta lei, é necessário definirmos o que são termos con-trários e o que são termos contraditórios. “Por contrários, entendemos os aspectos, as tendências e as forças internas dum objeto ou de um fenômeno que se excluem mutuamente, mas, ao mesmo tempo, não podem existir, umas sem as outras” [xv](KAPRÍVINE, 1986: 155). Vale dizer, termo contrário é aquele que nega o outro, mas não de maneira absoluta. Quando a negação é absoluta. o termo contrário se transforma em termo contraditório. E o que é termo contraditório? Lamentavelmente nossa língua emprega indiferenciadamente, um pelo outro,os termos “contrários” e “contraditórios”. Na realidade, eles têm sentido diferente. É necessário que o leitor ou o estudante tenha muita perspicácia para esta diferença, mas que tem de ser feita, se não quisermos tomar gato por lebre. Contrário, como já vimos, nega o termo oposto, em parte, pois não pode existir, sem fazer parte do oposto, por exemplo: o dia só tem sentido tendo em vista a noite; na verdade, não sabemos distinguir com precisão se é dia ou se já é noite. Contraditório, por seu lado, nega completamente o oposto, não deixando margem para nenhuma dúvida, exemplo: o lápis é absolutamente oposto ao não lápis, um elefante é inteiramente oposto a uma pedra, tem sentido mesmo que se prescinda da pedra, o mesmo podendo dizer-se de todos os termos díspares.[xvi] A dialética baseada em termos contra-ditórios, já não tem mais sentido, pelo menos depois que Hegel colocou em evidência a terceira face da dialética, que é a síntese. Ela não pode mais afirmar que algo existe e não existe ao mesmo tempo, ou que algo é e não é ao mesmo tempo. Seria contraditório[xvii]. “O que ela afirma é a convivência de contrários, ou seja, de elementos que têm na sua exclusão apenas uma face do fenômeno, Complementada necessariamente também pela face da polarização” (DEMO, 1983: 89 em Introdução à Metodologia da Ciência). É nesse sentido que se poderia[xviii] falar em identidade de contrários, pois existe uma convivência numa mesma totalidade, não exclusão pura e simples. Como veremos, oportunamente, o contrário permite e até fomenta o diálogo (diálogo entre situação e oposição, no terreno político, por exemplo). A propósito do dilema “contrário versus contraditório”, mais uma vez, vamos recorrer aos esclarecimentos de Kaprívine[xix]: “... os contrários estão presentes em todos os fenômenos e processos da realidade. A contrariedade tem caráter universal. Como atuam os contrários dentro dos fenômenos e objetos, uns sobre os outros? Esta interação implica tanto sua unidade como sua oposição. A unidade dos contrários consiste em estes, sendo reciprocamente determinados, não poderem existir, um sem o outro. A unidade significa que, em certas condições, os elementos ou aspectos contraditórios vêm a equilibrar-se. Esta justa combinação de elementos ou forças contrárias corresponde à etapa do desenvolvimento estável de uma coisa. No entanto, o equilíbrio dos contrários é relativo e temporário, podendo ser interrompido no curso da evolução, o que redunda no desaparecimento de outro em uma nova unidade dos contrários. Por exemplo, num organismo novo prevalece o processo de assimilação; na idade madura, a assimilação e desassimilação permanece em equilíbrio; na velhice, domina o processo de desassimilação. Apesar de estarem ligados entre si, os aspectos contraditórios estão ao mesmo tempo em luta, quer dizer, negam-se, excluem-se reciprocamente. Já dissemos que a unidade dos contrários é relativa, ao passo que a oposição entre eles... é absoluta,[xx] como absolutos são o movimento e o desenvolvimento. Efetivamente, a existência dos aspectos contraditórios pressupõe ações recíprocas entre eles e, como conseqüência, modificações recíprocas” (KAPRÍVINE, 1986: 156-157)
Dialética como visão de totalidade Heráclito (século VI a. C) pode ser considerado o criador da dialética, pois foi o primeiro pensador do Ocidente a ensinar que tudo está em contínua transformação, num total processo de mudança constante. “Tudo muda tão rapidamente, que não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio: na segunda vez, o rio não será mais o mesmo e nós mesmos já teremos também mudado” (GADOTTI, 1983 : 16). Para Heráclito, o movimento é a substância das coisas, sua essência mais alta[xxi]. “Segundo Heráclito tudo flui... tudo está em constante movimento... A realidade não é apenas Ser; ela não é por igual, apenas Não-ser. A realidade é realmente uma tensão que liga... Ser e Não-ser. Aparece, pela primeira vez na História da Filosofia, a Dialética” (CIRNE-LIMA, 1996 : 19). Na natureza, temos o movimento eterno: o fogo vive com a morte da terra; o ar vive com a morte do fogo; a água vive com a morte do ar; a terra vive com a morte da água. Na dialética, tudo se apresenta como interação dos contrários, como sua unidade e oposição. O conhecimento nasce da compreensão da unidade da luta dos contrários: os elementos hostis fundem-se, os divergentes formam uma harmonia perfeita, e tudo isto vai através da luta: tudo passa e muda, porque a luta é o pai, é o rei de tudo. Como se percebe, a dialética é uma visão de mundo, é uma filosofia, não somente um método. Para maiores esclarecimentos, consultar CORSHUNOVA e KIRILENCO, 1986 : 94). Contrariando o princípio de identidade, criado por Parmênides, o pensador de Éfeso[xxii] vai criar o princípio de contradição, o qual admite que um objeto pode ser e não ser[xxiii], ao mesmo tempo, e sob o mesmo aspecto. A dialética de Heráclito vai ser aplicada na educação por Sócrates, e recebe nova conotação na filosofia platônica. Platão lhe dá nova função: levar os seres humanos a ascenderem do mundo físico ao Mundo das Idéias. Aristóteles é uma anti-dialético. Cria a Lógica Formal para substituir a dialética. Isto é um dos motivos, segundo Nietzsche, de a filosofia de Aristóteles ir pouco além de uma simples ideologia. Em Heráclito, a dialética não passava de um dicotomia, uma “duática”: um processo em dois tempos – tese e antítese. Uma dialética negativa que se baseava na contradição[xxiv] absoluta. Nela, a antítese nega inteiramente a tese, fechando todas as portas ao diálogo, ao consenso – o que Hegel vai chamar de síntese. Criando a síntese, Hegel vai contribuir, de maneira clara, para a solução do contencioso do conhecimento. Como sabemos, Aristóteles definiu o conhecimento como a relação sujeito-objeto. Nesta relação – talvez Aristóteles não tenha percebido – está enrustida a dialética heraclitiana, dialética do conflito absoluto. Esta visão abre brecha para guerra entre sujeito e objeto, já que, ora o sujeito se sobrepõe ao objeto (inferência do Idealismo), ora o objeto se sobrepõe ao sujeito(inferência do Positivismo). A dialética de Heráclito leva a uma antinomia insuperável. Daí o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história, de acordo com assertiva de Heráclito: “a guerra é a parteira da história” Também esse tipo de dialética, supõe-se, vai fornecer subsídio macabro a Francis Bacon, para lançar seu apotégma de que “conhecer é poder”, apotégma que deu origem, certamente, à beligerância ecológica,como o exposto no cap. 02. Hegel, descobrindo a existência da síntese, começa a entreabrir a porta da esperança.: não existe sujeito isolado do objeto, nem objeto isolado do sujeito. A propósito, Pedro Demo, categoriza, depois da restauração da dialética da natureza:[xxv]: “A matéria passou a ser considerada parte da vida “ e Foulquiê escreve: “... nem subjetivismo puro, nem objetividade absoluta, mas informação do sujeito pelo objeto e do objeto pelo sujeito”, na afirmação de Foulquiê, p. 95. È a realização de umas das leis da dialética: tudo está ligado com tudo (Princípio da Totalidade). A realidade não é “posição de subjetividade”, nem um mundo de objetos pré-dados, mas, sim, uma “conexão acontecimental” em que o sujeito se transforma, de certa maneira, em objeto e o objeto se transforma em sujeito. Sujeito e objeto são mutuamente imbricados e, por isso, só podem ser pensados num jogo recíproco de inclusão e exclusão, que é interior a cada um dos termos. A conciliação entre os homens passa, necessariamente, pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto, nem do objeto que não se absolve no sujeito. pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto e a importância do objeto que não se absolve no sujeito É ocioso dizer que esta imbricação entre sujeito e objeto não se faz de maneira linear, mas de maneira interativa, dialética. A dialética de Heráclito, desconhecendo, porém, a presença da síntese, uma descoberta genial de Hegel, faz desta antinomia algo insuperável. Daí, o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história para, mais uma vez, lembrar o pensador dialético de Éfeso. Poderíamos dizer que a relação sujeito/objeto é a expressão histórica mais sangüinária e macabra da dialética fechada, dicotômica. O objeto afirma, o sujeito nega (Idealismo); o sujeito afirma, o objeto nega Não havendo um terceiro termo (tempo, face), ou um termo médio, o único jeito é resolver a questão pelo confronto físico, é pela força material, pela guerra. Repetindo, a história da humanidade tem sido, não raro, um desfilar de maldades, tragédias e morticínios O texto de Manfredo de Oliveira[xxvi], ora transcrito, confirma as últimas afirmações:
Assim, cada termo é ele mesmo e seu outro, mediação consigo através de seu outro. O sujeito só é sujeito enquanto exclui o objeto de si, mas, por outro lado, só é ele mesmo através da relação ao objeto e vice-versa. Cada um só é enquanto outro do outro e seu ser consiste, precisamente, nesta relação. Assim, a relação ao outro não é algo exterior ao seu ser, mas o constitui[xxvii]: cada um só é enquanto é o não ser do seu outro. O seu ser é, assim, movimento infinito do “transporte-se” um no outro. Ora, esta mútua imbricação entre sujeito e objeto, homem e mundo, no processo infinito de seu condicionamento recíproco é de tal sorte que o sujeito só é sujeito na medida em que se relaciona com o outro[xxviii], e isto é o que constitui a realidade dialeticamente concebida. Neste sentido não há sujeito puro sem mundo e sem história ... mas, sim sujeito que, enquanto determina o mundo é, também, por ele determinado ... cada sujeito é, sempre, sujeito numa objetalidade específica, isto é, numa configuração específica da convivência dos homens entre si e de sua interpretação, um reservatório de conhecimentos, que se foi gestando na história em sua comunidade concreta. Por outro lado, não existe um mundo objetivo puro[xxix], mas todo objeto é condicionado pelo sujeito que o capta sempre, a partir de um determinado contexto de sentido[xxx]”. (OLIVEIRA, Educação em Debate, Fort. 14 (2) jul/dez 1987 : 10/11).
Algumas idéias do texto: A – Para haver sujeito é necessário que haja indivíduo, e indivíduo é aquele ser (ser humano ou coisa) que não pode ser dividido, porque se for divido deixa de ser, exemplo, o corpo de um animal (humano ou não) se for dividido, deixa de ser corpo. Uma cadeira que for divida, deixa de ser cadeira; B - Por outra, o indivíduo, para ser indivíduo e, consequentemente, para ser sujeito deve ser separado do outro - exemplo: em um grupo social, os indivíduos são separados uns dos outros.; C - Dois dados a considerar: sem outro sujeito, eu acabo não sendo, pois o ser humano é, por natureza, um animal social; mas também, sem objeto, eu não sou, pois há um correlação entre sujeito e objeto. Essa correlação, que é similar à intencionalidade, é que faz que sujeito e objeto sejam. É só lembrar o que foi constituído tão ecologicamente por Heidegger: sem mundo não há homem e sem homem não há mundo. D – Tanto o sujeito quanto o objeto é produto da história numa reciprocidade dialética, ou seja, cada sujeito só é sujeito dentro de uma configuração específica ( dentro de uma época ou módulo histórico). De outro lado, porém, o objeto não é puro. Ele está sempre condicionado pelo sujeito que o determina, dentro de um contexto de sentido, por isso, podemos dizer que um fato não é um fato, mas aquilo que a comunidade pensante diz do fato. Existem vários tipos de dialética: dialética aberta/fechada, absoluta/relativa, negativa/positiva, estrutural/conjuntural, ortodoxa/revisitada, antiga/moderna, idealista/materialista, dicotômica/tricotômica, etc. Mas todas elas têm algo em comum: baseiam-se - é Pedro Demo quem afirmou acima - no princípio dado: “a realidade física ou social é intrinsecamente contraditória”.
CONCEITUAÇÃO DE DIALÉTICA O que é mesmo dialética? Algumas tentativas de conceituação: - a dialética (como filosofia, como doutrina) é a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento humano. Ou seja, a dialética pode ser definida como modelo mental dos processos de modificação e desenvolvimento do mundo. - dialética é o diálogo das coisas entre si; das coisas com os homens e dos homens consigo mesmos e com os outros homens. Vale a pena repetir a definição insinuada por Hegel, que, resumidamente, passaremos a explicar. Ei-la: Processo em três tempos – tese, antítese e síntese. Tese (afirmação) é o que está posto ou afirmado (coisa ou idéia). Antítese (negação) é o que nega a tese (coisa ou idéia). Esta negação não pode ser absoluta. Caso contrário, se cortaria o fio do diálogo. E o diálogo é a modalidade original da dialética, como está claramente patenteado em Sócrates e redescoberto em Paulo Freire. A síntese é a negação da negação, é a unidade dos contrários. Tese e síntese se encontram em um nível superior (pode ser inferior também). Concluindo, observamos que na exposição aqui referida, seguimos a concepção dialética no seguinte vetor: partimos de Heráclito, passando por Hegel, Marx, Gramsci, Vieira Pinto, tendo como último estágio o pensamento de Paulo Freire que, absorvendo a filosofia existencialista, dá à dialética um toque mais vivencial de humanismo.

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Companhia Editora Nacional, 1975.





[vi] À exceção do Pragmatismo e do Existencialismo, todas as outras filosofias relacionadas são
Essencialistas, por apregoarem a existência nas, coisas, de uma essência a priori.
[vii] Em tempo, todas as vezes que falamos de dialética, estamos nos referindo à dialética de Paulo
Freire (tão bem consubstanciada na Pedagogia do Oprimido), que é uma síntese atualizada do
pensamento dialético de Heráclito, Hegel, Marx, Gramsci e Vieira Pinto
[viii] Ver, no cap. 07, o Idealismo Platônico e o de Santo Agostinho.
[ix] Vimos que a filosofia realista, apesar de ser uma reação ao platonismo, acaba inserindo em sua te-
mática, várias idéias dos idealismo platônico, e esta de que as idéias estão nas coisas, é uma delas.
Quanto ao fato de, nas filosofias realistas, o objeto se sobrepor ao sujeito, é só reler a referência
sobre a física aristotélica, revisitada pelo Positivismo.
[x] “Conhecer é poder”, disse Francis Bacon. Quem conhece pode tudo. Ai de quem desrespeita o
conhecimento; a história está repleta de guerras e tragédias provenientes desse desrespeito.

[xi] Devemos nos libertar da prepotência da razão, mas isto não nos dá o direito de fazer dela um zero à esquerda.
[xii] Os destaques são nossos.
[xiii] Os destaques são nossos.
[xiv] Os destaques são nossos
[xv] Os destaques são nossos.
[xvi] Termos díspares são aqueles que têm sentido diferente, quando um nada tem a ver com o outro, ex.: uma faca e um relógio.
[xvii] Aqui, vemos que Heráclito, o importante criador da dialética antiga, teve que ser corrigido. Sua dialética só tinha duas faces: tese e antítese; a terceira face ou tempo, ou não era pensada ou não era explicitada claramente. Sendo assim, era uma dialética dicotômica, antagônica e contraditória; eliminava o diálogo. A dialética praticada na Rússia, durante a vigência do chamado Socialismo Real, parece ter sido esta. Creio estar aqui o maior mérito de Hegel que, enfatizando a importância da síntese, a longo prazo, vai abrir caminho para Paulo Freire criar a Pedagogia Dialógica.
[xviii] Na realidade, não podemos falar aqui em identidade; isto seria um retrocesso à posição de Parmênides que criou o princípio de identidade que tantos desastres provocou na história, sendo um deles a emergência do chamado pensamento único de que, fora do mercado não há salvação. O princípio de identidade tão importante na matemática e na lógica formal, é inteiramente inadequado quando se trata da realidade concreta.
43 O destaque é nosso.

[xxi] O termo substância é a categoria que sustenta a realidade, sem ela, a realidade deixa de existir, por
isso, substância e essência se equivalem.
[xxii] Heráclito era natural de Éfeso, nas colônias gregas da Ásia Menor, hoje Turquia..

[xxiv] A contradição se baseia em termos contraditórios; termos contraditórios negam inteiramente o que
se afirma, dando origem às desavenças e às guerras. Hegel, depois, criando a síntese, irá colocar a
dialética na convergência do consenso e da pacificação.
[xxv] A dialética da natureza foi negada pela Escola de Frankfurt, mas reafirmada atualmente pelo
biólogo Prigogine e o físico Capra..
151 Manfredo de Oliveira é um filósofo cearense, professor da Universidade Federal do Ceará. O
texto deste autor ultrapassa as posições de Hegel e Marx, pois absorve a contribuição da Fenomenologia que só vai ser conhecida com os filósofos existencialistas, já no século XX. É muito conhecida a expressão de Heidegger: “sem homem não há mundo e sem mundo não há homem”. Entre o mundo e o homem há uma relação (tropismo) tão forte que, sem ela, o homem e o mundo não existiriam.
152 Este outro pode ser o mundo físico ou o mundo social.
153 e 154 A realidade existe fora do homem, mas só tem sentido através do homem e pelo homem,
seja, só existe a realidade que interessa ao ser humano (realidade para mim): só existe
mundo quando ele é subjetivado pelo homem e só existe homem quando ele é objetivado pelo
mundo. Este mundo pode ser físico ou social.