terça-feira, 26 de maio de 2009

CAP. 11 - FILOSOFIA EXISTENCIALISTA

CAPÍTULO 11

FILOSOFIA EXISTENCIALISTA FENOMENOLÓGICA

A quem ama tudo é permitido (Santo Agostinho)

Quando falamos de Existencialismo, logo nos vêm à mente conceitos como: homocentrismo, humanismo, personalismo, existência, liberdade, paixão, autenticidade, engajamento, angústia, sofrimento, morte e outros.
Vamos, porém, às sementes históricas do Existencialismo e a alguns presumíveis precursores. A primeira sementinha de Existencialismo, poderíamos localizá-la em Sócrates. Os filósofos pré-socráticos estavam preocupados com os fundamentos do universo físico: o cosmos. Sócrates inverte o vetor da filosofia para dentro do homem. Toma, como preocupação máxima de sua reflexão, a expressão gravada no frontispício do Templo de Delfos, o célebre princípio: “conhece-te a ti mesmo”. Mais importante que o conhecimento do universo é o conhecimento do homem, base de todo o humanismo. Está criada a antropologia - a parte da filosofia que trata do homem.
De Sócrates, damos um salto de mil anos. No século IV/V, vamos encontrar Santo Agostinho. Neste grande filósofo platônico, vamos encontrar vestígios de idéias, depois contempladas pelo Existencialismo. O Existencialismo dá muita importância às paixões, sobretudo à paixão do amor. Santo Agostinho deixou algumas intuições de grande profundidade psicológica, muitas delas similares aos ensinamentos dos maiores filósofos existencialistas. A propósito do amor e da liberdade, o bispo de Hipona diz: “o amor é o meu centro de gravidade, por isso, continua: ama e faz o que queres... a quem ama, tudo é permitido”. Por ventura, esta linguagem não está na perspectiva de Sartre que, entre outras, afirma: “o homem é o projeto de si mesmo..., o homem será aquilo que ele fizer de si mesmo... a existência do homem está presa no fio da liberdade... o homem é sua liberdade”O certo é que, na visão de ambos, quem vive plenamente o amor, tem direito pleno à liberdade. Paixão e liberdade[1] são referências necessárias quando se fala da filosofia da existência.
Podemos, também, encontrar pálidas cores do Existencialismo em Santo Tomás de Aquino (séc. XII). Na ontologia (metafísica) tomista, a primazia cabe à existência: é a partir dos indivíduos existentes que formamos as idéias representativas das essências (FOULQUIÊ, 1975 : 47). Ainda mais, corrigindo Aristóteles, o grande filósofo medieval vai dizer que não tem sentido se falar em ser, sem se falar no existir. O ato não se concretiza com a forma, mas sim com o existente.” Sem dúvida, as essências preexistem em Deus. Mas todo o ser dessas essências baseia-se, por sua vez, no Supremo Existente, de modo que a existência retoma a prioridade”. (idem, ibidem).[2]
Apesar de religiosa, a Reforma protestante (séc. XVI) veio reforçar e exacerbar o caráter individualista do Cristianismo romano, doutrinando que a salvação é um negócio particular entre a pessoa e Deus, e que “individualidade é uma forma preciosa de realização da essência humana”. Reforçando esta idéia da Reforma, Kierkegaard vai colocar o seguinte: Em todo o gênero animal, a espécie é a coisa mais elevada. O individualismo é o que continuamente surge e desaparece. É uma realidade precária. Só no gênero humano, devido ao Cristianismo, o indivíduo é mais elevado que o gênero”.
Para Kierkegaard (lembrando Sócrates), o indivíduo não se repete, é “uma pessoa única, condenada a ser ela mesma”. (GADOTIl, 1992 : 159 e 176).
Nesta linha de conexão, rumo ao Existencialismo, não podemos esquecer René Descartes (séc. XVII). Este filósofo, embora pai do Idealismo moderno, ajudou a alargar o caminho existencialista. O seu “Penso, logo existo”, por caminhos diferentes, aponta para o sentido principal da filosofia da existência: a valorização do homem. Se minha existência (e a experiência do mundo) depende de meu pensamento, conclui-se que eu não sou capacho do mundo, mas ser fundante do mundo. Não foi em vão que os filósofos contemporâneos de Descartes recolocaram no horizonte de suas preocupações a célebre divisa de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”.
Outra semente de Existencialismo, vamos encontrá-la em Bras Pascal, discípulo de Descartes. Contrariando “o espírito geométrico” do mestre, Pascal opõe “o espírito de finesa”. Critica o racionalismo matemático de Descartes, como incapaz de resolver o problema da vida que, sendo espiritual, não é passível de matematização” (PADOVANI & CASTAGNOLO, 1984 : 491). É de Pascal também a célebre definição: “O homem é um caniço pensante”. Definição que, embora idealista, irá reforçar as pretensões de Kierkegaard[3], o mais importante filósofo dinamarquês de todos os tempos: o homem como cabeça pensante do universo.
Encontramos semente do Existencialismo em todos os seguidores do chamado Nativismo. Nativismo (no plano gnosiológico) ensina que as pessoas já nascem com algumas idéias - as idéias inatas. Dentre estes filósofos, vamos citar somente dois: Descartes que ensinou que o homem já nasce com idéias (as idéias primárias) e Leibniz (1646-1716). Este último interessa-nos mais de perto.
. Leibniz ensina que a mente é uma entidade, não impelida por acontecimentos externos ocasionais, mas propelida pela meta, a longo prazo, de sua própria perfeição última. Para este filósofo, o organismo é autopropelido. A tradição leibnitziana... sustenta que a pessoa não é uma coleção de atos. Para Leibniz, o conhecimento é derivado de dentro; o homem é um gerador de informação[4]. A mente é ativa e livre de causalidade; a eficácia causal em comportamento é atribuída à evolução da pessoa (MILHLLAN & FORISCHA, 1972 : 32-33).
Mais semente de Existencialismo, encontramos em Kant (1724-1804), que desenvolveu as idéias de Leibniz. Na Crítica da Razão Pura, Kant insiste que este mundo ordenado provém da mente e não da realidade externa. A ordem do universo é produto da mente humana (idem, p. 36). Ainda mais, Kant ensina que, no conhecimento, o homem reveste a realidade com as categorias criadas pela mente (são doze). Sendo assim, tiramos aquela mesma conclusão a propósito da posição de Descartes: favorecer a importância do homem no concerto do universo.
Estamos no meado do século XIX. Na marcha do Existencialismo, emerge uma figura sem par, o sétimo filho de uma humilde família evangélica dinamarquesa. Seu nome é Sõren Kierkegaard (1813-1855). Suas preocupações são tão originais que muitos pensadores, entre outros, Paul Foulquié, consideram-no pai do Existencialismo. Kierkegaard insurge-se não só contra o formalismo cristão, mas, sobretudo, contra o racionalismo extremado de Hgel e o objetivismo positivista de Augusto Conte. Hegel, como bom idealista[5] que é, ensinou que tudo proveio (pelo processo dialético) da Idéia eterna e absoluta (inclusive o homem). “O ser humano é uma fagulha desprendida da Idéia” (realidade suprema). No mundo, esta fagulha absorve-se no Estado como a gota d’água no oceano. No processo dialético, não é o homem a síntese final, mais perfeita (imagem de Deus) na marcha da criação, mas, sim, o Estado. Sendo assim, o homem não passa de uma peça na máquina estatal. Está sempre a serviço do Estado, esse Leviatã insaciável que, se não devora, ao menos, massifica os homens. Pois bem, é contra essa massificação, contra essa antropologia massificadora, alienadora e despersonalizante que se insurge Kierkegaard. É preciso, diz ele, recusar a tentação de fundir-se na massa, de ser alguém pelo número. É preciso romper esse enorme abstrato, que é o povo, e rompê-lo com o indivíduo”... A multidão é uma abstração e não tem mãos; cada indivíduo que foge à busca de um refúgio na multidão, foge covardemente de ser indivíduo... O indivíduo é a categoria através do qual têm que passar o tempo, a história, a humanidade (PEREZ, 1988 : 227-228)
O Positivismo de Augusto Conte, por caminho diferente (plano gnosiológico e não metafísico como em Hegel) provoca também a angustia do pensador dinamarquês. Dentro do Realismo do qual o Positivismo é tributário, o conhecimento é sujeito/objeto. Segundo Conte, nesta relação, o objeto é tão soberano e impostor que ele acaba sufocando o sujeito, anulando assim sua personalidade. O homem é obrigado, gnosiologicamente falando, a engolir o objeto.
Contra esta aberração, levanta-se Kierkegaard e proclama que o homem, por ser a imagem de Deus, é o senhor da realidade e não seu servidor. O mundo foi criado para o homem, e não o homem para o mundo. “Para Kierkegaard, a existência individual, humana é irredutível à lógica; de fato, ela é particular, enquanto o objeto do pensamento é universal. O homem está em contínuo devir; não é perfeito, mas está em contínuo aperfeiçoamento” (MONDIN, opus cit, p. 196).

Características do Existencialismo
As características fundamentais do Existencialismo são as seguintes:
a) Pontodepartidaantropológico. O Existencialismo não está preocupado com o ser, a não ser quando se exprime fenomenologicamente[6], como veremos. Só nesse sentido, a metafísica lhe interessa. À maneira de Sócrates, a reflexão filosófica inicia-se pelo homem e centraliza-se nele mesmo;
b) A subordinação da essência à existência. O homem não é concebido como um ser natural completamente configurado em sua essência desde o nascimento, mas como indivíduo que, existindo, gera a própria essência por meio de sua liberdade. O Existencialismo defende, portanto, que a existência precede à essência - isto no ser humano. Sartre, assim, explica: “primeiro, o homem existe; depois, ele definirá o que vai ser: isto ou aquilo”. E continua: “o homem é o projeto de si mesmo”. Explicação: “Projetar é, ao inverso do determinismo, fazer depender o presente do futuro, definir o presente pelo futuro, definir o que é a partir do que não é” (DARTIGUES, 1973 : 107). Com isto se quer dizer que o homem é responsável sobre o que vier a ser. A única coisa que lhe foi dada e sobre a qual, naturalmente, não tem responsabilidade é a existência. “Existir é sempre assumir seu ser, isto é, ser responsável por ele, em lugar de recebê-lo de fora, como é o caso de uma pedra” (idem, p. 99). Segundo o Existencialismo, todos os homens existem, nem todos são. A maioria dos homens vive de maneira massificada, em contínuo dasman (na linguagem de Heidegger), isto é, de maneira alienada, “pois a massa dos homens concentra-se nos objetos deste mundo, os quais condicionam sua felicidade” (FOULQUIÉ, opus cit : 41). O homem passa da existência para a essência, do dasman para o dasein pela liberdade, e como a liberdade (segundo o Existencialismo) é ação, diríamos que o homem passa da existência para a essência, pela ação. Como no Pragmatismo, a filosofia da existência subscreve a idéia de que o homem é a “soma de suas ações”. A liberdade é, então, a essência do homem. Como, de maneira lapidar, afirma Sartre: “A essência do homem está suspensa no fio da liberdade”.
c) Integração das paixões as As paixões fazem parte da natureza humana, que deve ser vista em sua totalidade, não havendo nela elementos menos nobres, irracionais, como os instintos, os sentimentos e as paixões. O Existencialismo absorveu integralmente o alerta de Pascal: “o coração tem razões que a razão desconhece”. Não se despreza a razão, só que a potenciação do ser humano não se realiza nela, mas na vida, nas paixões. A razão deve estar envolvida pela trama das coordenadas existenciais;
d) Valorização do sofrimento e da morte. O homem é liberdade; liberdade é escolha; toda escolha é dolorosa; o sofrimento é, pois, uma decorrência da própria natureza livre do homem, de sua situação de escolha. Quanto à morte, pensando nela, o indivíduo evidencia-se, “na mordedura do ser”, como diria Gabriel Marcel (o mais legítimo representante católico do Existencialismo). A massa não pensa na morte, pois é amorfa. Pensando na morte, o homem engaja-se na vida. Sem ela, a vida seria uma mesmice insuportável;
e) Caráter secular da moral.
A moral existencialista é secular (leiga). Seus critérios advêm não da natureza, nem de Deus, mas, sim, da História, justamente, das possibilidades concretas que se apresentam diariamente a cada um de nós. É autêntica a vida (moral) daqueles que sabem traduzir em ação as próprias possibilidades, enquanto que a vida daquele que as esquece não é inautêntica. (MONDIN, 1988 : 173-174);
f) Método fenomenológico do Do método fenomenológico trataremos dentro da exposição sobre fenome-nologia, logo a seguir. Aqui, vamos somente salientar o caráter intuitivo do Existencialismo. Aliás, ao que parece, um dos motivos por que a Filosofia da Existência não ter sido divulgada no século XIX, é o fato de Kierkegaard tentar destruir os métodos conhecidos vigentes na época: a dedução e a indução.[7]

A fenomenologia
Como se lembrou no item anterior, o Existencialismo só começou a ser conhecido a partir do fim do século XIX graças, de um lado, ao vigor e à causticidade do pensamento existencial de Nietzsche[8] (1844- 1890) e, de outro, à criação da Fenomenologia. Nietzsche pode ser conhecido na História como a metralhadora giratória da filosofia; atirou por todos os lados. Não sou um homem, sou um dinamite. Alguns desses projéteis acertaram o alvo. Outros se perderam, fruto, talvez, de uma mentalidade circundante muito preconceituosa.. Particularmente famosa é sua teoria do super-homem, de que os ditadores de plantão vão usar e abusar. Todos os valores – diz Nietzsche - devem ser apreciados e transvalorizados, desde que favoreçam o poder e a força. A potenciação do ser humano não está na razão, mas na força. A finalidade da vida é produzir o super-homem.
O que mais interessa, entretanto, aqui, é ressaltar a importância da Fenomenologia na cadeia de transmissão do Existencialismo.
A Fenomenologia foi criada por Edmund Husserl (1859-1938). Ao fazer isto, Husserl pensava estar criando uma filosofia. Entretanto - segundo a maioria dos pensadores - não se tratava bem de uma filosofia, mas de uma metodologia filosófica que, aperfeiçoada pelos filósofos do “entre guerras”, se tornou o método adequado do Existencialismo[9]. Com isto, a filosofia de Kierkegaard pôde ser conhecida. Agora tem um método. Mas, o que é mesmo fenomenologia? ainda mais, o que é Fenomenologia na perspectiva dos filósofos da década de 20/30/40?
Para entender melhor a Fenomenologia (filosofia?), mister se faz retroagir no tempo, até o filósofo Davi Hume (1711-1776), o controvertido criador do “fenomenismo”. Davi Hume, levando às ultimas conseqüências as teses do Nativismo e do Ambientalismo, conclui que tudo se reduz a imagens ou representações, surgidas com o impacto da realidade externa sobre nossos sentidos externos. Pois bem, o entendimento do que seja “fenomenismo”, ajudar-nos-à a entender o que é Fenomenologia. Se o primeiro é o impacto da realidade nos sentidos externos, o segundo se pode considerar o impacto da realidade externa em nossa consciência (“sentidos internos”).
É bom lembrar que, pelo exposto no cap. VIII, a expressão “sentidos internos” tinha sido usada por Aristóteles, para justificar as atividades da consciência (gnosiológica), como: inteligência, memória, imaginação, fantasia, etc.
A estrutura fundamental da Fenomenologia é a intencionalidade. A intencionalidade (estrutura da Fenomenologia) é tão importante que é por ela que o homem é homem e o mundo é mundo, visto não existir consciência vazia. Toda consciência é consciência de... (alguma coisa). Descartes equivocou-se, ao querer provar a existência do pensamento puro. Nunca se pensa o nada. Quem pensa, pensa alguma coisa, diz Husserl. A palavra “intenciona-
lidade” vem do verbo latino “tendere” = tender. É da própria natureza o sujeito tender para o objeto, como o objeto tender para o sujeito; esta tendência - intencionalidade – é a espinha dorçal da fenomenologia. A relação entre sujeito e objeto é tão íntima que um não pode existir sem o outro. Se objeto não passar pelo crivo da intencionalidade, é como se ele não existisse, o mesmo se diga do sujeito. É por isto que Heidegger poderá, depois, dizer: sem homem não há mundo e sem mundo não há homem. O para si é o homem, o em si é a realidade externa. Sem o o para si não existiria o em si e vice-versa.
Segundo o Existencialismo, a realidade existe. Só que ela não tem sentido, se não passar pelo crivo da consciência. Esta é que lhe dá legitimidade.
Fora da consciência, nada.
A propósito, alguns versos ilustrativos da canção do poeta cearense Gilvan Chaves:

“Vento que balança as palmas do coqueiro
Vento que encrespa as águas do mar
Vento que assanha os cabelos da morena
Me traz notícia de lá.
...................Vento diga por favor
Adonde se escondeu o meu amor”.
Estes versos ilustram as pretensões do Existencialismo de integrar as paixões, os sentimentos do ser humano. O amor, centro de gravidade do ser humano, portanto, sua dimensão fundamental, não está fora do ser humano, mas dentro dele. Não é isto mesmo que quis dizer quando afirma que o homem é o lugar de desvelamento do mundo? “Vento que balança” só tem sentido quando entra em meu espaço de vida, mostrando o essencial do homem. Por outra, o homem só tem sentido (essência) quando atingido em sua consciência pelo “vento que balança as palmas do coqueiro”. É neste sentido que Heidegger afirma: “Sem homem não há mundo e sem mundo não há homem”. Repetindo, é passando pelo cadinho do coração humano que a realidade adquire sentido.

Antropologia existencialista
Explicitamente, pelo menos, deixa de lado a metafísica, ou melhor reduz o ser metafísico, simplesmente, ao ser do homem que é o lugar da eclosão do ser metafísico (no caso o cosmológico).
Ao apontar as características do Existencialismo, configuramos a imagem de homem de acordo com esta filosofia. Só vamos ratificar e complementar o que foi dito acima (letra b). O ser que vamos educar ainda não é, está sendo; inicialmente só possui existência, devendo, portanto, passar da existência para a essência. Temos diante de nós um projeto de homem, que ainda não é, mas só existe; é a incompletude perfeita. O ser humano só passa da existência para a essência pelo exercício da liberdade, mas essa só se manifesta na ação. Por isso, podemos dizer que o homem não só é liberdade, mas também, como afirma o Pragmatismo, ele é ação, melhor dizendo, é “a soma de suas ações”, como já se disse neste capítulo. Por isso, o ser humano não sofre a história, ele constrói a história. Ele é a entidade pela qual “tem que passar o tempo, a história, a humanidade”. Para o Existencialismo, o ser humano não é um espelho da realidade, como ensinam as filosofias realistas, mas ele é doador do sentido, do significado da realidade. O desenvolvimento deste projeto referido acima será auxiliado pelo processo educacional.

Gnosiologia existencialista
O Existencialismo não dá muita importância ao conhecimento do mundo externo. O que interessa é aquele conhecimento exigido pela intencionalidade (ver conceito de intencionalidade no item fenomenologia). Se a realidade não passa pelo cadinho da consciência, inútil se torna todo o esforço para conhecê-la. Girando tudo em torno do ser humano, não havendo mundo sem homem, devemos conhecer o mundo externo somente quando tal conhecimento nos ajuda a conhecer a nós mesmos. Assim, o objeto do conhecimento não passa de uma referência. Quanto ao conhecimento do mundo externo,
... suas verdades particulares não são senão aplicações e figurações de uma verdade de conjunto, que é uma verdade humana, a verdade do home para o homem possível, respeitar os programas. Mas as verdades particulares ... não são senão aplicações e figurações de uma verdade de conjunto, que é uma verdade humana, a verdade do homem para o homem. A cultura não é senão a tomada de consciência, por cada indivíduo dessa verdade que fará dele um homem... A verdade é, para cada um, o sentido da sua situação. A partir de sua própria situação em relação à verdade, pode-se despertar... as pessoas para a consciência da verdade particular de cada um (GADOTTI, 1992 : 168-169).
No bojo do Existencialismo vai nascer o Construtivismo na linha piagetiana ...
O ser humano não recebe o conhecimento, ele o constrói mediante as pessoas e o mundo.
Afinal, o que importa mesmo não é o conhecimento, mas a auto-realização no plano do ser mais, mais indivíduo, mais pessoa, centro de interesse do universo, ou como ensinou Carl Rogers, atingir a “congruência”, isto é, o fato de o ser humano estar de bem consigo mesmo, com o outro e com Deus. Naturalmente, para que isto aconteça, é necessário algum conhecimento do mundo, já que, o inverso, também, é exigido, pois sem mundo não há homem.
Também é necessário lembrar que o Existencialismo, uma filosofia da ação que é, exige o engajamento, exige o “dasein” (o estar sempre presente). Exige atuação nos movimentos históricos e sociais, que venham suscitar o crescimento da personalidade.
Pelo colocado até agora, deve-se notar que o Existencialismo é muito crítico a propósito da especialização; ela diminui o homem. “O especialista é uma criatura de seu conhecimento, não é o criador dele, nem seu mestre” (KNELLER). Entretanto não se trata de desprezar a especialização, que é necessária, mas os estudos especializados devem estar juntos com os estudos das ciências humanas, e a especialização deve ser humanizada. O homem deve ser o senhor de sua especialização.
Nem é preciso lembrar que o método a ser seguido é o fenomenológico, pois, como já foi categorizado por Kierkegaard, estão descartados o método da indução e da dedução.

Ética existencialista
Sobre a Ética existencialista, que é sempre pro-ativa, voltada para o futuro, vamo-nos ater ao pensamento de Heidegger e de Sartre.
Heidegger (1889-1976), de nacionalidade alemã, é considerado por alguns como um dos maiores filósofos do século XX. Apesar de não se considerar existencialista, não há como fugir desta impostação.
Na seqüência de Kierkegaard, ele vai afirmar que Platão e Aristóteles escamotearam a filosofia desviando-a de seu rumo certo. Divergindo, entretanto, do criador do Existencialismo (que não deu importância à metafísica), ele coloca esse desvio à custa do esquecimento do ser (portanto, da metafísica). Heidegger era obcecado pela “esseidade”[10] das coisas. “Para ele o ser está em tudo”.
Como vemos, Heidegger teve o grande mérito de, ao lado de Sartre, recuperar a metafísica tão desprezada pela filosofia moderna, inclusive por pensadores de cunho existencialista. Sua principal obra Ser e Tempo tem como subtítulo Uma Ontologia do Ser.
Fixado na questão do “ser”, insiste ele que toda pessoa deve se preocupar com esta questão (do ser) para que se possa resolver o contencioso da existência. Nesta linha de pensamento, ele inverte o famoso aforismo de Descartes: em vez de “penso, logo existo”, apresenta a seguinte versão: “existo, logo penso”. Assim, a existência do indivíduo humano é a matriz e motor de tudo.
Um troféu que deve ser lembrado em Heidegger é a questão ecológica. Foi o primeiro filósofo em toda a História a levantar a bandeira de ecologia. Para isto cria a “filosofia do cuidado”, proclamando o homem “pastor do ser”. Em Heidegger já se começa a levantar uma ponte de ligação entre o eu e o outro. Começa-se a quebrar o individualismo exacerbado pelo Existencialismo até então.
Aterrissando no campo preciso da antropologia e da ética, Heidegger vai categorizar que o ser humano deve ser “dasein”, expressão alemã que significa “estar aí”, ser engajado nas lutas do mundo, em contraposição ao “dasman”, que significa ser alienado, massificado, não estando “nem aí” para com o que acontece no mundo. Afinal, o ser humano é liberdade, mas essa só se corporifica pela ação.
"Do sentido que o ser humano imprime à sua ação, decorre a autenticidade ou a inautenticidade da sua vida. O indivíduo inautêntico é o que o que se degrada, vivendo de acordo com verdades e normas dadas; a despersonalização a faz mergulhar no anonimato, que anula qualquer originalidade. É o que Heidegger chama de ‘mundo do “man”[11] ...e que designa a impessoalidade: come-se, bebe-se, vive-se como todos comem, bebem e vivem. Ao contrário, a pessoa autêntica é aquela que se projeta no tempo, sempre em direção ao futuro. A existência é lançar-se contínuo às possibilidades sempre renovadas, (ARANHA & MARTINS, 2005 : 356).
Vê-se que, para Heidegger, o imoral, o antiético é não lutar para se sair da inautenticidade, da massificação que prende o ser humano ao passado. O ser humano existe para ser: passar da existência para a essência. Existe para ser “dasein”, “ser si mesmo”.

Sartre (1905-1980), filósofo, romancista de renome e teatrólogo, é um dos maiores pensadores e escritores franceses de todos os tempos. O ser e o nada, uma portentosa obra de mais de setecentas páginas, foi lançada em 1943.
O ser do homem se reduz a um projeto. Nasceu para a liberdade (que só se consegue com a ação). Textualmente, afirma: “o homem é o projeto de si mesmo”. De início ele não é nada. Só será com a concretização desse projeto.
O fulcro da antropologia sartreana é o constructo da liberdade. “A vida humana está presa no fio da liberdade”. Só é homem quem é livre. Quem escolhe, pois liberdade é principalmente escolha, como se verá logo abaixo.
Sendo o homem liberdade, a viga mestra da Ética sartreana é a liberdade. Ele próprio diz: “O conteúdo{da moral} é sempre concreto e, por conseguinte, imprevisível; há sempre invenção. A única coisa que conta é saber se a invenção se faz em nome da liberdade”.
Por ser nada, o homem tem toda a amplidão do tempo e do horizonte para ser livre. Por isso, está ele sempre condenado a ser livre. Liberdade é escolha. Escolher é dificílimo. É terrivelmente angustiante. Entretanto, o ser humano está obrigado a escolher. É seu destino inarredável. Para ilustrar sua tese, Sartre refere o seguinte: Quando os alemães invadiram a França na Segunda Grande Guerra, havia um rapaz que fora convocado para a guerra, entretanto, ele era filho único, arrimo de sua mãe, e esta se achava gravemente enferma. O rapaz, então, entrou num quadro de angústia insuportável. Afinal, a qual mãe ele deveria socorrer, sua mãe biológica, quase à morte, ou sua mãe maior, a Pátria ameaçada?
Para Sartre, o antiético, o imoral, o grande pecado, é se recusar a escolher, pelo que, ele se torna responsável. Aquele que recusa a liberdade, torna-se “safado”, “sujo”... pois, nesse processo despreza a dimensão do “para si” e torna-se “em si”, semelhante às coisas. Perde a transcendência e reduz-se à facticidade[12].
Esse comportamento de recusa da liberdade, para viver o conformismo e a “respeitabilidade” da ordem estabelecida e da tradição, essa recusa a criar seus próprio valores é uma atitude imoral, antiética.
Ao ser acusado de individualismo, por defender a tese de que o homem é responsável por sua existência, Sartre defende-se:
... E quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável por sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens[13]... Assim, a nossa responsabilidade é muito maior do que do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade. (SARTRE apud ARANHA & MARTINS, 205 : 358-359).

O respeito às normas também não deve ser descartado. A propósito, Kneller afirma: “Nenhuma pessoa responsável permanece estranha às normas. Mas a ordem inerente numa norma genuína jamais se converte em máxima, e sua realização jamais se converte em máxima, e sua realização nunca se converte em hábito.” (KNELLER,p.88-8).
Com Kant, Sartre vai propor que ao seguir normas recebidas, eu devo encarna-las como se fossem cridas por mim.

Crítica à filosofia existencialista

Crítica positiva
Em um mundo de tantos formalismos, de tantos convencionalismo, de tantos legalismos, de tantos tradicionalismos, enfim, de tanta subserviência e mesmice, só mesmo batendo palmas para o Existencialismo. O indivíduo é o embrião da sociedade.
O Existencialismo tem o mérito de ressaltar os problemas vivenciais e profundos do ser humano. Proclamando a irredutibilidade do ser humano à matéria, as análises psicológicas e fenomenológicas, os exames das relações interpessoais desenvolvidos pela filosofia da existência ampliaram, admiravelmente, o conhecimento do homem. O Existencialismo é, deveras, uma filosofia muito simpática.

Crítica negativa
Vamos começar com a crítica de Mary que lamenta o fato de o Existencialismo dar pouca atenção à pesquisa científica: “... o estudo objetivo e científico, o alcance de feições concretas da realidade foram descuidadas na ênfase ao elemento tíquico e às questões pessoais e afetivas” (RANGEL, 1988 : 33).
Embora seja uma crítica contundente às filosofias essencialistas, o Existencialismo não chega ao cerne do grande problema que é a divisão de classe, a concentração de renda, a subordinação imperdoável ao capitalismo selvagem. Ainda é uma filosofia burguesa, avessa à utopia da igualdade social. Naturalmente que Sartre, a partir do fim da Segunda Guerra, vai tornar-se uma exceção. Diante dos horrores da guerra, vê-se obrigado a mudar alguns conceitos de Ser e o Nada. O outro já não é mais o inferno. É alguém sobre o qual eu tenho responsabilidade. A guerra o levou a incorporar a filosofia marxista.
Outro aspecto, a nosso ver ainda pior, é o fato de o Existencialismo colocar no horizonte da humanidade somente o indivíduo – não é o caso de Sartre. A sociedade não parece contar nos devidos termos. Se hoje vivemos um individualismo desbragado, o Existencialismo não pode se isentar de culpa nesta questão.
Querendo reagir contra o objetivismo da Filosofia Positivista, o Existencialismo acaba criando a figura do ego inflacionado, conseqüência direta também da máxima de Protágoras que coloca o homem como medida de todas as coisas O Existencialismo leva ao exagero esta máxima. O que interessa é o eu: primeiro, eu; segundo, eu; terceiro, eu. O protótipo do ser humano passou a ser Robison Crusoé, isolado em sua ilha; ou Rapunzel, alteando-se em sua torre, bem longe deste “vale de lágrimas”, onde quase a metade dos seres humanos vegeta na fome, na intempérie e na escravidão.
Falha que pode ser corrigida pelo endosso da Filosofia Dialética que será estudada no no próximo e último capítulo.

[1] O tema da liberdade é tratado com profundidade em nosso livro Dialética - A Terceira Via da Educação: de Heráclito a Paulo Freire.
[2]Rever este assunto no cap. 08
[3] Notar que Kierkegaard e Nietzsche, as duas maiores expressões do Existencialismo no século XIX,
não são fenomenólogos, mesmo porque a fenomenologia só vai ser enaltecida no século XX.
[5]Sobre Hegel, sugere-se rever o cap. 07
[6] No Existencialismo, a fenomenologia substitui a metafísica ou ontologia
[7]Descartadas a indução e a dedução, não resta à epistemologia senão o recurso à intuição que o povo não entende bem. Sugere-se rever o cap. 03.
[8] Friedrich W. Nietzsche (1844-1900) é alemão. Seus pais eram pastores protestantes. Como estudante, começou pela filologia. Motivado por seu contemporâneo Shopenhauer, embrenhou-se totalmente no campo da filosofia. Teve como preocupação básica a crítica – crítica impiedosa à civilização ocidental, principalmente à filosofia que, a partir de Sócrates, segundo ele, não passou de ideologia do poder dominante; crítica à massificação, à visão de mundo burguesa, ao conservadorismo cristão, que, para ele, era um moral de rebanho. Segundo Cotrin, p. 281, Nietzsche identifica três períodos na marcha ideológica do Ocidente. Tais períodos podem ser definidos pelas seguintes fases: * “Tu deves “: período do domínio da moral e da religião. Nesse período, o homem tem a ilusão de estabelecer verdades definitivas; * “Eu quero”: período da decadência do mundo do dever e da ascensão da vontade. É o declínio dos valores supremos estabelecidos no período anterior. Nessa etapa se insere o próprio Nietzsche, dada a potenciação do homem que ele coloca não na razão, mas na vontade de potência. Apesar de seu niilismo, de ser uma metralhadora giratória, ele acreditava na vontade humana e em sua capacidade de produzir valores “afirmativos” da vida; * “Eu sou” : período que corresponderá a uma nova relação do indivíduo com a sua existência.
Depois de ser acrimente criticado, sobretudo pela Igreja, Nietzsche está sendo reabilitado por expressivos filósofos atuais, como Deleuze, Guattari e Michel Foucault, certamente o mais importante deles. Hoje Nietzsche tornou-se uma referência no mundo filosófico do Ocidente.
[9] Como se diz, juntou-se a fome a com vontade de comer: a criação do método fenomenológico veio de encontro à descoberta da filosofia da angústia; as guerras trouxeram muita angústia; então se uniram as duas coisas. A feno-menologia tem agora uma filosofia – o Existencialismo e este tem a-
agora um método. Assim, o Existencialismo vai nadar de braçada por mais de três décadas.
[10] Esseidade é a qualidade especial que faz de um objeto um ser, qualidade escanteada pela filosofia
ocidental a partir de Platão
[11] A expressão usada é “das man”
[12] Já sabemos que o “para si” é o ser humano e o “em si” é o ser coisa.
[13] Aqui Sartre aproveita elementos da filosofia do cuidado proposta por Heidegger.
[16] Ver, no cap. 07, o Idealismo Platônico e o de Santo Agostinho.
[17] Vimos que a filosofia realista, apesar de ser uma reação ao platonismo, acaba inserindo em sua te-
mática, várias idéias dos idealismo platônico, e esta de que as idéias estão nas coisas, é uma delas. Quanto ao fato de, nas filosofias realistas, o objeto se sobrepor ao sujeito, é só reler a referência sobre a física aristotélica, revisitada pelo Positivismo.
[18] “Conhecer é poder”, disse Francis Bacon. Quem conhece pode tudo. Ai de quem desrespeita o
conhecimento; a história está repleta de guerras e tragédias provenientes desse desrespeito.
[19] Devemos nos libertar da prepotência da razão, mas isto não nos dá o direito de fazer dela um zero à esquerda.
[20] O termo substância é a categoria que sustenta a realidade, sem ela, a realidade deixa de existir, por isso, substância e essência se equivalem.

[22] Platão, distinguindo “ser“ substantivo (categoria fundamental) de “ser” verbo de ligação esta afirmação.
152 Este outro pode ser o mundo físico ou o mundo social.
153 e 154 A realidade existe fora do homem, mas só tem sentido através do homem e pelo homem, seja, só existe a realidade que interessa ao ser humano (realidade para mim): só existe mundo quando ele é subjetivado pelo homem e só existe homem quando ele é objetivado pelo mundo. Este mundo pode ser físico ou social.

terça-feira, 19 de maio de 2009

CAP. 10 - FILOOFIA PRAGMATISTA

CAPÍTULO 10

FILOSOFIA PRAGMATISTA

Para muita gente, antes morrer que pensar e é isso mesmo que fazem (Bertrand Russel)

O termo “pragmatismo” tem sua origem no substantivo grego “pragma” que significa “prática”, termo que, na linguagem moderna do senso comum, tem o sentido de “intervenção na realidade física ou social”. Significado, portanto, diferente do que vamos encontrar na filosofia dialética.Como filosofia, o Pragmatismo é, sobretudo, tributário do Empirismo inglês, não deixando, de outra parte, de ser uma glosa do Realismo e do Idealismo, como acontece na sua concepção ontológica de que a realidade é fruto da interação entre o homem e a realidade. Dentro da linha ontológica, e a propósito da concepção de verdade, o Pragmatismo vai extremar o que já havia sido levantado pelos filósofos positivistas da Inglaterra, Bentham e Stuart Mill, de que verdade só se afirma como tal na ação: se depois da experiência (aqui, como sinônimo de experimentação), se notar que ela produziu resultados práticos e úteis, estamos então diante da verdade; caso contrário, não. Os neopragmatistas vão além e dizem que a verdade é uma experiência compartilhada. Exemplo: se estou, efetivamente, compartilhando de um almoço – isto é verdade; a mesa junto da qual me assento para almoçar – ela é uma verdade. O Pragmatismo floresceu viçosamente nos Estados Unidos no último quartel do século XIX. Seus principais arautos foram: Charles Pierce (1839-­1914), William James (1842-1910) e John Dewey (1859-1952). Nos dias atuais, seu grande paladino é o filósofo Richard Rorty e, mais perto de nós, o Prof. Larry, Diretor do Centro de Estudos Dewynianos nos Estados Unidos. Com Rorty, já se começa a falar em Neopragmatismo. Na década de trinta, houve, no Brasil uma tentativa pouco exitosa de introdução do pragmatismo no Brasil. Experiência realizada por Anísio Teixeira, que fora discípulo de Dewey nos Estados Unidos. Hoje, temos, em nosso País, uma vertente neopragmatista, capitaneada pela Prof. Paulo Ghirardelli Jr. e que recebeu forte impulso no Congresso Latino-americano de Filosofia da Educação, realizado, sob os auspícios da ABE, em homenagem ao centenário do nascimento de Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro, em julho de 2000. O Pragmatismo é, na minha visão, uma filosofia existencialista, isto, por dois motivos: um, não admite uma natureza “a priori” do homem. Para ele, tudo parte do existente, ou melhor, parte da ação; dois, o pragmatismo não está preso ao passado e se serve do presente como alavanca do futuro. É uma filosofia, deveras, pro-ativa.
Trata-se de uma filosofia moderna, pois admite que o movimento é a substância (essência) da realidade e não uma incidência acidental. Entretanto, por não aproveitar a contribuição da filosofia dialética, considera o movimento num sentido mecanicista, ou seja: o movimento é linear e se dá mediante uma força externa. A Dialética, ao contrário, ensina que o movimento acontece devido a uma força interna, natural: a contradição.
Tendo uma ontologia indecisa e débil, o Pragmatismo é uma filosofia de vôo rasteiro, fôlego curto que, no entanto, tem conseguido manter a coesão da cultura e da nacionalidade norte-americana, quer antes, quer depois do “milagre econômico” acontecido nas primeiras décadas do século XX. É o decantado Way to life americano, uma época de abundância e consumismo desmedido.
Sendo John Dewey um dos mais importantes corifeus da filosofia pragmatista e um dos maiores expoentes da Pedagogia de todos os tempos, vamos ater-nos, neste ensaio, tão somente à exposição resumida da filosofia desse grande norte-americano:

A ontologia e a antropologia pragamatista
“A realidade é fruto da interação entre o homem e o meio”. Apesar de já ser uma filosofia moderna e existencialista, a ontologia do Pragamatismo é uma mistura de Idealismo e Realismo, pois ensina que a realidade é fruto da interação do homem com o meio; ela depende e não depende do homem.
“O homem é um ser biológico, vivendo em um mundo social” Ainda que bas-tante marcada pelo darvinismo e pela sociologia positivista, a antropologia pragmatista tem alguma originalidade, restringindo-se ao biológico e ao social. Verbalmente: “o homem é um ser biológico, vivendo em um mundo social”, ou “o homem é um ser biológico, em interação contínua com o ambiente”. A diferença entre o homem e o animal é somente de grau, e não de espécie. O homem é um animal mais aperfeiçoado. É capaz de agir, transformando a realidade para seu conforto pessoal. O Pragmatismo tem uma posição intei-ramente diferente das filosofias tradicionais em sua antropologia. Como se viu no item “antropologia do Pragmatismo”, não existe uma natureza humana a priori; “o homem se faz a si mesmo” pela contínua reconstrução da experiência no mundo. O homem é um ser plástico, pois está em constante mutação e adaptação.[1] Não é um ser transcendente, espiritual: ele se totaliza na dimensão bio-psicosocial. O Pragmatismo ensina que, se de um lado, o homem só se realiza na sociedade, de outro, afirma, entretanto: “não por causa da sociedade”. Sendo assim, a sociedade está a serviço do indivíduo; existe para ajudá-lo a resolver seus problemas e inserir-se como elemento útil na sociedade de produção e consumo.
No Positivismo, vimos que o indivíduo está a serviço da sociedade já que esta é a matriz do indivíduo. Ao contrário, a Filosofia Pragmatista vai ensinar que “O indivíduo é o embrião da sociedade”. Isto, não obstante o viés socialista de Dewey que defende o individualism, ao molde da cultura em que nasceu.
Diferentemente das filosofias estudadas, o homem não tem uma natureza - essência - a priori. A ação é a essência do homem: “Fora da atividade, não há explicação para o homem”. “O homem se faz a si mesmo, na ação”. “A essência do homem não está no intelecto, mas na ação”. Tudo, portanto, começa com a ação. O Pragmatismo absorve inteiramente a máxima de Goethe: “No começo era a ação”. Não é o intelecto o campo da eclosão do ser humano, como, de maneira geral, afirmam as filosofias estudadas; este campo é a própria prá-tica do ser humano.
O que se entende por ação no Pragmatismo? Evidentemente, não se trata da ação como um dos pólos num todo dialético, mas ação no sentido de qualquer intervenção na realidade individual (física) ou social, para transformá-la em algo útil ao conforto humano.
O homem não só faz a história, ele é a história viva”.
Quanto ao conceito de História, o Pragmatismo se distancia-se da concepção tradicional [2]que vê, na História, uma seqüência de fatos ocorridos linearmente no tempo, devido à influência de líderes religiosos ou políticos. O homem como que sofria a História, sendo dela somente seu objeto. O Pragma-tismo já começa a perceber que o homem é também sujeito da História - é seu construtor - e que esta, além da dimensão do passado, tem, por sua vez, a dimensão do presente, que é uma condição indispensável do futuro.

Gnosiologia e axiologia pragmatista
O Pragmatismo rejeita, claramente, a definição de conhecimento de Aristóteles: “adequação entre a mente e a realidade”. O conhecimento, para esta escola filosófica, não é o resultado da razão, mas a conclusão a que se chegou pela pesquisa científica. Para o contencioso “verdade”[3], o Pragmatismo diz que a verdade é uma experiência compartilhada ou, por outra, se a pesquisa chegou à conclusão de que seu resultado é útil, estamos diante da verdade. O Pragmatismo perfila a posição de Davi Hume, quando afirma que, além da percepção dos sentidos, nada existe, ou se existe, não pode ser conhecido (Kneller). O homem é produtor de conhecimento e não mero receptor. Pela primeira vez na História, é usada a expressão: “construir o conhecimen-to”. Ao contrário do Idealismo e do Realismo aristotélico e tomista, para os quais o conhecimento tinha uma finalidade imanente (em si mesmo), o Pragmatismo vai ensinar que o mesmo não tem finalidade em si. Sua finalidade é transeunte; não passa de um instrumento para manifestar a experiência, para manipular situações continuamente novas com que a mutabilidade da vida nos confronta. Para que o saber seja significativo, devemos saber o que devemos fazer com ele; por isso, ele deve estar unido à experiência (KNELLER, 1978 :. 63). Consultar também (SCHMITZ, 1980 :. 22-53).
Na axiologia e quanto ao aspecto das mudanças, os pragmáticos são coerentes com a posição assumida na ontologia e na antropologia. Tanto a realidade quanto o homem estão em contínua transformação de acordo com o tempo e o espaço. Sendo assim, os valores também mudam de acordo com o espaço e o tempo.
A ética pragmatista merece uma consideração à parte; acompanha a gnosiologia (o tratado do conhecimento). O Pragmatismo engrossa a onda anti-racionalista iniciada por Bentham e Stuart Mil e levada ao paroxismo com Kierkegaard[4]. Se o conhecimento chega ao que é útil, é verdadeiro. O que é útil é bom. O inútil é sempre mau. Útil é tudo que tráz conforto para o homem e o ajuda “a viver bem, a realizar atividades significativas para si próprio”, na expressão de Anísio Teixeira, o mais competente intérprete do Pragmatismo no Brasil. Útil é o que ajuda o homem a solucionar seus problemas pessoais e a cumprir bem sua função na sociedade.[5]

Crítica positiva ao pragmatismo
Como uma filosofia existencialista que é, o pragmatismo se insurge contra o apriorismo, o abstracionismo e o formalismo das filosofias anteriores, propondo que, antes de tudo, o ser humano tem que agir
Graças ao gênio de John Dewey, o pragmatismo deu um grande impulso à renovação da pedagogia que, colocando o estudante no centro do processo educativo, fez uma revolução copernicana na educação. Graças ao mesmo John Dewey, a democracia, apesar de difícil aplicação, tornou-se mais admissível, como vimos no cap. 02.

Crítica negativa à filosofia pragmatista
Uma crítica frontal. Nas entrelinhas, percebe-se que esta filosofia tem a finalidade de reforçar e perpetuar o prosaico individualismo norte-americano, agora com a marca registrada de “neoliberalismo” que não passa de uma pílula adocicada do capitalismo selvgem. O recurso ao social, como vimos, só tem uma finalidade: fazer crescer o individual, como pessoa e como nação. “O mundo só será feliz no dia em que a bandeira dos Estados Unidos for hasteada, uma no pólo norte, outra no pólo sul” (palavras de Taft - vigésimo presidente da Nação ianque).
Concluímos, pois, que o Pragmatismo, em que pesem os laivos socialistas de John Dewey, é uma filosofia que não incomoda a classe dominante e não se incomoda com classe dominada. Não se preocupa em formar cidadãos, mas tão somente insumos para o fomento do Nacionalismo xenófobo dos norte-ame-ricanos e do capitalismo selvagem (hoje neocapitalismo). Filosofia, portanto, extremamente ideológica e imprópria para responder às necessidades da autêntica e total natureza humana que deve preservar em nível de igualdade tanta a individualidade como a faceta social do ser humano.


[1] Segundo comentaristas atualizados da Teoria da Seleção Natural de Darwin, a concorrência ou competição não tem o sentido mercadológico, não passando do processo de adaptação das espécies.
[2] Não na concepção dialética que, mesmo inadvertidamente, toda filosofia endossa.
[3] Sobre o dito contencioso da verdade, o neopragmatista Rorty diz que nem a filosofia, nem a ci_
ência é capaz de chegar à verdade do objeto, visto ser ela espacial e temporal.
[4] Kierkegaard (1813-1855) lançou as bases da filosofia existencialista,
[5] Ver no cap. I a diferença entre “útil externo” e “útil interno”.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

CAP. 09 - FILOSOFIA POSITIVISTA

CAPÍTULO 09

FILOSOFIA POSITIVISTA

A filosofia pergunta, desconstrói o aparente e o falso, pergunta, cuida de si e dos outros, pergunta, resiste a ordem instituída, pergunta, outra vez pergunta, sempre pergunta (Walter Kohan)

O Positivismo é, no século XIX, a versão do Realismo aristotélico, na sua face materialista e empirista, graças ao espírito criador de Augusto Comte (1798 -1857).
No dizer de Cotrin: O termo positivismo foi adotado por A. Comte, para designar toda uma diretriz filosófica marcada pelo culto da ciência e pela sacralização do método científico.
O positivismo expressa um tom geral de confiança nos benefícios da industrtialização, bem como um otimismo em relação ao progresso capitalista, guiado pela técnica e pela ciência... o positivismo reflete, na plano filosófico, o entusiasmo burguês pelo progresso capitalista e pelo desenvolvimento técnico-industrial” (COTRIN, 1997 : 181). Se a filosofia é, a nível da inteligência, a expressão das tendências de uma época, a filosofia positivista expressão do que estava acontecendo de mais positivo a partir século XVIII.
De sua vez, Mondin acrescenta:
No século XIX, os cientistas multiplicavam suas descobertas sobre aspectos da natureza e do homem...Tudo isto parecia justificar a ilação de que a única filosofia verdadeira fosse a própria ciência... Por um lado, ele propõe-se a libertar o homem de todas as alienações ideológicas que o haviam anteriormente aguilhoado à religião e à metafísica; por outro lado, pretende adquirir um conhecimento do homem como ser social, valendo-se do método das ciências experimentais: como as ciências são idôneas para formular as leis relativas ao desdobramento dinâmico da realidade natural, assim também devem ser idôneas para formular as leis relativas ao desenvolvimento do mundo social humano (MONDIN, 1980 : 127).

Princípios do Positivismo e sua crítica:

1 - A facticidade
Segundo o Positivismo, “os fatos são os fatos” e “contra fatos não há argumento”. Ardigó, um dos corifeus do Positivismo, dizia: “O fato é divino”. Esta filosofia dissolve a subjetividade na objetividade. Na relação su jeito/objeto, o objeto se sobrepõe ao sujeito, de tal maneira que acaba amofinando ou até destruindo o sujeito. O ser humano é lançado entre as coisas em situações dadas e não escolhidas por ele. Torna-se um ser determinado, sem liberdade.
Crítica a esse princípio: os fatos não são os fatos, mas o que se diz dos fatos. Na posição que sustentamos, a versão, obra humana, é mais importante do que os fatos. O ser humano é a cabeça pensante do universo e não seu capacho.
2 -Experimentalismo/Cientificismo. A realidade se restringe ao sensível e à experiência quantificável: “Tudo quanto existe, existe em uma quantidade e é, portanto, mensurável”, disse Thorndik. Confirmando a tese empirista, proclama que nada existe fora dos sentidos.
Os positivistas apregoam que a ciência é um sistema fechado e definitivo, o únco capaz de trazer respostas e soluções para todos os problemas. Por isso, ela inaugura a era da positividade - daí Positivismo - A ciência pode tudo. Como dirá Watson: dêem-me doze crianças sadias, de boa constituição e a liberdade de poder criá-las à minha maneira. Tenho a certeza de que, se escolher uma delas ao acaso, e puder educá-la, convenientemente, poderei transformá-la em qualquer tipo de especialista que eu queira - médico, advogado, artista, comerciante, e até mesmo em mendigo e ladrão, independente de seus talentos, propensões, tendências, aptidões, vocações e da raça de seus ascedentes” (ARANHA, p. 190). Usando-se a ciência, pode-se fazer do homem o que se quiser: santo/demônio, religioso/ateu, crente/descrente; daseisn/dasman[1], feliz/infeliz, rico/pobre, abastado/indigente, simpáti-co/antipático, masculino/feminino, gigante/pigmeu.
Está inaugurada a era do cientificismo e do experimentalismo. Aquele, a tentativa de substituir a filosofia pela ciência; esta fica reduzida a um papel subalterno de sistematização e de metodologização da ciência. Quanto a seu antigo conteúdo, passa ele agora para o âmbito da ciência. Anula-se a subje-tividade, característica histórica da filosofia. Quanto ao experimentalismo, temos agora a suupervalorização da empiria, agora única expressão ontológica positiva e, conseqüentemente, única via de acesso à realidade. Suprime-se o direito da filosofia de legislar e exercer jurisdição sobre as questões do conhecimento, tal como vinha fazendo pela Teoria do Conhecimento.
Como crítica a este princípio é só reler o que está escrito nos capítulos 02, 04, 05 e 06 a respeito da crítica em geral. Reler sobretudo o item “crítica” no capítulo 05.
3 - O Mecanicismo
O mecanicismo[2] afirma que tudo está se reduz ás ações mecânicas, sendo as idéias produtos da matéria. Está baseado em dois antecedentes. Um tirado da filosofia da Física de Aristóteles e, indevidamente, recuperado pelo Positivismo, depois de ter sido abandonado pelos filósofos da Renascença. Aristóteles ensinou que o mundo físico é composto de sete esferas: três supralunares e quatro sublunares. Lembre-se também que o mesmo Aristóteles ensinou que o universo físico é a matriz das idéias: - “nada chega à inteligência que não tenha passado primeiro pelos sentidos”. Sendo assim, este universo acaba, em última análise, pautando o mundo dos homens, a sociedade. Por isso mesmo, a sociedade deve ser a imagem e semelhança do mundo físico: deve ser também organizada em classes (esferas) que não se penetram mutuamente. Explicitando mais: se o mundo físico é constituído de esferas não interpenetráveis, do mesmo modo, a sociedade é composta de classes que não se misturam
O outro antecedente é a antropologia de Descartes que ensinou que o homem é uma máquina, conduzida pela alma, teoria complementada por Newton; este estendeu a teoria antropológica de Descartes ao mundo físico (ao cosmos), afirmando que o mundo é uma máquina: “Um relógio perfeito que nunca adianta nem atrasa”. Somos todos amarrados ao carrocel do universo. Sendo assim, adeus individualidade, adeus subjetividade.
Que o mecanicismo leva à supressão do maior galardão do ser humano, a liberdade, facilmente se depreende. Nessa visão, o homem será, inapelavelmente, produto do meio e comandado pela máquina do universo, pois, a ser assim, será ele manipulável, criatura circunstancial, governado por estímulo do meio ambiente externo.
4 - O evolucionismo
O mundo e a sociedade evoluem, mas trata-se de uma evolução linear e concebida de maneira mecânica. De acordo com o Positivismo, a história desenvolve-se num movimento contínuo de progresso, isto é, cada época, em grau mais elevado, projeta-se adiante, em progressão infinita, sob o comando da razão. Os ideais positivistas de progresso estão expressos no seguinte lema: o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim.
Crítica ao lema do Positivismo: diante das filosofias existencialistas e, principalmente, diante da filosofia dialética, esse lema é inaceitável, como teremos oportunidade de expor em seu devido espaço.
5 - O associacionismo
O Associacionismo é um método de conhecimento criado pelo Empirismo. O conhecimento não se faz por abstração, como preconizavam o Realismo Clássico e o Realismo Medieval, mas se faz por associação. Para melhores esclarecimentos e exemplificação, voltar ao cap. sobre o Empirismo, sobretudo a tópica dedicada a Davi Hume.
Crítica: no referido capítulo, vimos que, seguindo o método da associação, o conhecimento perde sua referência com a realidade, tornando-se um ato de fé. De mais a mais, se a nível micro é válido o uso do método da associação, a nível macro, ele se mostra inteiramente inviável. Exemplo: se se quer conhecer uma galáxia, compará-la com quê?
6 - O ambientalismo
A idéia do ambientalismo está muito ligada aos dois itens anteriores: associacionismo e mecanicismo. É contemporâneo dos dois e conota idéias semelhantes. “O homem é produto (linear, mecânico) do meio”. “O homem é produto (linear, mecânico) das circunstâncias”[3]. O ambiente produz de maneira linear e mecânica o homem - seu conhecimento - associando elementos do mundo circundante.
Crítica: Não negamos a influência do ambiente na construção do ser humano. Muito me encantou o modo interessante de Paulo Freire se definir a si mesmo: “eu sou Paulo Freire, a partir da Rua 48, do Bairro do Pau Amarelo, da cidade do Recife, do Estado de Pernambuco, do Brasil, da América Latina, do continente americano”, e assim por diante.
Não obstante, todavia, esse laço tão forte com o ambiente, contrapõe-se o lado autonomizante do ser humano, sua vocação para a liberdade – ad libertatem vollat, como escreveu o poeta Virgílio.

Características gerais do positivismo:
O motivo do método positivista de investigação é a pesquisa das leis gerais que regem os fenômenos naturais. Com base nas leis, o homem torna-se capaz de prever os fenômenos, podendo agir sobre a realidade: ver para prever, prever para prover. O conhecimento científico visa a transformação da realidade e a transformação visa o progresso, este, porém, deve estar subordinado à ordem. Daí o lema positivista: ordem e progresso[4] .
A dinâmica social está assim formulada: 0 amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim.
Quanto ao Neopositivismo (também chamado, Positivismo lógico, Filosofia da Análise) é opinião que ele nada tem a ver com a Filosofia positivista de Augusto Comte, sobretudo a seu facticismo.
Crítica geral ao Positivismo
Não se pode negar o impulso que a filosofia positivista deu ao desenvolvimento da ciência. Não obstante, o lado negativo pesa demais. Além das críticas pontuais já elaboradas, levantamos algumas genéricas, como: a – incrementa a divisão de classe que, em nossa visão, consubstancia o antece-dente mais acirrador da violência; b – fomenta a competitividade capitalista e mercadológica que, em sua expressão mais agudizante leva à miséria milhões e milhões[5] de seres humanos; c – mais do que uma filosofia, o Positivismo é uma forte ideologia a serviço da burguesia dominante; d – seu mecanicismo, colocando de volta, em plena idade contemporânea a cosmologia aristotélica, é uma intempestividade inadmissível; por esse motivo, - e aqui está a crítica mais importante – o Positivismo é uma filosofia essencialista, pois o mundo físico formata a sociedade e esta, o indivíduo. Isto é apriorismo, essencialismo.















[1] Ver Heidegger no cap. d11
[2]O termo mecanicismo dá idéia de movimento, só que, diferentemente da dialética, este movimento é provocado por uma força externa, quer seja ela divina, quer seja a própria força gravitacional do universo.
[3] Segundo a filosofia dialética, o ambiente influencia na construção do ser humano, mas não de maneira linear, mas dialética: O ambiente constrói o homem e o homem constrói o ambiente.
[4] Notar que a proclamação da República brasileira se deu sob o signo da Filosofia Positivista, que dominava as mentes brasileiras na época. Daí se ter colocado na bandeira nacional o lema do Positivismo: ordem e progresso.
[5] Segundo estatísticas fidedignas, chega-se a quatro bilhões de humanos, vivendo na pobreza extrema, destes, muitíssimos abaixo da linha da pobreza.

domingo, 5 de abril de 2009

CAP. 08 - FILOSOFIA REALISTA

CAPÍTULO 0 8
Não sou um homem, sou uma dinamite (Nietzsche)

FILOSOFIA REALISTA

O Realismo foi sistematizado por Aristóteles[1] (384-322), em contraposição a seu mestre Platão. Aristóteles passou vinte anos na Academia de Platão. “Provavelmente deixou de ser platônico, porém o que há de perene em Platão sobrevive nele”. Aristóteles foi sábio em quase todos os domínios disponíveis na época: ciências naturais, lógica, física, poética, astronomia, ética, política, retórica, psicologia... Aplicou-se sobretudo a assentar as bases da “filosofia primeira”, aquela que, depois, pelo ano 70 antes de Cristo, Andrônico de Rodes chamou indevidamente de Metafísica, nome que ficou na História, em que pese toda sua inadequação, como vimos no capítulo 04. A Aristóteles é atribuída a criação de grande parte da terminologia que ainda se usa na filosofia, como: ato, potência, matéria, forma substância. Para o Realismo, a matéria é uma realidade objetiva e não, simplesmente, uma projeção do mundo das Idéias. Este nem existe. O mundo é uno, e é este que nós apreendemos pelos sentidos. As coisas deste mundo, inclusive o homem, são compostas de dois princípios incompletos: matéria e forma. A matéria é potência e a forma é o princípio da atualização da potência. Exemplo: a madeira está em potência para ser uma mesa; a mesa, por sua vez, é a atualização daquela potência. As coisas não dependem do homem no seu existir. Existiriam mesmo que o homem não viesse a emergir no mundo. No aspecto da gnosiologia, Aristóteles ensina que o conhecimento é sumamente importante pelo fato de ser ele constitutivo da natureza humana. Sem conhecimento não há homem nem mulher. O que é conhecimento? O Realismo foi a primeira filosofia a afirmar que o conhecimento é uma relação entre sujeito e objeto, relação esta que Aristóteles[2] vai chamar de “adequação entre a mente e a realidade”[3]. O ser humano não nasce sabendo. Contrapondo-se a Sócrates e Platão, Aristóteles afirma que o homem nasce sem nenhum conhecimento. Segundo o Realismo, conhecer é ter conceitos (idéias) e os conceitos estão nas coisas, na sua realidade ontológico- gnosiológica. As coisas são percebidas pelos sentidos - externos ou internos - daí o célebre aforismo gnosiológico: “nada chega à inteligência, que não tenha passado primeiro pelos sentidos”
. O esforço de transpor a realidade do nível ontológico para o nível gnosiológico se chama abstração. O termo abstração significa extrair de. Entende-se que não se trata de uma remoção total de uma coisa, mas tirar e deixar. Tirar o que interessa e deixar o que não interessa. O que interessa tirar das coisas é o conceito - idéia - delas, e não a entidade ontológica das mesmas. Vê-se que a idéia de parto não está ausente. Não se trata de extrair idéias de dentro das pessoas
Aristóteles concebe três graus de abstração. No primeiro grau, depois de se destacar a realidade de seu meio, abandonam-se suas características individualizantes, conservando-se, entretanto, suas características sensíveis; no segundo grau, abandonam-se as características sensíveis, conservando-se a matéria quantificável - a massa mensurável - desta realidade; no terceiro grau, abandona-se a massa quantificável e se conserva o conceito - idéia, forma - Para o Realismo, o conhecimento é concebido - não dado - no “ventre” de nosso espírito. É um verdadeiro parto.
Um bom exemplo da criação do conhecimento, dentro de nós, é o trabalho do garimpeiro. Atolado no leito de rios ou córregos, batéia na mão, vai o garimpeiro peneirando a lama ou a borra que retira de seus pés, conservando o que interessa e desprezando o que não interessa, até que surge, reluzente, a faísca de ouro, que ele guarda com todo o carinho.
Quem é o homem? Como já foi dito a propósito das outras coisas, o homem é também composto de matéria e forma. A matéria é o corpo e a forma é a alma. Ligados ao corpo estão os sentidos externos: vista, ouvido, paladar, olfato e tato. Ligados à alma estão os sentidos internos: ao sentido comum (o qual sente que sente, coordena e distingue a percepção dos sentidos externos), acompanham a inteligência, a imaginação, a fantasia, a memória, a afetividade, etc.

Relação entre política e ética
Vimos que Platão identificava política e ética. Aristóteles subordina a ética à política.
Sendo assim, vamos tratar primeiro de política que, para Aristóteles era a “filosofia das coisas humanas”.
Para alicerçar nossas posições neste tema, muito nos valemos de Giovani Reale em sua História da Filosofia Antiga, volume II, das Edições Loyola.
Como bom heleno que era, Aristóteles... “entendia o homem unicamente como cidadão completamente acima da família e do homem individual: o indivíduo existia em função da Cidade e não a Cidade em função do indivíduo”.
Política vem de “polis” que é cidade em grego. A polis está acima do indivíduo, por encerrar o horizonte dos valores humanos.
No volume citado, Reale coloca no pensamento de Aristóteles o seguinte:
“... embora o bem do indivíduo e o bem do Estado[4] sejam da mesma natureza (pelo fato de consistirem, em ambos os casos, na virtude), o bem do Estado é mais importante, mais belo, mais perfeito e mais divino. A razão disto deve ser buscada na própria natureza do homem, a qual demonstra com clareza que ele é absolutamente incapaz de viver isolado e, para ser si mesmo, tem necessidade de estabelecer relações com os seus semelhantes em todo momento de sua existência”.
E continua Reale:
“É no Estado que o indivíduo... é levado a sair do egoísmo , a viver conforme o que é subjetivamente bom, assim como conforme o que é objetivamente bom. Desse modo o Estado, que é o último cronologicamente, é o primeiro ontologicamente, porque se configura com o todo do qual a família e a vila são partes, e, do ponto de vista ontológico, o todo precede às partes, porque o todo[5], e só ele, dá sentido às partes. Assim, o Estado dá sentido às outras comunidades e só ele é autárquico”.
Ainda uma observação sobre a teoria política de Aristóteles. Ele endossa inteiramente a sentença platônica: “Só é homem quem é cidadão”. E vai além, ao afirmar explicitamente: para ser cidadão, impõe-se “tomar parte na administração da justiça e fazer parte da assembléia que legisla e governa a cidade”[6]

A ética aristotélica
No que se refere à ética, vamos somente lembrar algumas posições da imensa obra ética de Aristóteles.
Já sabemos que ele a subordina à política. Para o estagirita, como já era para Platão, a ética está baseada no conhecimento do homem[7]. A ética determina a conduta que convém ao homem de acordo com o que este é. “Viver eticamente é viver em consonância com a natureza ou com a essência humana”. E como a essência imutável do ser humano é a razão, agir eticamente é agir de acordo com a razão.
O ser humano é animado por uma propensão máxima: conseguir a felicidade, a qual consiste na contemplação das idéias e na prática das virtudes.
Agir de acordo com a razão é praticar as virtudes. Virtude, porém, não é uma questão de conhecimento do mundo, mas é uma questão de hábito que só se consegue com a prática de atos.
Original na ética aristotélica é a idéia da mediania, ou seja, a virtude é o ponto intermediário ou o justo meio entre dois vícios, um por excesso e outro por carência, entendo-se que, quando se fala de “excesso, carência e justo meio”, está-se referindo a sentimentos, paixões e ações. “virtude é a justa medida que a razão impõe a sentimentos, paixões, ações ou atitudes que, sem o controle da razão, tenderiam para um ou outro excesso”
Alguns exemplos de mediania:
1) mansidão é a via intermédia entre raiva e impassibilidade, indiferença;
2) coragem é a via média entre temeridade, imprudência e covardia;
3) indignação é a via média entre inveja e alienação, desinteresse;
4) justiça é via média entre ganho e perda, entre cobiça e indiferença (consiste na “justa medida com a qual repartimos os bens, as vantagens e os ganhos” ou justiça é dar a cada um aquilo a que cada um tem direito).
Agir de acordo com a razão é praticar as virtudes. Não se trata propriamente de conhecimento, mas de hábito. E como sabemos, hábito se adquire com repetição de atos. Sem repetir atos virtuosos, não teremos Ética.
Mais uma observação: como a essência humana é imutável, também são imutáveis os valores éticos. O que era bom, continua e continuará bom.

Diversidade de Realismos
O Realismo divide-se sob o ponto de vista temático e sob o ponto de vista gnosiológico.[8]
Quanto ao tema ou sob o ponto de vista ontológico, a nossa posição é que o Realismo[9] divide-se primariamente em Realismo teístico e Realismo materialista e ateístico.[10] O primeiro, às vezes intitula-se, Realismo racional, clássico e, na Idade Média, religioso. Quanto ao segundo, ele também se chama Realismo naturalista, materialista ou simplesmente Naturalismo A teoria de Darwin enquadra-se neste último. Aqui também se insere o realismo [11]materialista de Marx.. O Realismo clássico (que é espiritualista e teístico) foi criado por Aristóteles; o medieval (espiritualista-teístico religioso) foi criado pelo italiano Santo Tomás de Aquino (1225-1274).

Realismo tomista
Do Realismo aristotélico, já se falou alguma coisa. Superficialmente, neste espaço, trataremos do Tomismo ou realismo tomista que, como veremos, é um realismo moderado. Diferentemente da Alta Idade Média, dominada pelo pensamento platônico de Santo Agostinho, a Baixa Idade Média é o grande momento da filosofia aristotélica, consagrada pelo gênio de Santo Tomás de Aquino[12]. Este introduziu algumas modificações no monumental legado de Aristóteles. A primeira se baseia no conceito de criação. Para Aristóteles, o mundo é eterno. Deus não criou o mundo, mas somente o colocou em movimento, como primeiro motor que a tudo move e não é movido. Tomás de Aquino teve que se submeter à revelação bíblica que afirma que o mundo foi criado por Deus. Pelo mesmo motivo, introduziu uma razoável modificação na antropologia aristotélica. O filósofo ateniense tinha, como incerto, o destino da alma. Aquino afirma sua imortalidade. Outra modificação provocada pelo filósofo medieval, é sobre o hilemorfismo - teoria da matéria e da forma - Aristóteles só se contentou em afirmar que a matéria é potência e a forma é o ato desta potência, não chegando a explicitar a relação essência/existência, o que faz que sua teoria do ser não vá muito além do essencialismo platônico ou, como diz Gabriel Marcel: em Aristóteles, “A existência aparece... escamoteada”. Santo Tomás o corrige: a potência é constituída não só pela matéria, mas também pela forma, e o ato é constituído pela existência. Insistindo na categoria da existência, o doutor angélico dá um toque de existencialidade à sua filosofia, distanciando-a sensivelmente da matriz aristotélica.
Também se distancia de Aristóteles quanto à metodologia do conhecimento. Neste item, ele segue Santo Agostinho, quando este ensina que o conhecimento se faz por iluminação divina.
A Santo Tomás se pode creditar também o "Realismo Moderado" que será explicdo mais abaixo.
Vimos que o Realismo se divide, outrossim, sob o ponto de vista estritamente gnosiológico. Esta divisão se prende ao fato de a discussão sobre a essência do conhecimento, a partir do século onze, ter começado a atiçar a curiosidade dos pensadores. Já nos referimos à definição de conhecimento apresentada por Aristóteles: “adequação entre a mente e a realidade”. A discussão se prendeu, sobretudo, ao sentido do termo “adequação”. Para uns, a palavra “adequação” não passava de um simples nome, sem nenhuma ligação com a realidade - é o Nominalismo. Para outros, era somente um conceito, portanto, fruto de uma elaboração mental, mas sem maiores vinculações com a realidade - é o Conceitualismo.
Para outros, exageradamente, presos ao princípio de identidade, o termo “adequação” significava, de fato, identidade. Exemplo: o conhecimento que tenho da lua corresponde exatamente ao satélite da Terra, sem nenhuma discrepância. Nesta interpretação, o conhcimento é certo, absoluto e dogmático - é o Realismo Exagerado. Finalmente, temos aqueles, entre os quais Santo Tomás, que pensam que o termo “adequação” significa semelhança. O conhecimento é uma relação de semelhança entre “a mente e a realidade”. Conhecemos através de imagem. O que conhecemos da lua não é a lua propriamente, mas algo semelhante à lua - é o Realismo Moderado, mencionado linhas atrás.

Outras considerações sobre o Realismo
No Realismo clássico (que é espiritualista teístico), o homem é composto de corpo e espírito, não havendo superioridade de um sobre o outro.[13] É tão importante o espírito quanto o corpo. A natureza humana é a mesma em toda parte, apesar da diversidade de meios ambientes e de circunstâncias históricas. A racionalidade é o mais elevado atributo do homem, devendo conservar a primazia para controlar seus instintos de acordo com finalidades previamente escolhidas. Os homens são livres, mas devem aprender a dominar seus apetites. O homem é um conjunto de potencialidades, ligadas, umas aos sentidos externos, outras aos sentidos internos. Ambos os tipos devem ser desenvolvidos e colocados em ato pela educação. O homem é um ser de natureza cognoscente. Tal a ontologia, tal a teleologia, isto é: tal é o ser do homem, tal será sua finalidade. Por outra, o homem deve realizar sua essência. Se o conhecimento faz parte da essência do homem, conseqüentemente sua finalidade é conhecer. Quem não conhece não é. O homem nasceu para conhecer... as idéias que estão nas coisas deste mundo e que devem ser abstraídas destas coisas. Dada a influência platônica e cristã, o Realismo medieval tomista, dá mais importância ao lado espiritual do ser humano. Para o Realismo naturalista o homem é só corpo. As idéias são segregadas do cérebro, como a bilis é segregada do fígado. O conhecimento tem como finalidade alcançar o poder (Bacon). Poder de domínio sobre o mundo para colocá-lo a serviço do consumismo.
Quanto ao tema da verdade, o Realismo, em geral, categoriza que a verdade é eterna. E ela é baseado no mundo físico e social. O Realismo naturalista insiste no conhecimento das leis do universo e da matemática, como meio simbólico, abstrato e preciso para descrever as leis que regem a ordem do mundo.

Crítica à filosofia realista
Enquanto subversão a algumas teses do Idealismo, o Realismo merece todos os aplausos, entretanto, à maneira da filosofia idealista, o Realismo produz também a aristocracia do intelecto. Reduz o ser humano à esfera do racional. O que interessa é a potenciação humana na razão. Abre caminho para a mecanização e robotização do ser humano, resvalando assim no tecnicismo profligada por Paulo Freire. “O intelecto é apenas um aspecto da personalidade de um homem. E, embora o comportamento racional seja indispensável ao progresso humano, o lado afetivo é inconfundivelmente pessoal não lhe pode ser subordinado com facilidade”.
Vamos ressaltar alguns pontos a serem criticados:
1 – “o homem é composto de matéria e forma”. Já não podemos mais aceitar este dualismo rígido do ser humano: corpo de um lado, alma do outro. O ser humano é o conjunto simultâneo e recíproco de forças materiais e espirituais. Não podemos separar estas forças. O homem é, ao mesmo tempo, um corpo espiritualizado e um espírito corporeificado.
2 - “a natureza humana é a mesma em toda parte”. Não podemos aceitar este princípio. Não existe uma natureza humana a priori, constituída desde o início. O homem é um devir. Está em constante trânsito, sujeito às vicissitudes da História.[14]
3 - “a finalidade da educação é aperfeiçoar o homem como homem”. Para nós, a finalidade da educação vai além do homem. É uma atividade praxeológica. Deve transformar o mundo, respeitando os ecossistemas. 4 - sendo a racionalidade o mais elevado atributo do homem, este deve usá-la para dirigir sua natureza instintiva de acordo com as finalidades deliberadamente escolhidas”. Este princípio está ultrapassado. A partir do grito de Pascal: “o coração tem razões que a razão desconhece”, vemos desmoronar, aos poucos, o império da razão. Mais, ela deve submeter-se ao tempo histórico e ao contexto geográfico. Como diz, de maneira peremptória, Paulo freire: “sou homem não a partir do universal, mas a partir do local em que vivo”.
5 -”o conhecimento é o mesmo em toda parte”. Não, o conhecimento é histórico. Tem que acompanhar os sinais dos tempos. Por exemplo: nem todo conhecimento da Idade Média, pode ser aceito hoje
6 - “a tarefa da filosofia é introduzir a verdade eterna”. Não existe verdade eterna, a não ser nas religiões. A verdade é relativa. É filha do tempo[15] .
7- A finalidade do ser humano é o conhecimento e para se ter conhecimento é necessário ensino”. Nem sempre o ensino é panacéia para todos os males – é o que aponta a história.e a análise sociológica atesta: as cadeias estão cheias de pessoas ensinadas, sem falar dos facínoras diplomados e engravatados que infestam todas as áreas. A hominização, além de processo epistemológico, é também um processo de maturação biológica, psicológica, ética e política.
8 - O essencialismo camuflado do Realismo. Tendo em vista o processo de hominização, o Realismo tem um vício de origem. Como o Idealismo, é também uma filosofia essencialista, ainda que se preocupe um pouco com a realidade presente. Considera a essência como um “apriori” da existência, pelo menos no plano gnosiológico. É que a “forma” aristotélica não passa de uma essência, que não está no Paraíso das Idéias, mas está nas coisas e constituindo em ato as coisas. Para conhecer uma coisa, temos que abstrair as idéias que estão nas coisas[16].
Sendo, pois, uma filosofia essencialista, tem o mesmo viés do Idealismo: sua inépcia para atingir o homem concreto e conseqüentemente ajudá-lo em seu processo de, pela crítica, levá-lo à completude do ser humano. Com efeito: nenhuma delas[17] concebe o homem concreto e vivo, um homem de carne e osso, pertencendo a um lugar definido e a uma época determinada da história. Uma (o Realismo) reduz o homem às proporções de receptáculo e veículo de valores culturais, a outra (Idealismo) concebe-o como uma experiência contemplativa ou uma emoção mística. Em ambos os casos, a educação incide num domínio limitado da vida humana e não tinha qualquer relação nem com atividade real, social e profissional do homem, nem mesmo com a totalidade da sua vida individual” (SUCHODOLSKI, 1992 : 123).
Como uma rede de fios invisíveis pode atingir e colher, em seu regaço, um ser que não é só espírito, mas é também, matéria sensível e quantificável?
Que o Realismo é uma filosofia essencialista, entende-se facilmente. Vale a pena reforçar e aprofundar o argumento. Ainda que proclame que a realidade verdadeira está neste mundo mesmo, não conseguiu desvencilhar-se do essencialismo platônico, pois também ele coloca que a finalidade do ser humano é contemplar as idéias, ainda que vigentes no coração da realidade. Assim, o que muda é somente a topologia das idéias; ao invés de estarem no mundo das idéias, elas estão aqui mesmo, dentro das coisas.
Diante dessa aporia[18] ou deste impasse, só mesmo apelando-se para uma terceira via para o ser humano em seu processo de desenvolvimento rumo à hominização. Essa terceira via é a filosofia dialética que será apresentada no Apêndice.

Empirismo
Como o Tomismo é a versão realista do século XIII, o Empirismo é a versão do Realismo no século XVII. O Empirismo floresceu na Inglaterra em contraposição ao Idealismo - Racionalismo descarteano- nascido na França. O Empirismo leva aos extremos, sobretudo com Davi Hume, o já citado aforismo de Aristóteles: “Nada chega à inteligência, que não tenha passado primeiro pelos sentidos”.[19]
Fora a questão da substância, a filosofia empirista deixa de lado a metafísica e incesta sua atenção na gnosiologia e na filosofia política.
Vamos destacar somente três filósofos do Empirismo: Thomas Hobbes e John Locke, por sua filosofia política e Davi Hume, por ter criado o Ceticismo moderno, logo, por uma questão gnosiológica.
Thomas Hobbes (1589 – 1679) foi o criador da teoria do primeiro contrato social. Até aí, à exceção da experiência democrática grega e das repúblicas italianas da Renascença, o poder era imposto pelo direito divino ou pela força das armas.
A Europa estava saindo da terrível Guerra dos Trinta Anos. A Inglaterra, por sua vez, tinha pela frente a Revolução Puritana. Ao lado do conflito bélico, vinha o conflito de idéias e interesses.
Dado o jusnaturalismo, vigente e recrudescente a partir de Grocio, a situação da sociedade era deveras preocupante. No estado de natureza, o homem se tornou” lobo para o homem”. O ser humano se mostra tal como é: egoísta, insaciável, calculador. “Deixar que algo seja de alguém é eu me privar de ficar com mais”. O homem é lobo para o homem. Quer tudo: o que é seu e o alheio”.
Hobbes, ardoroso defensor do direito de propriedade, sai a campo para, no plano das idéias, oferecer uma tentativa de solução.
Para trazer paz à sociedade e preservar o direito de propriedade, só há uma solução: o contrato social que consiste em os indivíduos entregarem ao Soberano a sua liberdade e seus direitos; só assim, eles os terão salvaguardados. Esse soberano, depois de constituído, deve ter todos os poderes e se encarnar no Estado que se transforma em um monstro, o Leviatã.[20]
O maior filósofo inglês desta época se chamou John Locke (1632-1704). É o verdadeiro sistematizador do Empirismo. Todo conhecimento vem da experiência. Na esteira de Aristóteles, vai afirmar que o homem quando nasce é como que uma tábua limpa na qual nada está escrito - “uma tábua rasa”. Ultrapassando o pai do Realismo, Locke vai ensinar que não existe diferença entre conhecimento sensível e intelectual. Tudo provém da experiência sensível. Esta compreende dois tempos: sensação e reflexão. Pela sensação, temos as idéias do que nos é externo, que são expressões das qualidades secundárias, como:cores, odores, sons, temperatura, etc. Pela reflexão em que se dá uma combinação das idéias simples que servem de base, temos as idéias complexas, isto é, daquilo que nos é interno, que são expressões das qualidades primárias, ou qualidades psicológicas, como: desejo, amor, dor, etc, bem como as qualidades matemáticas, como: forma, tamanho, altura, etc.
Locke não diferencia conhecimento intelectivo de conhecimento sensível, levando a exremos a célebre sentença de Aristóteles: "Nada chega á inteligência que não tenha passado primeiro pelos sentidos". Para Aristóteles, nem tudo se reduz á experiência sensível.
Distanciando-se c1aramente de Aristóteles, o criador do Liberalismo[21] político, torna-se responsável também, em gnosiologia, pela teoria do Associacionismo.
Com Locke, nasce a desastrosa antinomia, que tanto estrago vai causar, sobretudo, na educação: Associacionismo X Nativismo.
O Nativismo, criado por Descartes, com sua famosa teoria das idéias inatas, ensina que o ser humano nasce com algumas idéias - as primárias - qualidades primárias descritas acima. Raciocinando com estas idéias (qualidades), pelo método dedutivo, chegamos ao conhecimento de tudo, dispensando-se a sensação e a experiência. O Associacionismo, ao contrário, ensina que, associando as idéias da sensação e as idéias da reflexão - já sabemos que todas provêm dos sentidos através da indução, podemos conhecer todas as coisas.
Se Hobbes criou o primeiro contrato social[22], um sustentáculo da monarquia absolutista, Locke vai ser o responsável pela criação do segundo contrato social, arrimo da monarquia parlamentar. Na monarquia parlamentar, quem governa é o Parlamento, eleito, é verdade, só pelo estrato burguês, mas eleito. A liberdade deixa de ser uma rainha sem trono, como no passado. Pelo menos no espaço político, ela começa a mostrar um semblante promissor e adquirir acento.
Como já foi insinuado, Dave Hume (1711-1776) leva às ultimas conseqüências as premissas sensistas do Realismo, tornando-se o arauto do Ceticismo moderno. Os sentidos são os únicos instrumentos do conhecimento. Ora, os sentidos falham. Logo o conhecimento é altamente duvidoso, ou impossível. Hume tira as conseqüências mais extremadas dos princípios associacionistas colocados por Locke. É um verdadeiro sensismo. Fora dos sentidos, nada. Hume é o legítimo criador do Ceticismo moderno[23].
Levando às últimas consequências as teses do Associacionismo, Hume nega consequentemente o princípio da causalidade. Esta não existe. O que existe mesmo é o hábito da associação. Nós nos acostumamos a associar um fenômeno com outro fenômeno.
Na mesma linha de pensamento, Hume vai negar a existência do sujeito. Para ele, não há sujeitos, o que há é uma incidência de acontecimentos. O ser humano é um feixe de acontecimentos passageiros. O que existe são fenômenos. Daí ser ele, também, o responsável pelo Fenomenismo. O que existe são fenômenos, aparências. Atrás das aparências, nada. A realidade em si não existe.
Como já vimos, Kant era admirador de Davi Hume que, segundo ele, o acordou do sono dogmático.
Percebe-se que a metafísica não tem lugar no Empirismo. Sendo assim, a filosofia está entregue aos destinos da Ciência. Nesta mira vai convergir todo o esforço do Positivismo, capitaneado por Augusto Conte. Aqui, o Realismo passa a ser pensado como naturalista e cientificista.

Crítica ao Empirismo
Abdicando-se da metafísica, que é uma espécie de maestro da orquestra da filosofia, o Empirismo vai além do Realismo clássico e torna-se caudatário da ciência.
Matriz do Liberalismo, o Empirismo tornou-se a filosofia da burguesia em ascensão, não estando nem aí para a miséria que varria a Inglaterra, que provocou, no século anterior, a composição do livro a Utopia, por Thomas Morus, e que ainda persistia no século XVIII. Miséria que só veio a ser amenizada, anos depois, graças aos rescaldos das Grandes Navegações de cujos frutos os ingleses se apropriaram indevidamente. Por esse procedimento devastador, os ilhotas da Bretanha maior fazem da Inglaterra, na expressão de Castro Alves, a sanguessuga da humanidade e, na América Latina, os mais desumanos abridores de nossas veias, como escreve o uruguaio Roberto Gomes, em As veias abertas da América Latina.
Que a filosofia empirista ressuma essencialismo não é difícil entender. De fato, Jonh Locke já havia levantado as coordenadas a respeito das “qualidades primárias”, (cor, odor, som), que seriam produtos da associação.Aassociamos, por exemplo, a cor à visão, etc. Isto levou seu discípulo Davi Hume a substituir o princípio de causalidade pelo princípio da crença: nós nos habituamos a relacionar os acontecimentos; se aconteceu no passado, cremos que acontecerá novamente. A crença não se baseia em constatações empíricas, mas em idéias preconcebidas, em apriorismos.



























[1]A filosofia de Aristóteles chama-se também Analítica, pois é uma filosofia demonstrativa: ela gira em tomo da análise das proposições de que se deve tirar conclusão coerente.
[2]Aristóteles, ainda herdeiro de Platão, acreditando que as idéias estão no interior das coisas, tem este conceito de abstração.
[3] Por muitos séculos se discutiu qual o sentido da palavra adequação, usada por Aristóteles, discussão que deu origem às quatro espécies de Realismos.
[4] Lembrar que a Grécia era dividida em Cidades-Estado. Daí esse modo de expressão
[5] A filosofia sempre ensinou que o todo não é a soma das partes, logo a soma das partes não faz o todo.
[6] Notar que é preciso levar-se em consideração o contexto histórico de Aristóteles. Ele viveu nos estertores da democracia grega, em que o povo se reunia na praça para participar das decisões políticas; o que é impraticável hoje.
[7] A diferença entre a posição socrático-platônica e a aristotélica, nesta, questão é que para Sócrates e Platão, tratava-se do conhecimento do mundo e para Aristóteles, o conhecimento é do próprio homem
[8]Dada a diversidade e, mesmo, a ambigüidade das divisões do Realismo, ouso apresentar a minha versão.
[9].Notar que o termo “Realismo” só pôde ser usado a partir de Aristóteles. Antes deste, o termo próprio para quem não admitia a existência do espírito é materialismo.
[10]Marx, no século XIX, irá criar o Materialismo Histórico e o Materialismo Dialético; dado, porém, que seu conceito de matéria é diferente do conceito de matéria de Aristóteles, o realismo marxista é diferente dos Realismos descritos, incluindo o dos atomistas, como Leucipo e Demócrito (séc. V a.C.)
[11]Afirmando a existência da alma e a existência de Deus (o motor que move e não é movido), o realismo criado por Aristóteles só pode ser espiritualista e teístico.
[12]Tomás de Aquino (1225 – 1274) foi o maior filósofo e o maior teólogo da Idade Média.
[13]A superioridade da alma sobre o corpo é um resquício de platonismo, cooptado pelos filósofos medievais.
[14]Para maiores informações, consultar nosso livro, Dialética - a Terceira Via da Educação: de Heráclito a Paulo Freire
[15]Sobre o assunto da verdade, eu já me encontro numa perspectiva pós-moderna, o da relatividade da verdade.
[16] Daí a célebre fórmula aristotélica: Nada chega à inteligência, que não tenha passado primeiro pelos sentido. Sendo os sentidos as antenas que captam a realidade e a razão o instrumento que abstraem desta as essências ou idéias e as elevam à mente.
[17] Suchodolski está se referindo tanto ao como ao Idealismo e ao Realismo.
[18] O termo “aporia” pode ser traduzido por beco sem saída.
[19]O Positivismo irá tirar as conseqüências desta posição humana: fora dos sentidos, nada existe.
[20] O Leviatã foi inspirado naquela baleia que engoliu o profeta Jonas, como narra a Bíblia.
[21]Locke (+ 1704) é o principal responsável pela criação do Liberalismo Político: qualquer ser humano tem o direito de escolher seus governantes.
[22] O contrato social idealizado por Locke tem a finalidade principal de defender o direito de propriedade e, por conseqüência, defender a Monarquia Parlamentar, sustentada pela burguesia
[23] O Ceticismo antigo foi a posição de um grupo de filósofos do século V e IV a. C. Um deles Chamado Górgias, dizia: a realidade não existe, se existe, não pode ser conhecida. Céticos, portanto, são aqueles que não aceitam a possibilidade do conhecimento.