sábado, 30 de maio de 2009

CAP. 12 - FILOSOFIA DIALÉTICA

CAP. 12

FILOSOFIA DIALÉTICA

A verdade é que tudo envolve algum conflito e alguma controvérsia. Ninguém vem ao mundo sem briga (Mangabeira Unger).

Desfolhando a segunda e terceira parte deste livro, podemos constatar que as filosofias essencialistas[vi] e existencialistas não são capazes de satisfazer a natureza das coisas e dos seres humanos. Essas filosofias são as seguintes: Idealismo, Realismo, Racionalismo, Criticismo, Empirismo, Positivismo. Quanto às filosofias existencialistas, apontamos o Pragmatismo e o Existencialismo. A incapacidade das primeiras se prende a seu caráter abstrato e apriorístico. As segundas, em que pese sua visão dinâmica, por adotarem ainda uma concepção linear do movimento, não levam em consideração a natureza contraditória (dialética) do mundo físico e, sobretudo, do mundo humano. Efetivamente, foi-se o tempo em que se pensava que a filosofia só tinha uma finalidade contemplativa, nada tendo a ver com a ordem prática. Hoje, graças à teoria da relatividade e da física quântica, aceita-se a tese de que, pelo menos a longo prazo, é a filosofia que resolve os mais profundos e graves problemas da humanidade. Soa, no mundo atual, um grande apelo à filosofia. Não obstante, não se trata de qualquer filosofia. As filosofias muito impregnadas de ideologia, as filosofias acríticas, pouco ajudam nesta fase da humanidade tão dispersiva e tão, explicitamente, inçada de fome, de doença epidêmica, de miséria, de opressão, de violência, de marginalização econômica que atinge metade da população do Globo.
Ineficiência das filosofias essencialistas
Podemos relacionar as seguintes características desta ineficiência ou seus motivos mais pontuais: 1- Tais filosofias, por seu caráter apriorístico, só vêem, no horizonte, um ser humano ideal, aquele que veio do céu, que só existe em nossas mentes, e não o homem na sua realidade, dolorosamente, existencial e social. Estas filosofias são como redes tecidas com fios abstratos, invisíveis e incapazes de pescar seres de carne e osso como são os seres humanos. Ao contrário, a filosofia dialética, pelo menos a de feição marxista e freiriana[vii], considera o ser humano na sua integridade terrena, aquele que tem o pé no pó e o coração nos espinhos. 2 – Essas filosofias, sobretudo, de tendência idealista e religiosa, de uma maneira ou de outra, desdenhando a vida presente, consideram este mundo, tão somente, um caminho, em demanda de um estado de vida extraterrena[viii]. Para elas, este mundo não merece maior atenção. Afinal, esquecem que o futuro depende do que fizermos dele no presente. A filosofia dialética, por sua própria estrutura, coloca em pé de igualdade as três dimensões do tempo 3 – Essas filosofias, na feição idealista[ix], exacerbam a subjetividade em detrimento da objetividade, anulando-se o objeto diante do sujeito; assim, o conhecimento acaba sendo um produto isolado da razão. Na feição realista, empirista e positivista, é o contrário: há uma exacerbação da objetividade em detrimento da subjetividade. O objeto impõe-se ao sujeito. Em ambos os casos, temos um desvirtuamento da natureza do conhecimento que, genui-namente, deve ser fruto tanto do sujeito quanto do objeto. Como sabemos, a natureza sempre se vinga, quando violentada. O desrespeito à natureza e à estrutura do conhecimento é um dos maiores responsáveis, senão o único, pelas desavenças e guerras entre os povos[x]. A filosofia dialética, a nível de conhecimento, é uma relação recíproca entre sujeito e objeto, considerando os dois elementos no mesmo patamar. 4 – Tais filosofias colocam, em plano inferior, a prática, quando não a desprezam. Ora, precisamos de uma filosofia que coloca, no mesmo nível, teoria e prática, pois nenhum lado é maior ou menor, anterior ou posterior, prioritário ou mero conseqüente. Esta postura é decisiva para não se cair na banalização da teoria, quando dicotomizada da prática. A prática, de seu lado, é importante, mas, isolada da teoria, torna-se cega e desastrada. Mais uma vez, precisamos de uma filosofia que seja uma filosofia da práxis, que institua a integração da teoria e da prática.
Quanto às filosofias existencialistas, sua deficiência se prende ao seguinte: a – No horizonte da humanidade, estas filosofias só vêem o indivíduo, deixando de lado a sociedade ou só vendo, nela, a oportunidade de ascensão ao plano da realização pessoal. Apesar de exaltarem a liberdade, esta não tem ligação com o possível, pois o possível está no futuro e as filosofias existencialistas não se importam com o futuro, tornando-se, portanto, o argumento decisivo do direito de fazer o que se quer, aqui e agora. É a exacerbação do “eu” que, ao final de um módulo no processo de hominização, deve se achar congruente, isto é: de bem consigo, de bem com a vida, de bem com os outros, de bem com Deus. Ora, precisamos de uma filosofia que demande uma relação recíproca entre indivíduo e a sociedade. b – Estas filosofias preconizam que o processo de hominização se faça somente de acordo com os interesses de cada um no presente histórico. É o presentismo em qualquer situação. O passado não conta e o futuro está nas mãos de Deus. É necessária, pois, uma filosofia que atri- bua o mesmo valor às três dimensões. c – As filosofias existencialistas, no afã de combater o racionalismo desbragado, acabam por envolver o homem na teia das paixões que, exacerbadas, se tornam vícios. Exemplo é o amor que se pode tornar ódio (uma das raízes da violência)[xi]. Urge uma filosofia que, ensinando que tudo está ligado com tudo, encaminhe o contencioso paixão/vício para um consenso em que paixões e vícios perdem sua contundência desvairada, transformando-se numa convivência razoável e hominizante. Num oceano de tanto impacto de dimensões incomensuráveis, vivemos numa corda bamba, tremulando sobre abismos. Nesta situação, assoma em nossa mente um apelo insopitável á filosofia dialética, a única corrente de pensamento capaz de nos ajudar. Ela é capaz de nos socorrer, desde que a constituamos o grande critério, o grande tribunal de julgamento do caráter, eminentemente, ideológico e acrítico das filosofias estudadas nesta obra.
O termo “dialética” vem do grego. Como explica Paul Foulquiê: “O prefixo dia exprime aqui idéia de reciprocidade ou de troca: dialegein é trocar palavras ou razões, conversar ou discutir. O substantivo dialéticos significa troca de impressões, conversação, discussão”. (FOULQUIÊ, 1979: 09).
CARACTERÍSTICAS DA DIALÉTICA
a) Totalidade. Esta característica é tão própria da dialética que sem ela a dialética não passaria do método corriqueiro de conhecimento próprio do senso comum. A totalidade é o ar que a dialética respira, pois o sentido das coisas não está na consideração de sua individualidade (parcialidade), mas na sua totalidade. Já sabemos que sem o todo não, não compreendemos as partes. Abaixo, este tema será mais desenvolvido.
b) Simultaneidade. Como decorrência imediata da totalidade, termos a característica da simultaneidade, pois se não podemos ver a realidade senão em sua totalidade, é evidente que tudo nesta é simultâneo: acontece ao mesmo tempo, não existindo um antes e um depois. Tudo acontece como as ondas do mar, não se sabendo onde começam e onde terminam. Elas vêm aos borbotões.
c) Criticidade. A criticidade é deveras natural à dialética como as águas da chuva, caindo nas encostas, correm para o mar. A filosofia dialética, dada sua estrutura de tese, antítese e síntese, só pode ser a mais crítica de todas as filosofias. É pena que Nietszcche, dada sua ogeriza antirrehgeliana não tenha se dado conta disto. O tema da crítica foi tratado no cap. 05.

PRINCÍPIOS DA DIALÉTICA
1 – Princípio da totalidade: tudo se relaciona
Este princípio poderia também se denominar : lei da interdependência dos opostos ou dos contrários; lei da reciprocidade; lei da ligação ou da interação; lei da conexão universal.
Para a dialética, a natureza se apresenta como um todo, onde objetos e fenômenos são ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. Desta maneira, “nenhum fenômeno, seja natural ou social, pode ser explicado isoladamente, sem que busquemos sua gênese e causa no processo mais amplo de feitos que o compõem. Separados deste processo mais amplo de que faz parte, o fenômeno torna-se totalmente desprovido de real significação. A dialética convida-nos, portanto, a analisar a realidade, assumindo uma visão de conjunto, que nos permite enxergar o processo de inter-relações dos fenômenos, superando a visão estanque e desconexa das coisas.” (COTRIN, 1997: 260). Vamos acentuar ainda mais este princípio, dando o máximo relevo à característica da totalidade de que já se falou. Para tanto, nada melhor do que a comparação entre a filosofia tradicional, no que se refere ao ser, e a filosofia dialética. Diferentemente da filosofia tradicional, “a dialética vê a natureza não como uma acumulação acidental de objetos, de fenômenos desligados uns dos outros, isolados e independentes uns dos outros, mas como um todo uno, coerente, onde os objetos, os fenômenos, estão ligados organicamente, dependendo uns dos outros e condicionando-se reciprocamente. É a razão por que o método dialético considera que nenhum elemento da natureza pode ser compreendido se é encarado isoladamente, fora dos fenômenos que o rodeiam; pois não importa que fenômenos, nem importa que domínio da natureza pode ser convertido num não-senso, se o consideramos fora das condições circundantes, se o isolamos dessas condições; pelo contrário, não importa que fenômeno pode se compreendido e explicado, se o consideramos em volta, se o consideramos tal como é condicionado pelos fenômenos que o circundam” (FOULQUIÉ, 1979: 60-61). Como exemplo do princípio da totalidade: tudo se relaciona, vamos apresentar algo mais simples. Trata-se da ferradura. À primeira vista, temos em vista um instrumento para proteger o casco dos cavalos. Entretanto, pensando bem, vamos encontrar nesta palavra “ferradura” uma série quase imensurável de mediações (geográficas, históricas, econômicas, sociais e até transcendentais). Vejamos. Há milênios, no seio da terra, a ferradura se achava potencialmente em estado de minério. Este minério não estava isolado dos outros componentes do planeta Terra. Um dia, o homem, levado pela necessidade de proteger seu animal – cuja produção era premente para sua própria subsistência – cavou o chão, retirou o metal, levou-o a um forno, transformou-o em um pedaço de ferro. Este, por sua vez, numa forja, se transforma na ferradura que, colocada no casco do equino, vai proporcionar-lhe mais resistência, segurança e produção. Eis as mediações por que passa a ferradura. Às vezes, nem mesmo a transcendência religiosa escapa à trajetória deste artefato. Gasta, a ferradura é retirada do pé do animal e pregada atrás da porta para evitar feitiços e coisas que tais.

2 – Princípio do movimento: tudo se transforma Este princípio pode-se intitular: lei da negação da negação, lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante, lei do movimento universal, lei da ultrapassagem. A dialética considera todas as coisas em seu devir. Já vimos que o movimento é uma qualidade inerente a todas as coisas, melhor dizendo, é a própria substância das coisas. A dialética “concebe a realidade não como um sistema estático, imutável, mas, inversamente, como um sistema aberto e dinâmico, em permanente movimento. O movimento não é, portanto, um aspecto secundário da realidade. Não natureza, mais movimento; sociedade, mais movimento. Não; a realidade é movimento, processo. Ele se manifesta, portanto, na natureza e na sociedade. Onde existe movimento, há transformação incessante. Transformação marcada tanto pelo nascimento e desenvolvimento, quanto pela decadência de qualquer fenômeno, seja do mundo material, seja do mundo social. Por isso, interessa ao pensamento dialético captar da realidade não apenas o dado estável que se revela a cada momento, mas também o processo estrutural mais amplo, que nos permite avaliar aquilo que já está decaindo, bem como espaços que se abrem para o nascimento do novo. É necessário, entretanto, não nos servirmos do pensamento dialético, como se fosse de uma ‘fórmula mágica’ capaz de justificar o passado ou amparar todas as nossas expectativas do futuro”. (COTRIN, 1997: 260-261). Como exemplo desta lei, pode-se apresentar o seguinte: lança-se na terra uma semente de mogno. A semente brota – é uma planta. Esta cresce e se transforma em uma árvore. A árvore, por sua vez, se transforma em madeira. Esta madeira, levada à marcenaria, se transforma em móvel. Este, depois de muito uso, apodrece e, na indústria, passa a ser adubo que vai contribuir para o cultivo de outras sementes. 3º - Princípio da mudança qualitativa
Estas mudanças qualitativas dão-se pelo acúmulo de elementos quantitativos que, num dado momento, produzem o qualitativamente novo. Dada a importância e o caráter revolucionário desta lei, vamos nos estender mais um pouco sobre ela. Para tanto, nada melhor – ao que pensamos – do que transcrever o que foi escrito por um filósofo russo: “A lei das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas[xii] diz como, de que modo, ocorre o processo de desenvolvimento, e qual é o mecanismo deste processo. Expressa a relação recíproca entre os contrários qualitativo e quantitativo das coisas e dos processos. Para compreender a essência desta lei, é preciso, antes de tudo, esclarecer o que é quantidade e qualidade.
- Conceito de qualidade ...O conceito de qualidade exprime as características de semelhança e diferença que as coisas possuem. Por qualidade entende-se o conjunto de características substanciais que expressam a natureza e os traços específicos de uma coisa.[xiii] Além de determinar o objeto, a qualidade indica que este se acha em equilíbrio relativo. Este fato é importante para sua existência, pois qualquer modificação da qualidade da coisa faz com que esta também mude de uma maneira radical. Por exemplo, a interrupção do metabolismo no organismo vivo significa sua destruição e morte, o fim da existência desse organismo, como tal. A qualidade é inseparável das coisas e é mutável, à medida que estas mudam. Para conhecer bem um objeto, compreender sua essência, é preciso tomá-la separadamente das coisas, determinar a identidade e as diferenças entre elas, e classificar suas qualidades e propriedades. A qualidade se manifesta nas propriedades que distinguem uma coisa das outras ou indicam as semelhanças entre elas. Cada coisa possui muitas propriedades. A modificação ou desaparecimento dalgumas delas ainda não leva à modificação da coisa. Por exemplo, a cor não é uma propriedade substancial para a gasolina. Para esta substância, a propriedade determinante é a inflamabilidade. Suponhamos, se numa reação química, a gasolina perder esta propriedade, a sua qualidade muda, deixando de ser combustível para motores. ... Além de uma determinada qualidade, cada objeto ou processo possui também características quantitativas. -- conceito de quantidade A quantidade caracteriza o objeto sob o aspecto do grau, da intensidade ou do nível de desenvolvimento de uma qualidade. Em regra, a quantidade se expressa em número. Para conhecer melhor a realidade, é necessária, além da qualitativa, fazer a análise quantitativa dos processos e fenômenos... As características qualitativas e quantitativas são interligadas, porquanto estão indissoluvelmente unidas e mutuamente determinadas, representando aspectos do mesmo objeto. Quando as mudanças quantitativas ultrapassam os limites normais, temos a ‘violação’ da medida, que conduz necessariamente à modificação da qualidade do objeto. Por exemplo, com a pressão atmosférica normal, a água mantém-se em estado líquido dentro da temperatura de 0º a 100º, solidificando-se com a temperatura abaixo de 0º e transformando-se em gás, em vapor, quando aquecida acima de 100 graus. O conceito filosófico de medida corresponde, em certo sentido, às concepções vulgares, segundo as quais, quando são ultrapassados certos limites, o que era positivo, se transforma em negativo, o que era útil, em nocivo. Por exemplo, a alimentação é condição indispensável à vida e à saúde. Mas, comer em excesso é nocivo ao processo de metabolismo e, afinal de contas, prejudica à saúde. Com o desequilíbrio na medida, a qualidade velha deixa de corresponder a uma nova quantidade, surge e agudiza-se entre elas a contradição que se resolve unicamente com o aparecimento de uma nova qualidade e de uma nova medida. Este processo qualifica-se como transformação das mudanças quantitativas em qualitativas. ... Esta lei é universal, a sua ação se revela tanto no mundo objetivo como no processo de conhecimento[xiv]. Por exemplo, falando-se nos organismos vivos, as mudanças quantitativas, diminutas e pequenas, nas primeiras etapas, acumulando-se, podem levar a transformações qualitativas, ao aparecimento de novos gêneros e espécies. Isto é muito importante para criar novas culturas agrícolas e raças de gado. Assim, graças à hibridação e seleção, podem multiplicar-se as variedades dos frutos, Tc A transformação da quantidade em qualidade verifica-se também na vida social. Por exemplo, a cooperação, isto é, a união de muitos trabalhadores num só processo de produção, cria uma nova força social produtiva, cujo poder é substancialmente diferente da simples soma de seus componentes. Diversas formas de cooperação criam condições para o trabalho mais rentábil, para a solução dos problemas das tarefas da produção e da satisfação das necessidades vitais ... É importante considerar, na prática, a interligação das mudanças qualitativas e quantitativas. Se desejamos obter uma nova qualidade, é necessário realizar uma preparação quantitativa; no entanto, muitas vezes, uma nova quantidade resulta da nova qualidade. Para esclarecer: os operários-modelo alcançam maior produtividade do trabalho, principalmente, através da utilização de material técnico e tecnológico qualitativamente novo, de nova organização do trabalho, do aumento da qualificação, etc. (Kaprívine, 1986 : 165-172)
4º - Princípio da contradição: tudo se opõe.Este princípio se pode denominar também lei da unidade e luta dos contrários. Lembremos que este princípio enuncia um paradoxo: para haver oposição entre os elementos, é necessário que eles estejam interligados, unidos. Kaprívine ( p. 155) oferece a seguinte explicação: “Na natureza não orgânica, o exemplo mais elucidativo dos contrários é o imã, cuja característica principal é possuir a existência de dois pontos extremos chamados pólos, que se complementam e, ao mesmo tempo, se excluem mutuamente. Se quiséssemos separar o pólo norte do pólo sul, não conseguiríamos: dividido em duas, quatro, oitos partes, o magneto conserva suas propriedades”. A propósito, Foulquié, citando Politzer, dá o seguinte exemplo tirado da natureza animal: “Se tomarmos o exemplo de um ovo que é posto e chocado por uma galinha, vemos que no ovo se encontra o germe que, a uma certa temperatura e em certas condições, se desenvolve. Este germe, desenvolvendo-se, dará um pinto; assim, esse germe já é a negação do ovo. Vemos que no ovo há duas forças, a que tende que ele fique um ovo e a que tende a que venha ser pinto. O ovo está, pois, em desacordo consigo mesmo e todas as coisas estão em desacordo com elas próprias” (FOULQUIÉ, 1979, p. 64). Por sua vez, Gadotti (p.105) acrescenta: “A transformação só é possível porque, no seu interior, coexistem forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição. É o que se chama contradição, que é universal, inerente a todas as coisas materiais e espirituais. A contradição é a essência ou a lei fundamental da dialética...”. Para entender melhor a essência desta lei, é necessário definirmos o que são termos con-trários e o que são termos contraditórios. “Por contrários, entendemos os aspectos, as tendências e as forças internas dum objeto ou de um fenômeno que se excluem mutuamente, mas, ao mesmo tempo, não podem existir, umas sem as outras” [xv](KAPRÍVINE, 1986: 155). Vale dizer, termo contrário é aquele que nega o outro, mas não de maneira absoluta. Quando a negação é absoluta. o termo contrário se transforma em termo contraditório. E o que é termo contraditório? Lamentavelmente nossa língua emprega indiferenciadamente, um pelo outro,os termos “contrários” e “contraditórios”. Na realidade, eles têm sentido diferente. É necessário que o leitor ou o estudante tenha muita perspicácia para esta diferença, mas que tem de ser feita, se não quisermos tomar gato por lebre. Contrário, como já vimos, nega o termo oposto, em parte, pois não pode existir, sem fazer parte do oposto, por exemplo: o dia só tem sentido tendo em vista a noite; na verdade, não sabemos distinguir com precisão se é dia ou se já é noite. Contraditório, por seu lado, nega completamente o oposto, não deixando margem para nenhuma dúvida, exemplo: o lápis é absolutamente oposto ao não lápis, um elefante é inteiramente oposto a uma pedra, tem sentido mesmo que se prescinda da pedra, o mesmo podendo dizer-se de todos os termos díspares.[xvi] A dialética baseada em termos contra-ditórios, já não tem mais sentido, pelo menos depois que Hegel colocou em evidência a terceira face da dialética, que é a síntese. Ela não pode mais afirmar que algo existe e não existe ao mesmo tempo, ou que algo é e não é ao mesmo tempo. Seria contraditório[xvii]. “O que ela afirma é a convivência de contrários, ou seja, de elementos que têm na sua exclusão apenas uma face do fenômeno, Complementada necessariamente também pela face da polarização” (DEMO, 1983: 89 em Introdução à Metodologia da Ciência). É nesse sentido que se poderia[xviii] falar em identidade de contrários, pois existe uma convivência numa mesma totalidade, não exclusão pura e simples. Como veremos, oportunamente, o contrário permite e até fomenta o diálogo (diálogo entre situação e oposição, no terreno político, por exemplo). A propósito do dilema “contrário versus contraditório”, mais uma vez, vamos recorrer aos esclarecimentos de Kaprívine[xix]: “... os contrários estão presentes em todos os fenômenos e processos da realidade. A contrariedade tem caráter universal. Como atuam os contrários dentro dos fenômenos e objetos, uns sobre os outros? Esta interação implica tanto sua unidade como sua oposição. A unidade dos contrários consiste em estes, sendo reciprocamente determinados, não poderem existir, um sem o outro. A unidade significa que, em certas condições, os elementos ou aspectos contraditórios vêm a equilibrar-se. Esta justa combinação de elementos ou forças contrárias corresponde à etapa do desenvolvimento estável de uma coisa. No entanto, o equilíbrio dos contrários é relativo e temporário, podendo ser interrompido no curso da evolução, o que redunda no desaparecimento de outro em uma nova unidade dos contrários. Por exemplo, num organismo novo prevalece o processo de assimilação; na idade madura, a assimilação e desassimilação permanece em equilíbrio; na velhice, domina o processo de desassimilação. Apesar de estarem ligados entre si, os aspectos contraditórios estão ao mesmo tempo em luta, quer dizer, negam-se, excluem-se reciprocamente. Já dissemos que a unidade dos contrários é relativa, ao passo que a oposição entre eles... é absoluta,[xx] como absolutos são o movimento e o desenvolvimento. Efetivamente, a existência dos aspectos contraditórios pressupõe ações recíprocas entre eles e, como conseqüência, modificações recíprocas” (KAPRÍVINE, 1986: 156-157)
Dialética como visão de totalidade Heráclito (século VI a. C) pode ser considerado o criador da dialética, pois foi o primeiro pensador do Ocidente a ensinar que tudo está em contínua transformação, num total processo de mudança constante. “Tudo muda tão rapidamente, que não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio: na segunda vez, o rio não será mais o mesmo e nós mesmos já teremos também mudado” (GADOTTI, 1983 : 16). Para Heráclito, o movimento é a substância das coisas, sua essência mais alta[xxi]. “Segundo Heráclito tudo flui... tudo está em constante movimento... A realidade não é apenas Ser; ela não é por igual, apenas Não-ser. A realidade é realmente uma tensão que liga... Ser e Não-ser. Aparece, pela primeira vez na História da Filosofia, a Dialética” (CIRNE-LIMA, 1996 : 19). Na natureza, temos o movimento eterno: o fogo vive com a morte da terra; o ar vive com a morte do fogo; a água vive com a morte do ar; a terra vive com a morte da água. Na dialética, tudo se apresenta como interação dos contrários, como sua unidade e oposição. O conhecimento nasce da compreensão da unidade da luta dos contrários: os elementos hostis fundem-se, os divergentes formam uma harmonia perfeita, e tudo isto vai através da luta: tudo passa e muda, porque a luta é o pai, é o rei de tudo. Como se percebe, a dialética é uma visão de mundo, é uma filosofia, não somente um método. Para maiores esclarecimentos, consultar CORSHUNOVA e KIRILENCO, 1986 : 94). Contrariando o princípio de identidade, criado por Parmênides, o pensador de Éfeso[xxii] vai criar o princípio de contradição, o qual admite que um objeto pode ser e não ser[xxiii], ao mesmo tempo, e sob o mesmo aspecto. A dialética de Heráclito vai ser aplicada na educação por Sócrates, e recebe nova conotação na filosofia platônica. Platão lhe dá nova função: levar os seres humanos a ascenderem do mundo físico ao Mundo das Idéias. Aristóteles é uma anti-dialético. Cria a Lógica Formal para substituir a dialética. Isto é um dos motivos, segundo Nietzsche, de a filosofia de Aristóteles ir pouco além de uma simples ideologia. Em Heráclito, a dialética não passava de um dicotomia, uma “duática”: um processo em dois tempos – tese e antítese. Uma dialética negativa que se baseava na contradição[xxiv] absoluta. Nela, a antítese nega inteiramente a tese, fechando todas as portas ao diálogo, ao consenso – o que Hegel vai chamar de síntese. Criando a síntese, Hegel vai contribuir, de maneira clara, para a solução do contencioso do conhecimento. Como sabemos, Aristóteles definiu o conhecimento como a relação sujeito-objeto. Nesta relação – talvez Aristóteles não tenha percebido – está enrustida a dialética heraclitiana, dialética do conflito absoluto. Esta visão abre brecha para guerra entre sujeito e objeto, já que, ora o sujeito se sobrepõe ao objeto (inferência do Idealismo), ora o objeto se sobrepõe ao sujeito(inferência do Positivismo). A dialética de Heráclito leva a uma antinomia insuperável. Daí o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história, de acordo com assertiva de Heráclito: “a guerra é a parteira da história” Também esse tipo de dialética, supõe-se, vai fornecer subsídio macabro a Francis Bacon, para lançar seu apotégma de que “conhecer é poder”, apotégma que deu origem, certa-mente, à beligerância ecológica,como o exposto no cap. 02. Hegel, descobrindo a existência da síntese, começa a entreabrir a porta da esperança.: não existe sujeito isolado do objeto, nem objeto isolado do sujeito. A propósito, Pedro Demo, categoriza, depois da restauração da dialética da natureza:[xxv]: “A matéria passou a ser considerada parte da vida “ e Foulquiê escreve: “... nem subjetivismo puro, nem objetividade absoluta, mas informação do sujeito pelo objeto e do objeto pelo sujeito”, na afirmação de Foulquiê, p. 95. È a realização de umas das leis da dialética: tudo está ligado com tudo (Princípio da Tota-lidade). A realidade não é “posição de subjetividade”, nem um mundo de ob-jetos pré-dados, mas, sim, uma “conexão acontecimental” em que o sujeito se transforma, de certa maneira, em objeto e o objeto se transforma em sujeito. Sujeito e objeto são mutuamente imbricados e, por isso, só podem ser pensados num jogo recíproco de inclusão e exclusão, que é interior a cada um dos termos. A conciliação entre os homens passa, necessariamente, pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto, nem do objeto que não se absolve no su-jeito. pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto e a impor-tância do objeto que não se absolve no sujeito É ocioso dizer que esta imbri-cação entre sujeito e objeto não se faz de maneira linear, mas de maneira in-terativa, dialética. A dialética de Heráclito, desconhecendo, porém, a presença da síntese, uma descoberta genial de Hegel, faz desta antinomia algo insupe-rável. Daí, o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e mor-ticínios – é a guerra parindo a história para, mais uma vez, lembrar o pensador dialético de Éfeso. Poderíamos dizer que a relação sujeito/objeto é a expressão histórica mais sangüinária e macabra da dialética fechada, dicotômica. O obje-to afirma, o sujeito nega (Idealismo); o sujeito afirma, o objeto nega Não haven-do um terceiro termo (tempo, face), ou um termo médio, o único jeito é resolver a questão pelo confronto físico, é pela força material, pela guerra. Repetindo, a história da humanidade tem sido, não raro, um desfilar de maldades, tragédias e morticínios O texto de Manfredo de Oliveira[xxvi], ora transcrito, confirma as últimas afirmações:
Assim, cada termo é ele mesmo e seu outro, mediação consigo através de seu outro. O sujeito só é sujeito enquanto exclui o objeto de si, mas, por outro lado, só é ele mesmo através da relação ao objeto e vice-versa. Cada um só é enquanto outro do outro e seu ser consiste, precisamente, nesta relação. Assim, a relação ao outro não é algo exterior ao seu ser, mas o constitui[xxvii]: cada um só é en-quanto é o não ser do seu outro. O seu ser é, assim, movimento infinito do “transporte-se” um no outro. Ora, esta mútua imbricação entre sujeito e objeto, homem e mundo, no processo infinito de seu condicionamento recíproco é de tal sorte que o sujeito só é sujeito na medida em que se relaciona com o outro[xxviii], e isto é o que constitui a realidade dialeticamente concebida. Neste sentido não há sujeito puro sem mundo e sem história ... mas, sim sujeito que, enquanto determina o mundo é, também, por ele determinado ... cada sujeito é, sempre, sujeito numa objetalidade específica, isto é, numa configuração espe-cífica da convivência dos homens entre si e de sua interpretação, um reserva-tório de conhecimentos, que se foi gestando na história em sua comunidade concreta. Por outro lado, não existe um mundo objetivo puro[xxix], mas todo objeto é condicionado pelo sujeito que o capta sempre, a partir de um deter-minado contexto de sentido[xxx]”. (OLIVEIRA, Educação em Debate, Fort. 14 (2) jul/dez 1987 : 10/11).
Algumas idéias do texto: A – Para haver sujeito é necessário que haja indivíduo, e indivíduo é aquele ser (ser humano ou coisa) que não pode ser dividido, por-que se for divido deixa de ser, exemplo, o corpo de um animal (humano ou não) se for dividido, deixa de ser corpo. Uma cadeira que for divida, deixa de ser cadeira; B - Por outra, o indivíduo, para ser indivíduo e, consequentemente, para ser sujeito deve ser separado do outro - exemplo: em um grupo social, os indivíduos são separados uns dos outros.; C - Dois dados a considerar: sem ou-tro sujeito, eu acabo não sendo, pois o ser humano é, por natureza, um animal social; mas também, sem objeto, eu não sou, pois há um correlação entre sujei-to e objeto. Essa correlação, que é similar à intencionalidade, é que faz que su-jeito e objeto sejam. É só lembrar o que foi constituído tão ecologicamente por Heidegger: sem mundo não há homem e sem homem não há mundo. D – Tanto o sujeito quanto o objeto é produto da história numa reciprocidade dialética, ou seja, cada sujeito só é sujeito dentro de uma configuração específica ( dentro de uma época ou módulo histórico). De outro lado, porém, o objeto não é puro. Ele está sempre condicionado pelo sujeito que o determina, dentro de um contexto de sentido, por isso, podemos dizer que um fato não é um fato, mas aquilo que a comunidade pensante diz do fato. Existem vários tipos de dialética: dialética aberta/fechada, absoluta/relativa, negativa/positiva, estrutural/conjuntural, ortodoxa/revisitada, antiga/moderna, idealista/materialista, dicotômica/tri-cotômica, etc. Mas todas elas têm algo em comum: baseiam-se - é Pedro Demo quem afirmou acima - no princípio dado: “a realidade física ou social é intrinsecamente contraditória”.
CONCEITUAÇÃO DE DIALÉTICA O que é mesmo dialética? Algumas tentativas de conceituação: - a dialética (como filosofia, como doutrina) é a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento humano. Ou seja, a dialética pode ser definida como modelo mental dos processos de modificação e desen-volvimento do mundo. - dialética é o diálogo das coisas entre si; das coisas com os homens e dos homens consigo mesmos e com os outros homens. Vale a pena repetir a definição insinuada por Hegel, que, resumidamente, passaremos a ex-plicar. Ei-la: Processo em três tempos – tese, antítese e síntese. Tese (afirma-ção) é o que está posto ou afirmado (coisa ou idéia). Antítese (negação) é o que nega a tese (coisa ou idéia). Esta negação não pode ser absoluta. Caso contrário, se cortaria o fio do diálogo. E o diálogo é a modalidade original da dialética, como está claramente patenteado em Sócrates e redescoberto em Paulo Freire. A síntese é a negação da negação, é a unidade dos contrários. Tese e síntese se encontram em um nível superior (pode ser inferior também). Concluindo, ob-servamos que na exposição aqui referida, seguimos a concepção dialética no seguinte vetor: partimos de Heráclito, passando por Hegel, Marx, Gramsci, Vieira Pinto, tendo como último estágio o pensamento de Paulo Freire que, absorvendo a filosofia existencialista, dá à dialética um toque mais vivencial de humanismo.

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CAP. 12
FILOSOFIA DIALÉTICA
A verdade é que tudo envolve algum conflito e alguma controvérsia. Ninguém vem ao mundo sem briga (Mangabeira Unger).
Desfolhando a segunda e terceira parte deste livro, podemos constatar que as filosofias essencialistas[vi] e existencialistas não são capazes de satisfazer a natureza das coisas e dos seres humanos. Essas filosofias são as seguintes: Idealismo, Realismo, Racionalismo, Criticismo, Empirismo, Positivismo. Quanto às filosofias existencialistas, apontamos o Pragmatismo e o Existencialismo. A incapacidade das primeiras se prende a seu caráter abstrato e apriorístico. As segundas, em que pese sua visão dinâmica, por adotarem ainda uma concepção linear do movimento, não levam em consideração a natureza contraditória (dialética) do mundo físico e, sobretudo, do mundo humano. Efetivamente, foi-se o tempo em que se pensava que a filosofia só tinha uma finalidade contemplativa, nada tendo a ver com a ordem prática. Hoje, graças à teoria da relatividade e da física quântica, aceita-se a tese de que, pelo menos a longo prazo, é a filosofia que resolve os mais profundos e graves problemas da humanidade. Soa, no mundo atual, um grande apelo à filosofia. Não obstante, não se trata de qualquer filosofia. As filosofias muito impregnadas de ideologia, as filosofias acríticas, pouco ajudam nesta fase da humanidade tão dispersiva e tão, explicitamente, inçada de fome, de doença epidêmica, de miséria, de opressão, de violência, de marginalização econômica que atinge metade da população do Globo.
Ineficiência das filosofias essencialistas
Podemos relacionar as seguintes características desta ineficiência ou seus motivos mais pontuais: 1- Tais filosofias, por seu caráter apriorístico, só vêem, no horizonte, um ser humano ideal, aquele que veio do céu, que só existe em nossas mentes, e não o homem na sua realidade, dolorosamente, existencial e social. Estas filosofias são como redes tecidas com fios abstratos, invisíveis e incapazes de pescar seres de carne e osso como são os seres humanos. Ao contrário, a filosofia dialética, pelo menos a de feição marxista e freiriana[vii], considera o ser humano na sua integridade terrena, aquele que tem o pé no pó e o coração nos espinhos. 2 – Essas filosofias, sobretudo, de tendência idealista e religiosa, de uma maneira ou de outra, desdenhando a vida presente, consideram este mundo, tão somente, um caminho, em demanda de um estado de vida extraterrena[viii]. Para elas, este mundo não merece maior atenção. Afinal, esquecem que o futuro depende do que fizermos dele no presente. A filosofia dialética, por sua própria estrutura, coloca em pé de igualdade as três dimensões do tempo 3 – Essas filosofias, na feição idealista[ix], exacerbam a subjetividade em detrimento da objetividade, anulando-se o objeto diante do sujeito; assim, o conhecimento acaba sendo um produto isolado da razão. Na feição realista, empirista e positivista, é o contrário: há uma exacerbação da objetividade em detrimento da subjetividade. O objeto impõe-se ao sujeito. Em ambos os casos, temos um desvirtuamento da natureza do conhecimento que, genui-namente, deve ser fruto tanto do sujeito quanto do objeto. Como sabemos, a natureza sempre se vinga, quando violentada. O desrespeito à natureza e à estrutura do conhecimento é um dos maiores responsáveis, senão o único, pelas desavenças e guerras entre os povos[x]. A filosofia dialética, a nível de conhecimento, é uma relação recíproca entre sujeito e objeto, considerando os dois elementos no mesmo patamar. 4 – Tais filosofias colocam, em plano inferior, a prática, quando não a desprezam. Ora, precisamos de uma filosofia que coloca, no mesmo nível, teoria e prática, pois nenhum lado é maior ou menor, anterior ou posterior, prioritário ou mero conseqüente. Esta postura é decisiva para não se cair na banalização da teoria, quando dicotomizada da prática. A prática, de seu lado, é importante, mas, isolada da teoria, torna-se cega e desastrada. Mais uma vez, precisamos de uma filosofia que seja uma filosofia da práxis, que institua a integração da teoria e da prática.
Quanto às filosofias existencialistas, sua deficiência se prende ao seguinte: a – No horizonte da humanidade, estas filosofias só vêem o indivíduo, deixando de lado a sociedade ou só vendo, nela, a oportunidade de ascensão ao plano da realização pessoal. Apesar de exaltarem a liberdade, esta não tem ligação com o possível, pois o possível está no futuro e as filosofias existencialistas não se importam com o futuro, tornando-se, portanto, o argumento decisivo do direito de fazer o que se quer, aqui e agora. É a exacerbação do “eu” que, ao final de um módulo no processo de hominização, deve se achar congruente, isto é: de bem consigo, de bem com a vida, de bem com os outros, de bem com Deus. Ora, precisamos de uma filosofia que demande uma relação recíproca entre indivíduo e a sociedade. b – Estas filosofias preconizam que o processo de hominização se faça somente de acordo com os interesses de cada um no presente histórico. É o presentismo em qualquer situação. O passado não conta e o futuro está nas mãos de Deus. É necessária, pois, uma filosofia que atri- bua o mesmo valor às três dimensões. c – As filosofias existencialistas, no afã de combater o racionalismo desbragado, acabam por envolver o homem na teia das paixões que, exacerbadas, se tornam vícios. Exemplo é o amor que se pode tornar ódio (uma das raízes da violência)[xi]. Urge uma filosofia que, ensinando que tudo está ligado com tudo, encaminhe o contencioso paixão/vício para um consenso em que paixões e vícios perdem sua contundência desvairada, transformando-se numa convivência razoável e hominizante. Num oceano de tanto impacto de dimensões incomensuráveis, vivemos numa corda bamba, tremulando sobre abismos. Nesta situação, assoma em nossa mente um apelo insopitável á filosofia dialética, a única corrente de pensamento capaz de nos ajudar. Ela é capaz de nos socorrer, desde que a constituamos o grande critério, o grande tribunal de julgamento do caráter, eminentemente, ideológico e acrítico das filosofias estudadas nesta obra.
O termo “dialética” vem do grego. Como explica Paul Foulquiê: “O prefixo dia exprime aqui idéia de reciprocidade ou de troca: dialegein é trocar palavras ou razões, conversar ou discutir. O substantivo dialéticos significa troca de impressões, conversação, discussão”. (FOULQUIÊ, 1979: 09).
CARACTERÍSTICAS DA DIALÉTICA
a) Totalidade. Esta característica é tão própria da dialética que sem ela a dialética não passaria do método corriqueiro de conhecimento próprio do senso comum. A totalidade é o ar que a dialética respira, pois o sentido das coisas não está na consideração de sua individualidade (parcialidade), mas na sua totalidade. Já sabemos que sem o todo não, não compreendemos as partes. Abaixo, este tema será mais desenvolvido.
b) Simultaneidade. Como decorrência imediata da totalidade, termos a característica da simultaneidade, pois se não podemos ver a realidade senão em sua totalidade, é evidente que tudo nesta é simultâneo: acontece ao mesmo tempo, não existindo um antes e um depois. Tudo acontece como as ondas do mar, não se sabendo onde começam e onde terminam. Elas vêm aos borbotões.
c) Criticidade. A criticidade é deveras natural à dialética como as águas da chuva, caindo nas encostas, correm para o mar. A filosofia dialética, dada sua estrutura de tese, antítese e síntese, só pode ser a mais crítica de todas as filosofias. É pena que Nietszcche, dada sua ogeriza antirrehgeliana não tenha se dado conta disto. O tema da crítica foi tratado no cap. 05.

PRINCÍPIOS DA DIALÉTICA
1 – Princípio da totalidade: tudo se relaciona
Este princípio poderia também se denominar : lei da interdependência dos opostos ou dos contrários; lei da reciprocidade; lei da ligação ou da interação; lei da conexão universal.
Para a dialética, a natureza se apresenta como um todo, onde objetos e fenômenos são ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. Desta maneira, “nenhum fenômeno, seja natural ou social, pode ser explicado isoladamente, sem que busquemos sua gênese e causa no processo mais amplo de feitos que o compõem. Separados deste processo mais amplo de que faz parte, o fenômeno torna-se totalmente desprovido de real significação. A dialética convida-nos, portanto, a analisar a realidade, assumindo uma visão de conjunto, que nos permite enxergar o processo de inter-relações dos fenômenos, superando a visão estanque e desconexa das coisas.” (COTRIN, 1997: 260). Vamos acentuar ainda mais este princípio, dando o máximo relevo à característica da totalidade de que já se falou. Para tanto, nada melhor do que a comparação entre a filosofia tradicional, no que se refere ao ser, e a filosofia dialética. Diferentemente da filosofia tradicional, “a dialética vê a natureza não como uma acumulação acidental de objetos, de fenômenos desligados uns dos outros, isolados e independentes uns dos outros, mas como um todo uno, coerente, onde os objetos, os fenômenos, estão ligados organicamente, dependendo uns dos outros e condicionando-se reciprocamente. É a razão por que o método dialético considera que nenhum elemento da natureza pode ser compreendido se é encarado isoladamente, fora dos fenômenos que o rodeiam; pois não importa que fenômenos, nem importa que domínio da natureza pode ser convertido num não-senso, se o consideramos fora das condições circundantes, se o isolamos dessas condições; pelo contrário, não importa que fenômeno pode se compreendido e explicado, se o consideramos em volta, se o consideramos tal como é condicionado pelos fenômenos que o circundam” (FOULQUIÉ, 1979: 60-61). Como exemplo do princípio da totalidade: tudo se relaciona, vamos apresentar algo mais simples. Trata-se da ferradura. À primeira vista, temos em vista um instrumento para proteger o casco dos cavalos. Entretanto, pensando bem, vamos encontrar nesta palavra “ferradura” uma série quase imensurável de mediações (geográficas, históricas, econômicas, sociais e até transcendentais). Vejamos. Há milênios, no seio da terra, a ferradura se achava potencialmente em estado de minério. Este minério não estava isolado dos outros componentes do planeta Terra. Um dia, o homem, levado pela necessidade de proteger seu animal – cuja produção era premente para sua própria subsistência – cavou o chão, retirou o metal, levou-o a um forno, transformou-o em um pedaço de ferro. Este, por sua vez, numa forja, se transforma na ferradura que, colocada no casco do equino, vai proporcionar-lhe mais resistência, segurança e produção. Eis as mediações por que passa a ferradura. Às vezes, nem mesmo a transcendência religiosa escapa à trajetória deste artefato. Gasta, a ferradura é retirada do pé do animal e pregada atrás da porta para evitar feitiços e coisas que tais.

2 – Princípio do movimento: tudo se transforma Este princípio pode-se intitular: lei da negação da negação, lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante, lei do movimento universal, lei da ultrapassagem. A dialética considera todas as coisas em seu devir. Já vimos que o movimento é uma qualidade inerente a todas as coisas, melhor dizendo, é a própria substância das coisas. A dialética “concebe a realidade não como um sistema estático, imutável, mas, inversamente, como um sistema aberto e dinâmico, em permanente movimento. O movimento não é, portanto, um aspecto secundário da realidade. Não natureza, mais movimento; sociedade, mais movimento. Não; a realidade é movimento, processo. Ele se manifesta, portanto, na natureza e na sociedade. Onde existe movimento, há transformação incessante. Transformação marcada tanto pelo nascimento e desenvolvimento, quanto pela decadência de qualquer fenômeno, seja do mundo material, seja do mundo social. Por isso, interessa ao pensamento dialético captar da realidade não apenas o dado estável que se revela a cada momento, mas também o processo estrutural mais amplo, que nos permite avaliar aquilo que já está decaindo, bem como espaços que se abrem para o nascimento do novo. É necessário, entretanto, não nos servirmos do pensamento dialético, como se fosse de uma ‘fórmula mágica’ capaz de justificar o passado ou amparar todas as nossas expectativas do futuro”. (COTRIN, 1997: 260-261). Como exemplo desta lei, pode-se apresentar o seguinte: lança-se na terra uma semente de mogno. A semente brota – é uma planta. Esta cresce e se transforma em uma árvore. A árvore, por sua vez, se transforma em madeira. Esta madeira, levada à marcenaria, se transforma em móvel. Este, depois de muito uso, apodrece e, na indústria, passa a ser adubo que vai contribuir para o cultivo de outras sementes. 3º - Princípio da mudança qualitativa
Estas mudanças qualitativas dão-se pelo acúmulo de elementos quantitativos que, num dado momento, produzem o qualitativamente novo. Dada a importância e o caráter revolucionário desta lei, vamos nos estender mais um pouco sobre ela. Para tanto, nada melhor – ao que pensamos – do que transcrever o que foi escrito por um filósofo russo: “A lei das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas[xii] diz como, de que modo, ocorre o processo de desenvolvimento, e qual é o mecanismo deste processo. Expressa a relação recíproca entre os contrários qualitativo e quantitativo das coisas e dos processos. Para compreender a essência desta lei, é preciso, antes de tudo, esclarecer o que é quantidade e qualidade.
- Conceito de qualidade ...O conceito de qualidade exprime as características de semelhança e diferença que as coisas possuem. Por qualidade entende-se o conjunto de características substanciais que expressam a natureza e os traços específicos de uma coisa.[xiii] Além de determinar o objeto, a qualidade indica que este se acha em equilíbrio relativo. Este fato é importante para sua existência, pois qualquer modificação da qualidade da coisa faz com que esta também mude de uma maneira radical. Por exemplo, a interrupção do metabolismo no organismo vivo significa sua destruição e morte, o fim da existência desse organismo, como tal. A qualidade é inseparável das coisas e é mutável, à medida que estas mudam. Para conhecer bem um objeto, compreender sua essência, é preciso tomá-la separadamente das coisas, determinar a identidade e as diferenças entre elas, e classificar suas qualidades e propriedades. A qualidade se manifesta nas propriedades que distinguem uma coisa das outras ou indicam as semelhanças entre elas. Cada coisa possui muitas propriedades. A modificação ou desaparecimento dalgumas delas ainda não leva à modificação da coisa. Por exemplo, a cor não é uma propriedade substancial para a gasolina. Para esta substância, a propriedade determinante é a inflamabilidade. Suponhamos, se numa reação química, a gasolina perder esta propriedade, a sua qualidade muda, deixando de ser combustível para motores. ... Além de uma determinada qualidade, cada objeto ou processo possui também características quantitativas. -- conceito de quantidade A quantidade caracteriza o objeto sob o aspecto do grau, da intensidade ou do nível de desenvolvimento de uma qualidade. Em regra, a quantidade se expressa em número. Para conhecer melhor a realidade, é necessária, além da qualitativa, fazer a análise quantitativa dos processos e fenômenos... As características qualitativas e quantitativas são interligadas, porquanto estão indissoluvelmente unidas e mutuamente determinadas, representando aspectos do mesmo objeto. Quando as mudanças quantitativas ultrapassam os limites normais, temos a ‘violação’ da medida, que conduz necessariamente à modificação da qualidade do objeto. Por exemplo, com a pressão atmosférica normal, a água mantém-se em estado líquido dentro da temperatura de 0º a 100º, solidificando-se com a temperatura abaixo de 0º e transformando-se em gás, em vapor, quando aquecida acima de 100 graus. O conceito filosófico de medida corresponde, em certo sentido, às concepções vulgares, segundo as quais, quando são ultrapassados certos limites, o que era positivo, se transforma em negativo, o que era útil, em nocivo. Por exemplo, a alimentação é condição indispensável à vida e à saúde. Mas, comer em excesso é nocivo ao processo de metabolismo e, afinal de contas, prejudica à saúde. Com o desequilíbrio na medida, a qualidade velha deixa de corresponder a uma nova quantidade, surge e agudiza-se entre elas a contradição que se resolve unicamente com o aparecimento de uma nova qualidade e de uma nova medida. Este processo qualifica-se como transformação das mudanças quantitativas em qualitativas. ... Esta lei é universal, a sua ação se revela tanto no mundo objetivo como no processo de conhecimento[xiv]. Por exemplo, falando-se nos organismos vivos, as mudanças quantitativas, diminutas e pequenas, nas primeiras etapas, acumulando-se, podem levar a transformações qualitativas, ao aparecimento de novos gêneros e espécies. Isto é muito importante para criar novas culturas agrícolas e raças de gado. Assim, graças à hibridação e seleção, podem multiplicar-se as variedades dos frutos, Tc A transformação da quantidade em qualidade verifica-se também na vida social. Por exemplo, a cooperação, isto é, a união de muitos trabalhadores num só processo de produção, cria uma nova força social produtiva, cujo poder é substancialmente diferente da simples soma de seus componentes. Diversas formas de cooperação criam condições para o trabalho mais rentábil, para a solução dos problemas das tarefas da produção e da satisfação das necessidades vitais ... É importante considerar, na prática, a interligação das mudanças qualitativas e quantitativas. Se desejamos obter uma nova qualidade, é necessário realizar uma preparação quantitativa; no entanto, muitas vezes, uma nova quantidade resulta da nova qualidade. Para esclarecer: os operários-modelo alcançam maior produtividade do trabalho, principalmente, através da utilização de material técnico e tecnológico qualitativamente novo, de nova organização do trabalho, do aumento da qualificação, etc. (Kaprívine, 1986 : 165-172)
4º - Princípio da contradição: tudo se opõe Este princípio se pode denominar também lei da unidade e luta dos contrários. Lembremos que este princípio enuncia um paradoxo: para haver oposição entre os elementos, é necessário que eles estejam interligados, unidos. Kaprívine ( p. 155) oferece a seguinte explicação: “Na natureza não orgânica, o exemplo mais elucidativo dos contrários é o imã, cuja característica principal é possuir a existência de dois pontos extremos chamados pólos, que se complementam e, ao mesmo tempo, se excluem mutuamente. Se quiséssemos separar o pólo norte do pólo sul, não conseguiríamos: dividido em duas, quatro, oitos partes, o magneto conserva suas propriedades”. A propósito, Foulquié, citando Politzer, dá o seguinte exemplo tirado da natureza animal: “Se tomarmos o exemplo de um ovo que é posto e chocado por uma galinha, vemos que no ovo se encontra o germe que, a uma certa temperatura e em certas condições, se desenvolve. Este germe, desenvolvendo-se, dará um pinto; assim, esse germe já é a negação do ovo. Vemos que no ovo há duas forças, a que tende que ele fique um ovo e a que tende a que venha ser pinto. O ovo está, pois, em desacordo consigo mesmo e todas as coisas estão em desacordo com elas próprias” (FOULQUIÉ, 1979, p. 64). Por sua vez, Gadotti (p.105) acrescenta: “A transformação só é possível porque, no seu interior, coexistem forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição. É o que se chama contradição, que é universal, inerente a todas as coisas materiais e espirituais. A contradição é a essência ou a lei fundamental da dialética...”. Para entender melhor a essência desta lei, é necessário definirmos o que são termos con-trários e o que são termos contraditórios. “Por contrários, entendemos os aspectos, as tendências e as forças internas dum objeto ou de um fenômeno que se excluem mutuamente, mas, ao mesmo tempo, não podem existir, umas sem as outras” [xv](KAPRÍVINE, 1986: 155). Vale dizer, termo contrário é aquele que nega o outro, mas não de maneira absoluta. Quando a negação é absoluta. o termo contrário se transforma em termo contraditório. E o que é termo contraditório? Lamentavelmente nossa língua emprega indiferenciadamente, um pelo outro,os termos “contrários” e “contraditórios”. Na realidade, eles têm sentido diferente. É necessário que o leitor ou o estudante tenha muita perspicácia para esta diferença, mas que tem de ser feita, se não quisermos tomar gato por lebre. Contrário, como já vimos, nega o termo oposto, em parte, pois não pode existir, sem fazer parte do oposto, por exemplo: o dia só tem sentido tendo em vista a noite; na verdade, não sabemos distinguir com precisão se é dia ou se já é noite. Contraditório, por seu lado, nega completamente o oposto, não deixando margem para nenhuma dúvida, exemplo: o lápis é absolutamente oposto ao não lápis, um elefante é inteiramente oposto a uma pedra, tem sentido mesmo que se prescinda da pedra, o mesmo podendo dizer-se de todos os termos díspares.[xvi] A dialética baseada em termos contra-ditórios, já não tem mais sentido, pelo menos depois que Hegel colocou em evidência a terceira face da dialética, que é a síntese. Ela não pode mais afirmar que algo existe e não existe ao mesmo tempo, ou que algo é e não é ao mesmo tempo. Seria contraditório[xvii]. “O que ela afirma é a convivência de contrários, ou seja, de elementos que têm na sua exclusão apenas uma face do fenômeno, Complementada necessariamente também pela face da polarização” (DEMO, 1983: 89 em Introdução à Metodologia da Ciência). É nesse sentido que se poderia[xviii] falar em identidade de contrários, pois existe uma convivência numa mesma totalidade, não exclusão pura e simples. Como veremos, oportunamente, o contrário permite e até fomenta o diálogo (diálogo entre situação e oposição, no terreno político, por exemplo). A propósito do dilema “contrário versus contraditório”, mais uma vez, vamos recorrer aos esclarecimentos de Kaprívine[xix]: “... os contrários estão presentes em todos os fenômenos e processos da realidade. A contrariedade tem caráter universal. Como atuam os contrários dentro dos fenômenos e objetos, uns sobre os outros? Esta interação implica tanto sua unidade como sua oposição. A unidade dos contrários consiste em estes, sendo reciprocamente determinados, não poderem existir, um sem o outro. A unidade significa que, em certas condições, os elementos ou aspectos contraditórios vêm a equilibrar-se. Esta justa combinação de elementos ou forças contrárias corresponde à etapa do desenvolvimento estável de uma coisa. No entanto, o equilíbrio dos contrários é relativo e temporário, podendo ser interrompido no curso da evolução, o que redunda no desaparecimento de outro em uma nova unidade dos contrários. Por exemplo, num organismo novo prevalece o processo de assimilação; na idade madura, a assimilação e desassimilação permanece em equilíbrio; na velhice, domina o processo de desassimilação. Apesar de estarem ligados entre si, os aspectos contraditórios estão ao mesmo tempo em luta, quer dizer, negam-se, excluem-se reciprocamente. Já dissemos que a unidade dos contrários é relativa, ao passo que a oposição entre eles... é absoluta,[xx] como absolutos são o movimento e o desenvolvimento. Efetivamente, a existência dos aspectos contraditórios pressupõe ações recíprocas entre eles e, como conseqüência, modificações recíprocas” (KAPRÍVINE, 1986: 156-157)
Dialética como visão de totalidade Heráclito (século VI a. C) pode ser considerado o criador da dialética, pois foi o primeiro pensador do Ocidente a ensinar que tudo está em contínua transformação, num total processo de mudança constante. “Tudo muda tão rapidamente, que não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio: na segunda vez, o rio não será mais o mesmo e nós mesmos já teremos também mudado” (GADOTTI, 1983 : 16). Para Heráclito, o movimento é a substância das coisas, sua essência mais alta[xxi]. “Segundo Heráclito tudo flui... tudo está em constante movimento... A realidade não é apenas Ser; ela não é por igual, apenas Não-ser. A realidade é realmente uma tensão que liga... Ser e Não-ser. Aparece, pela primeira vez na História da Filosofia, a Dialética” (CIRNE-LIMA, 1996 : 19). Na natureza, temos o movimento eterno: o fogo vive com a morte da terra; o ar vive com a morte do fogo; a água vive com a morte do ar; a terra vive com a morte da água. Na dialética, tudo se apresenta como interação dos contrários, como sua unidade e oposição. O conhecimento nasce da compreensão da unidade da luta dos contrários: os elementos hostis fundem-se, os divergentes formam uma harmonia perfeita, e tudo isto vai através da luta: tudo passa e muda, porque a luta é o pai, é o rei de tudo. Como se percebe, a dialética é uma visão de mundo, é uma filosofia, não somente um método. Para maiores esclarecimentos, consultar CORSHUNOVA e KIRILENCO, 1986 : 94). Contrariando o princípio de identidade, criado por Parmênides, o pensador de Éfeso[xxii] vai criar o princípio de contradição, o qual admite que um objeto pode ser e não ser[xxiii], ao mesmo tempo, e sob o mesmo aspecto. A dialética de Heráclito vai ser aplicada na educação por Sócrates, e recebe nova conotação na filosofia platônica. Platão lhe dá nova função: levar os seres humanos a ascenderem do mundo físico ao Mundo das Idéias. Aristóteles é uma anti-dialético. Cria a Lógica Formal para substituir a dialética. Isto é um dos motivos, segundo Nietzsche, de a filosofia de Aristóteles ir pouco além de uma simples ideologia. Em Heráclito, a dialética não passava de um dicotomia, uma “duática”: um processo em dois tempos – tese e antítese. Uma dialética negativa que se baseava na contradição[xxiv] absoluta. Nela, a antítese nega inteiramente a tese, fechando todas as portas ao diálogo, ao consenso – o que Hegel vai chamar de síntese. Criando a síntese, Hegel vai contribuir, de maneira clara, para a solução do contencioso do conhecimento. Como sabemos, Aristóteles definiu o conhecimento como a relação sujeito-objeto. Nesta relação – talvez Aristóteles não tenha percebido – está enrustida a dialética heraclitiana, dialética do conflito absoluto. Esta visão abre brecha para guerra entre sujeito e objeto, já que, ora o sujeito se sobrepõe ao objeto (inferência do Idealismo), ora o objeto se sobrepõe ao sujeito(inferência do Positivismo). A dialética de Heráclito leva a uma antinomia insuperável. Daí o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história, de acordo com assertiva de Heráclito: “a guerra é a parteira da história” Também esse tipo de dialética, supõe-se, vai fornecer subsídio macabro a Francis Bacon, para lançar seu apotégma de que “conhecer é poder”, apotégma que deu origem, certamente, à beligerância ecológica,como o exposto no cap. 02. Hegel, descobrindo a existência da síntese, começa a entreabrir a porta da esperança.: não existe sujeito isolado do objeto, nem objeto isolado do sujeito. A propósito, Pedro Demo, categoriza, depois da restauração da dialética da natureza:[xxv]: “A matéria passou a ser considerada parte da vida “ e Foulquiê escreve: “... nem subjetivismo puro, nem objetividade absoluta, mas informação do sujeito pelo objeto e do objeto pelo sujeito”, na afirmação de Foulquiê, p. 95. È a realização de umas das leis da dialética: tudo está ligado com tudo (Princípio da Totalidade). A realidade não é “posição de subjetividade”, nem um mundo de objetos pré-dados, mas, sim, uma “conexão acontecimental” em que o sujeito se transforma, de certa maneira, em objeto e o objeto se transforma em sujeito. Sujeito e objeto são mutuamente imbricados e, por isso, só podem ser pensados num jogo recíproco de inclusão e exclusão, que é interior a cada um dos termos. A conciliação entre os homens passa, necessariamente, pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto, nem do objeto que não se absolve no sujeito. pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto e a importância do objeto que não se absolve no sujeito É ocioso dizer que esta imbricação entre sujeito e objeto não se faz de maneira linear, mas de maneira interativa, dialética. A dialética de Heráclito, desconhecendo, porém, a presença da síntese, uma descoberta genial de Hegel, faz desta antinomia algo insuperável. Daí, o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história para, mais uma vez, lembrar o pensador dialético de Éfeso. Poderíamos dizer que a relação sujeito/objeto é a expressão histórica mais sangüinária e macabra da dialética fechada, dicotômica. O objeto afirma, o sujeito nega (Idealismo); o sujeito afirma, o objeto nega Não havendo um terceiro termo (tempo, face), ou um termo médio, o único jeito é resolver a questão pelo confronto físico, é pela força material, pela guerra. Repetindo, a história da humanidade tem sido, não raro, um desfilar de maldades, tragédias e morticínios O texto de Manfredo de Oliveira[xxvi], ora transcrito, confirma as últimas afirmações:
Assim, cada termo é ele mesmo e seu outro, mediação consigo através de seu outro. O sujeito só é sujeito enquanto exclui o objeto de si, mas, por outro lado, só é ele mesmo através da relação ao objeto e vice-versa. Cada um só é enquanto outro do outro e seu ser consiste, precisamente, nesta relação. Assim, a relação ao outro não é algo exterior ao seu ser, mas o constitui[xxvii]: cada um só é enquanto é o não ser do seu outro. O seu ser é, assim, movimento infinito do “transporte-se” um no outro. Ora, esta mútua imbricação entre sujeito e objeto, homem e mundo, no processo infinito de seu condicionamento recíproco é de tal sorte que o sujeito só é sujeito na medida em que se relaciona com o outro[xxviii], e isto é o que constitui a realidade dialeticamente concebida. Neste sentido não há sujeito puro sem mundo e sem história ... mas, sim sujeito que, enquanto determina o mundo é, também, por ele determinado ... cada sujeito é, sempre, sujeito numa objetalidade específica, isto é, numa configuração específica da convivência dos homens entre si e de sua interpretação, um reservatório de conhecimentos, que se foi gestando na história em sua comunidade concreta. Por outro lado, não existe um mundo objetivo puro[xxix], mas todo objeto é condicionado pelo sujeito que o capta sempre, a partir de um determinado contexto de sentido[xxx]”. (OLIVEIRA, Educação em Debate, Fort. 14 (2) jul/dez 1987 : 10/11).
Algumas idéias do texto: A – Para haver sujeito é necessário que haja indivíduo, e indivíduo é aquele ser (ser humano ou coisa) que não pode ser dividido, porque se for divido deixa de ser, exemplo, o corpo de um animal (humano ou não) se for dividido, deixa de ser corpo. Uma cadeira que for divida, deixa de ser cadeira; B - Por outra, o indivíduo, para ser indivíduo e, consequentemente, para ser sujeito deve ser separado do outro - exemplo: em um grupo social, os indivíduos são separados uns dos outros.; C - Dois dados a considerar: sem outro sujeito, eu acabo não sendo, pois o ser humano é, por natureza, um animal social; mas também, sem objeto, eu não sou, pois há um correlação entre sujeito e objeto. Essa correlação, que é similar à intencionalidade, é que faz que sujeito e objeto sejam. É só lembrar o que foi constituído tão ecologicamente por Heidegger: sem mundo não há homem e sem homem não há mundo. D – Tanto o sujeito quanto o objeto é produto da história numa reciprocidade dialética, ou seja, cada sujeito só é sujeito dentro de uma configuração específica ( dentro de uma época ou módulo histórico). De outro lado, porém, o objeto não é puro. Ele está sempre condicionado pelo sujeito que o determina, dentro de um contexto de sentido, por isso, podemos dizer que um fato não é um fato, mas aquilo que a comunidade pensante diz do fato. Existem vários tipos de dialética: dialética aberta/fechada, absoluta/relativa, negativa/positiva, estrutural/conjuntural, ortodoxa/revisitada, antiga/moderna, idealista/materialista, dicotômica/tricotômica, etc. Mas todas elas têm algo em comum: baseiam-se - é Pedro Demo quem afirmou acima - no princípio dado: “a realidade física ou social é intrinsecamente contraditória”.
CONCEITUAÇÃO DE DIALÉTICA O que é mesmo dialética? Algumas tentativas de conceituação: - a dialética (como filosofia, como doutrina) é a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento humano. Ou seja, a dialética pode ser definida como modelo mental dos processos de modificação e desenvolvimento do mundo. - dialética é o diálogo das coisas entre si; das coisas com os homens e dos homens consigo mesmos e com os outros homens. Vale a pena repetir a definição insinuada por Hegel, que, resumidamente, passaremos a explicar. Ei-la: Processo em três tempos – tese, antítese e síntese. Tese (afirmação) é o que está posto ou afirmado (coisa ou idéia). Antítese (negação) é o que nega a tese (coisa ou idéia). Esta negação não pode ser absoluta. Caso contrário, se cortaria o fio do diálogo. E o diálogo é a modalidade original da dialética, como está claramente patenteado em Sócrates e redescoberto em Paulo Freire. A síntese é a negação da negação, é a unidade dos contrários. Tese e síntese se encontram em um nível superior (pode ser inferior também). Concluindo, observamos que na exposição aqui referida, seguimos a concepção dialética no seguinte vetor: partimos de Heráclito, passando por Hegel, Marx, Gramsci, Vieira Pinto, tendo como último estágio o pensamento de Paulo Freire que, absorvendo a filosofia existencialista, dá à dialética um toque mais vivencial de humanismo.
CAP. 12
FILOSOFIA DIALÉTICA
A verdade é que tudo envolve algum conflito e alguma controvérsia. Ninguém vem ao mundo sem briga (Mangabeira Unger).
Desfolhando a segunda e terceira parte deste livro, podemos constatar que as filosofias essencialistas[vi] e existencialistas não são capazes de satisfazer a natureza das coisas e dos seres humanos. Essas filosofias são as seguintes: Idealismo, Realismo, Racionalismo, Criticismo, Empirismo, Positivismo. Quanto às filosofias existencialistas, apontamos o Pragmatismo e o Existencialismo. A incapacidade das primeiras se prende a seu caráter abstrato e apriorístico. As segundas, em que pese sua visão dinâmica, por adotarem ainda uma concepção linear do movimento, não levam em consideração a natureza contraditória (dialética) do mundo físico e, sobretudo, do mundo humano. Efetivamente, foi-se o tempo em que se pensava que a filosofia só tinha uma finalidade contemplativa, nada tendo a ver com a ordem prática. Hoje, graças à teoria da relatividade e da física quântica, aceita-se a tese de que, pelo menos a longo prazo, é a filosofia que resolve os mais profundos e graves problemas da humanidade. Soa, no mundo atual, um grande apelo à filosofia. Não obstante, não se trata de qualquer filosofia. As filosofias muito impregnadas de ideologia, as filosofias acríticas, pouco ajudam nesta fase da humanidade tão dispersiva e tão, explicitamente, inçada de fome, de doença epidêmica, de miséria, de opressão, de violência, de marginalização econômica que atinge metade da população do Globo.
Ineficiência das filosofias essencialistas
Podemos relacionar as seguintes características desta ineficiência ou seus motivos mais pontuais: 1- Tais filosofias, por seu caráter apriorístico, só vêem, no horizonte, um ser humano ideal, aquele que veio do céu, que só existe em nossas mentes, e não o homem na sua realidade, dolorosamente, existencial e social. Estas filosofias são como redes tecidas com fios abstratos, invisíveis e incapazes de pescar seres de carne e osso como são os seres humanos. Ao contrário, a filosofia dialética, pelo menos a de feição marxista e freiriana[vii], considera o ser humano na sua integridade terrena, aquele que tem o pé no pó e o coração nos espinhos. 2 – Essas filosofias, sobretudo, de tendência idealista e religiosa, de uma maneira ou de outra, desdenhando a vida presente, consideram este mundo, tão somente, um caminho, em demanda de um estado de vida extraterrena[viii]. Para elas, este mundo não merece maior atenção. Afinal, esquecem que o futuro depende do que fizermos dele no presente. A filosofia dialética, por sua própria estrutura, coloca em pé de igualdade as três dimensões do tempo 3 – Essas filosofias, na feição idealista[ix], exacerbam a subjetividade em detrimento da objetividade, anulando-se o objeto diante do sujeito; assim, o conhecimento acaba sendo um produto isolado da razão. Na feição realista, empirista e positivista, é o contrário: há uma exacerbação da objetividade em detrimento da subjetividade. O objeto impõe-se ao sujeito. Em ambos os casos, temos um desvirtuamento da natureza do conhecimento que, genui-namente, deve ser fruto tanto do sujeito quanto do objeto. Como sabemos, a natureza sempre se vinga, quando violentada. O desrespeito à natureza e à estrutura do conhecimento é um dos maiores responsáveis, senão o único, pelas desavenças e guerras entre os povos[x]. A filosofia dialética, a nível de conhecimento, é uma relação recíproca entre sujeito e objeto, considerando os dois elementos no mesmo patamar. 4 – Tais filosofias colocam, em plano inferior, a prática, quando não a desprezam. Ora, precisamos de uma filosofia que coloca, no mesmo nível, teoria e prática, pois nenhum lado é maior ou menor, anterior ou posterior, prioritário ou mero conseqüente. Esta postura é decisiva para não se cair na banalização da teoria, quando dicotomizada da prática. A prática, de seu lado, é importante, mas, isolada da teoria, torna-se cega e desastrada. Mais uma vez, precisamos de uma filosofia que seja uma filosofia da práxis, que institua a integração da teoria e da prática.
Quanto às filosofias existencialistas, sua deficiência se prende ao seguinte: a – No horizonte da humanidade, estas filosofias só vêem o indivíduo, deixando de lado a sociedade ou só vendo, nela, a oportunidade de ascensão ao plano da realização pessoal. Apesar de exaltarem a liberdade, esta não tem ligação com o possível, pois o possível está no futuro e as filosofias existencialistas não se importam com o futuro, tornando-se, portanto, o argumento decisivo do direito de fazer o que se quer, aqui e agora. É a exacerbação do “eu” que, ao final de um módulo no processo de hominização, deve se achar congruente, isto é: de bem consigo, de bem com a vida, de bem com os outros, de bem com Deus. Ora, precisamos de uma filosofia que demande uma relação recíproca entre indivíduo e a sociedade. b – Estas filosofias preconizam que o processo de hominização se faça somente de acordo com os interesses de cada um no presente histórico. É o presentismo em qualquer situação. O passado não conta e o futuro está nas mãos de Deus. É necessária, pois, uma filosofia que atri- bua o mesmo valor às três dimensões. c – As filosofias existencialistas, no afã de combater o racionalismo desbragado, acabam por envolver o homem na teia das paixões que, exacerbadas, se tornam vícios. Exemplo é o amor que se pode tornar ódio (uma das raízes da violência)[xi]. Urge uma filosofia que, ensinando que tudo está ligado com tudo, encaminhe o contencioso paixão/vício para um consenso em que paixões e vícios perdem sua contundência desvairada, transformando-se numa convivência razoável e hominizante. Num oceano de tanto impacto de dimensões incomensuráveis, vivemos numa corda bamba, tremulando sobre abismos. Nesta situação, assoma em nossa mente um apelo insopitável á filosofia dialética, a única corrente de pensamento capaz de nos ajudar. Ela é capaz de nos socorrer, desde que a constituamos o grande critério, o grande tribunal de julgamento do caráter, eminentemente, ideológico e acrítico das filosofias estudadas nesta obra.
O termo “dialética” vem do grego. Como explica Paul Foulquiê: “O prefixo dia exprime aqui idéia de reciprocidade ou de troca: dialegein é trocar palavras ou razões, conversar ou discutir. O substantivo dialéticos significa troca de impressões, conversação, discussão”. (FOULQUIÊ, 1979: 09).
CARACTERÍSTICAS DA DIALÉTICA
a) Totalidade. Esta característica é tão própria da dialética que sem ela a dialética não passaria do método corriqueiro de conhecimento próprio do senso comum. A totalidade é o ar que a dialética respira, pois o sentido das coisas não está na consideração de sua individualidade (parcialidade), mas na sua totalidade. Já sabemos que sem o todo não, não compreendemos as partes. Abaixo, este tema será mais desenvolvido.
b) Simultaneidade. Como decorrência imediata da totalidade, termos a característica da simultaneidade, pois se não podemos ver a realidade senão em sua totalidade, é evidente que tudo nesta é simultâneo: acontece ao mesmo tempo, não existindo um antes e um depois. Tudo acontece como as ondas do mar, não se sabendo onde começam e onde terminam. Elas vêm aos borbotões.
c) Criticidade. A criticidade é deveras natural à dialética como as águas da chuva, caindo nas encostas, correm para o mar. A filosofia dialética, dada sua estrutura de tese, antítese e síntese, só pode ser a mais crítica de todas as filosofias. É pena que Nietszcche, dada sua ogeriza antirrehgeliana não tenha se dado conta disto. O tema da crítica foi tratado no cap. 05.

PRINCÍPIOS DA DIALÉTICA
1 – Princípio da totalidade: tudo se relaciona
Este princípio poderia também se denominar : lei da interdependência dos opostos ou dos contrários; lei da reciprocidade; lei da ligação ou da interação; lei da conexão universal.
Para a dialética, a natureza se apresenta como um todo, onde objetos e fenômenos são ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. Desta maneira, “nenhum fenômeno, seja natural ou social, pode ser explicado isoladamente, sem que busquemos sua gênese e causa no processo mais amplo de feitos que o compõem. Separados deste processo mais amplo de que faz parte, o fenômeno torna-se totalmente desprovido de real significação. A dialética convida-nos, portanto, a analisar a realidade, assumindo uma visão de conjunto, que nos permite enxergar o processo de inter-relações dos fenômenos, superando a visão estanque e desconexa das coisas.” (COTRIN, 1997: 260). Vamos acentuar ainda mais este princípio, dando o máximo relevo à característica da totalidade de que já se falou. Para tanto, nada melhor do que a comparação entre a filosofia tradicional, no que se refere ao ser, e a filosofia dialética. Diferentemente da filosofia tradicional, “a dialética vê a natureza não como uma acumulação acidental de objetos, de fenômenos desligados uns dos outros, isolados e independentes uns dos outros, mas como um todo uno, coerente, onde os objetos, os fenômenos, estão ligados organicamente, dependendo uns dos outros e condicionando-se reciprocamente. É a razão por que o método dialético considera que nenhum elemento da natureza pode ser compreendido se é encarado isoladamente, fora dos fenômenos que o rodeiam; pois não importa que fenômenos, nem importa que domínio da natureza pode ser convertido num não-senso, se o consideramos fora das condições circundantes, se o isolamos dessas condições; pelo contrário, não importa que fenômeno pode se compreendido e explicado, se o consideramos em volta, se o consideramos tal como é condicionado pelos fenômenos que o circundam” (FOULQUIÉ, 1979: 60-61). Como exemplo do princípio da totalidade: tudo se relaciona, vamos apresentar algo mais simples. Trata-se da ferradura. À primeira vista, temos em vista um instrumento para proteger o casco dos cavalos. Entretanto, pensando bem, vamos encontrar nesta palavra “ferradura” uma série quase imensurável de mediações (geográficas, históricas, econômicas, sociais e até transcendentais). Vejamos. Há milênios, no seio da terra, a ferradura se achava potencialmente em estado de minério. Este minério não estava isolado dos outros componentes do planeta Terra. Um dia, o homem, levado pela necessidade de proteger seu animal – cuja produção era premente para sua própria subsistência – cavou o chão, retirou o metal, levou-o a um forno, transformou-o em um pedaço de ferro. Este, por sua vez, numa forja, se transforma na ferradura que, colocada no casco do equino, vai proporcionar-lhe mais resistência, segurança e produção. Eis as mediações por que passa a ferradura. Às vezes, nem mesmo a transcendência religiosa escapa à trajetória deste artefato. Gasta, a ferradura é retirada do pé do animal e pregada atrás da porta para evitar feitiços e coisas que tais.

2 – Princípio do movimento: tudo se transforma Este princípio pode-se intitular: lei da negação da negação, lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante, lei do movimento universal, lei da ultrapassagem. A dialética considera todas as coisas em seu devir. Já vimos que o movimento é uma qualidade inerente a todas as coisas, melhor dizendo, é a própria substância das coisas. A dialética “concebe a realidade não como um sistema estático, imutável, mas, inversamente, como um sistema aberto e dinâmico, em permanente movimento. O movimento não é, portanto, um aspecto secundário da realidade. Não natureza, mais movimento; sociedade, mais movimento. Não; a realidade é movimento, processo. Ele se manifesta, portanto, na natureza e na sociedade. Onde existe movimento, há transformação incessante. Transformação marcada tanto pelo nascimento e desenvolvimento, quanto pela decadência de qualquer fenômeno, seja do mundo material, seja do mundo social. Por isso, interessa ao pensamento dialético captar da realidade não apenas o dado estável que se revela a cada momento, mas também o processo estrutural mais amplo, que nos permite avaliar aquilo que já está decaindo, bem como espaços que se abrem para o nascimento do novo. É necessário, entretanto, não nos servirmos do pensamento dialético, como se fosse de uma ‘fórmula mágica’ capaz de justificar o passado ou amparar todas as nossas expectativas do futuro”. (COTRIN, 1997: 260-261). Como exemplo desta lei, pode-se apresentar o seguinte: lança-se na terra uma semente de mogno. A semente brota – é uma planta. Esta cresce e se transforma em uma árvore. A árvore, por sua vez, se transforma em madeira. Esta madeira, levada à marcenaria, se transforma em móvel. Este, depois de muito uso, apodrece e, na indústria, passa a ser adubo que vai contribuir para o cultivo de outras sementes. 3º - Princípio da mudança qualitativa
Estas mudanças qualitativas dão-se pelo acúmulo de elementos quantitativos que, num dado momento, produzem o qualitativamente novo. Dada a importância e o caráter revolucionário desta lei, vamos nos estender mais um pouco sobre ela. Para tanto, nada melhor – ao que pensamos – do que transcrever o que foi escrito por um filósofo russo: “A lei das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas[xii] diz como, de que modo, ocorre o processo de desenvolvimento, e qual é o mecanismo deste processo. Expressa a relação recíproca entre os contrários qualitativo e quantitativo das coisas e dos processos. Para compreender a essência desta lei, é preciso, antes de tudo, esclarecer o que é quantidade e qualidade.
- Conceito de qualidade ...O conceito de qualidade exprime as características de semelhança e diferença que as coisas possuem. Por qualidade entende-se o conjunto de características substanciais que expressam a natureza e os traços específicos de uma coisa.[xiii] Além de determinar o objeto, a qualidade indica que este se acha em equilíbrio relativo. Este fato é importante para sua existência, pois qualquer modificação da qualidade da coisa faz com que esta também mude de uma maneira radical. Por exemplo, a interrupção do metabolismo no organismo vivo significa sua destruição e morte, o fim da existência desse organismo, como tal. A qualidade é inseparável das coisas e é mutável, à medida que estas mudam. Para conhecer bem um objeto, compreender sua essência, é preciso tomá-la separadamente das coisas, determinar a identidade e as diferenças entre elas, e classificar suas qualidades e propriedades. A qualidade se manifesta nas propriedades que distinguem uma coisa das outras ou indicam as semelhanças entre elas. Cada coisa possui muitas propriedades. A modificação ou desaparecimento dalgumas delas ainda não leva à modificação da coisa. Por exemplo, a cor não é uma propriedade substancial para a gasolina. Para esta substância, a propriedade determinante é a inflamabilidade. Suponhamos, se numa reação química, a gasolina perder esta propriedade, a sua qualidade muda, deixando de ser combustível para motores. ... Além de uma determinada qualidade, cada objeto ou processo possui também características quantitativas. -- conceito de quantidade A quantidade caracteriza o objeto sob o aspecto do grau, da intensidade ou do nível de desenvolvimento de uma qualidade. Em regra, a quantidade se expressa em número. Para conhecer melhor a realidade, é necessária, além da qualitativa, fazer a análise quantitativa dos processos e fenômenos... As características qualitativas e quantitativas são interligadas, porquanto estão indissoluvelmente unidas e mutuamente determinadas, representando aspectos do mesmo objeto. Quando as mudanças quantitativas ultrapassam os limites normais, temos a ‘violação’ da medida, que conduz necessariamente à modificação da qualidade do objeto. Por exemplo, com a pressão atmosférica normal, a água mantém-se em estado líquido dentro da temperatura de 0º a 100º, solidificando-se com a temperatura abaixo de 0º e transformando-se em gás, em vapor, quando aquecida acima de 100 graus. O conceito filosófico de medida corresponde, em certo sentido, às concepções vulgares, segundo as quais, quando são ultrapassados certos limites, o que era positivo, se transforma em negativo, o que era útil, em nocivo. Por exemplo, a alimentação é condição indispensável à vida e à saúde. Mas, comer em excesso é nocivo ao processo de metabolismo e, afinal de contas, prejudica à saúde. Com o desequilíbrio na medida, a qualidade velha deixa de corresponder a uma nova quantidade, surge e agudiza-se entre elas a contradição que se resolve unicamente com o aparecimento de uma nova qualidade e de uma nova medida. Este processo qualifica-se como transformação das mudanças quantitativas em qualitativas. ... Esta lei é universal, a sua ação se revela tanto no mundo objetivo como no processo de conhecimento[xiv]. Por exemplo, falando-se nos organismos vivos, as mudanças quantitativas, diminutas e pequenas, nas primeiras etapas, acumulando-se, podem levar a transformações qualitativas, ao aparecimento de novos gêneros e espécies. Isto é muito importante para criar novas culturas agrícolas e raças de gado. Assim, graças à hibridação e seleção, podem multiplicar-se as variedades dos frutos, Tc A transformação da quantidade em qualidade verifica-se também na vida social. Por exemplo, a cooperação, isto é, a união de muitos trabalhadores num só processo de produção, cria uma nova força social produtiva, cujo poder é substancialmente diferente da simples soma de seus componentes. Diversas formas de cooperação criam condições para o trabalho mais rentábil, para a solução dos problemas das tarefas da produção e da satisfação das necessidades vitais ... É importante considerar, na prática, a interligação das mudanças qualitativas e quantitativas. Se desejamos obter uma nova qualidade, é necessário realizar uma preparação quantitativa; no entanto, muitas vezes, uma nova quantidade resulta da nova qualidade. Para esclarecer: os operários-modelo alcançam maior produtividade do trabalho, principalmente, através da utilização de material técnico e tecnológico qualitativamente novo, de nova organização do trabalho, do aumento da qualificação, etc. (Kaprívine, 1986 : 165-172)
4º - Princípio da contradição: tudo se opõe Este princípio se pode denominar também lei da unidade e luta dos contrários. Lembremos que este princípio enuncia um paradoxo: para haver oposição entre os elementos, é necessário que eles estejam interligados, unidos. Kaprívine ( p. 155) oferece a seguinte explicação: “Na natureza não orgânica, o exemplo mais elucidativo dos contrários é o imã, cuja característica principal é possuir a existência de dois pontos extremos chamados pólos, que se complementam e, ao mesmo tempo, se excluem mutuamente. Se quiséssemos separar o pólo norte do pólo sul, não conseguiríamos: dividido em duas, quatro, oitos partes, o magneto conserva suas propriedades”. A propósito, Foulquié, citando Politzer, dá o seguinte exemplo tirado da natureza animal: “Se tomarmos o exemplo de um ovo que é posto e chocado por uma galinha, vemos que no ovo se encontra o germe que, a uma certa temperatura e em certas condições, se desenvolve. Este germe, desenvolvendo-se, dará um pinto; assim, esse germe já é a negação do ovo. Vemos que no ovo há duas forças, a que tende que ele fique um ovo e a que tende a que venha ser pinto. O ovo está, pois, em desacordo consigo mesmo e todas as coisas estão em desacordo com elas próprias” (FOULQUIÉ, 1979, p. 64). Por sua vez, Gadotti (p.105) acrescenta: “A transformação só é possível porque, no seu interior, coexistem forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição. É o que se chama contradição, que é universal, inerente a todas as coisas materiais e espirituais. A contradição é a essência ou a lei fundamental da dialética...”. Para entender melhor a essência desta lei, é necessário definirmos o que são termos con-trários e o que são termos contraditórios. “Por contrários, entendemos os aspectos, as tendências e as forças internas dum objeto ou de um fenômeno que se excluem mutuamente, mas, ao mesmo tempo, não podem existir, umas sem as outras” [xv](KAPRÍVINE, 1986: 155). Vale dizer, termo contrário é aquele que nega o outro, mas não de maneira absoluta. Quando a negação é absoluta. o termo contrário se transforma em termo contraditório. E o que é termo contraditório? Lamentavelmente nossa língua emprega indiferenciadamente, um pelo outro,os termos “contrários” e “contraditórios”. Na realidade, eles têm sentido diferente. É necessário que o leitor ou o estudante tenha muita perspicácia para esta diferença, mas que tem de ser feita, se não quisermos tomar gato por lebre. Contrário, como já vimos, nega o termo oposto, em parte, pois não pode existir, sem fazer parte do oposto, por exemplo: o dia só tem sentido tendo em vista a noite; na verdade, não sabemos distinguir com precisão se é dia ou se já é noite. Contraditório, por seu lado, nega completamente o oposto, não deixando margem para nenhuma dúvida, exemplo: o lápis é absolutamente oposto ao não lápis, um elefante é inteiramente oposto a uma pedra, tem sentido mesmo que se prescinda da pedra, o mesmo podendo dizer-se de todos os termos díspares.[xvi] A dialética baseada em termos contra-ditórios, já não tem mais sentido, pelo menos depois que Hegel colocou em evidência a terceira face da dialética, que é a síntese. Ela não pode mais afirmar que algo existe e não existe ao mesmo tempo, ou que algo é e não é ao mesmo tempo. Seria contraditório[xvii]. “O que ela afirma é a convivência de contrários, ou seja, de elementos que têm na sua exclusão apenas uma face do fenômeno, Complementada necessariamente também pela face da polarização” (DEMO, 1983: 89 em Introdução à Metodologia da Ciência). É nesse sentido que se poderia[xviii] falar em identidade de contrários, pois existe uma convivência numa mesma totalidade, não exclusão pura e simples. Como veremos, oportunamente, o contrário permite e até fomenta o diálogo (diálogo entre situação e oposição, no terreno político, por exemplo). A propósito do dilema “contrário versus contraditório”, mais uma vez, vamos recorrer aos esclarecimentos de Kaprívine[xix]: “... os contrários estão presentes em todos os fenômenos e processos da realidade. A contrariedade tem caráter universal. Como atuam os contrários dentro dos fenômenos e objetos, uns sobre os outros? Esta interação implica tanto sua unidade como sua oposição. A unidade dos contrários consiste em estes, sendo reciprocamente determinados, não poderem existir, um sem o outro. A unidade significa que, em certas condições, os elementos ou aspectos contraditórios vêm a equilibrar-se. Esta justa combinação de elementos ou forças contrárias corresponde à etapa do desenvolvimento estável de uma coisa. No entanto, o equilíbrio dos contrários é relativo e temporário, podendo ser interrompido no curso da evolução, o que redunda no desaparecimento de outro em uma nova unidade dos contrários. Por exemplo, num organismo novo prevalece o processo de assimilação; na idade madura, a assimilação e desassimilação permanece em equilíbrio; na velhice, domina o processo de desassimilação. Apesar de estarem ligados entre si, os aspectos contraditórios estão ao mesmo tempo em luta, quer dizer, negam-se, excluem-se reciprocamente. Já dissemos que a unidade dos contrários é relativa, ao passo que a oposição entre eles... é absoluta,[xx] como absolutos são o movimento e o desenvolvimento. Efetivamente, a existência dos aspectos contraditórios pressupõe ações recíprocas entre eles e, como conseqüência, modificações recíprocas” (KAPRÍVINE, 1986: 156-157)
Dialética como visão de totalidade Heráclito (século VI a. C) pode ser considerado o criador da dialética, pois foi o primeiro pensador do Ocidente a ensinar que tudo está em contínua transformação, num total processo de mudança constante. “Tudo muda tão rapidamente, que não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio: na segunda vez, o rio não será mais o mesmo e nós mesmos já teremos também mudado” (GADOTTI, 1983 : 16). Para Heráclito, o movimento é a substância das coisas, sua essência mais alta[xxi]. “Segundo Heráclito tudo flui... tudo está em constante movimento... A realidade não é apenas Ser; ela não é por igual, apenas Não-ser. A realidade é realmente uma tensão que liga... Ser e Não-ser. Aparece, pela primeira vez na História da Filosofia, a Dialética” (CIRNE-LIMA, 1996 : 19). Na natureza, temos o movimento eterno: o fogo vive com a morte da terra; o ar vive com a morte do fogo; a água vive com a morte do ar; a terra vive com a morte da água. Na dialética, tudo se apresenta como interação dos contrários, como sua unidade e oposição. O conhecimento nasce da compreensão da unidade da luta dos contrários: os elementos hostis fundem-se, os divergentes formam uma harmonia perfeita, e tudo isto vai através da luta: tudo passa e muda, porque a luta é o pai, é o rei de tudo. Como se percebe, a dialética é uma visão de mundo, é uma filosofia, não somente um método. Para maiores esclarecimentos, consultar CORSHUNOVA e KIRILENCO, 1986 : 94). Contrariando o princípio de identidade, criado por Parmênides, o pensador de Éfeso[xxii] vai criar o princípio de contradição, o qual admite que um objeto pode ser e não ser[xxiii], ao mesmo tempo, e sob o mesmo aspecto. A dialética de Heráclito vai ser aplicada na educação por Sócrates, e recebe nova conotação na filosofia platônica. Platão lhe dá nova função: levar os seres humanos a ascenderem do mundo físico ao Mundo das Idéias. Aristóteles é uma anti-dialético. Cria a Lógica Formal para substituir a dialética. Isto é um dos motivos, segundo Nietzsche, de a filosofia de Aristóteles ir pouco além de uma simples ideologia. Em Heráclito, a dialética não passava de um dicotomia, uma “duática”: um processo em dois tempos – tese e antítese. Uma dialética negativa que se baseava na contradição[xxiv] absoluta. Nela, a antítese nega inteiramente a tese, fechando todas as portas ao diálogo, ao consenso – o que Hegel vai chamar de síntese. Criando a síntese, Hegel vai contribuir, de maneira clara, para a solução do contencioso do conhecimento. Como sabemos, Aristóteles definiu o conhecimento como a relação sujeito-objeto. Nesta relação – talvez Aristóteles não tenha percebido – está enrustida a dialética heraclitiana, dialética do conflito absoluto. Esta visão abre brecha para guerra entre sujeito e objeto, já que, ora o sujeito se sobrepõe ao objeto (inferência do Idealismo), ora o objeto se sobrepõe ao sujeito(inferência do Positivismo). A dialética de Heráclito leva a uma antinomia insuperável. Daí o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história, de acordo com assertiva de Heráclito: “a guerra é a parteira da história” Também esse tipo de dialética, supõe-se, vai fornecer subsídio macabro a Francis Bacon, para lançar seu apotégma de que “conhecer é poder”, apotégma que deu origem, certamente, à beligerância ecológica,como o exposto no cap. 02. Hegel, descobrindo a existência da síntese, começa a entreabrir a porta da esperança.: não existe sujeito isolado do objeto, nem objeto isolado do sujeito. A propósito, Pedro Demo, categoriza, depois da restauração da dialética da natureza:[xxv]: “A matéria passou a ser considerada parte da vida “ e Foulquiê escreve: “... nem subjetivismo puro, nem objetividade absoluta, mas informação do sujeito pelo objeto e do objeto pelo sujeito”, na afirmação de Foulquiê, p. 95. È a realização de umas das leis da dialética: tudo está ligado com tudo (Princípio da Totalidade). A realidade não é “posição de subjetividade”, nem um mundo de objetos pré-dados, mas, sim, uma “conexão acontecimental” em que o sujeito se transforma, de certa maneira, em objeto e o objeto se transforma em sujeito. Sujeito e objeto são mutuamente imbricados e, por isso, só podem ser pensados num jogo recíproco de inclusão e exclusão, que é interior a cada um dos termos. A conciliação entre os homens passa, necessariamente, pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto, nem do objeto que não se absolve no sujeito. pelo reconhecimento do sujeito que não se absolve no objeto e a importância do objeto que não se absolve no sujeito É ocioso dizer que esta imbricação entre sujeito e objeto não se faz de maneira linear, mas de maneira interativa, dialética. A dialética de Heráclito, desconhecendo, porém, a presença da síntese, uma descoberta genial de Hegel, faz desta antinomia algo insuperável. Daí, o fato de o conhecimento vir sendo uma fonte de tragédias e morticínios – é a guerra parindo a história para, mais uma vez, lembrar o pensador dialético de Éfeso. Poderíamos dizer que a relação sujeito/objeto é a expressão histórica mais sangüinária e macabra da dialética fechada, dicotômica. O objeto afirma, o sujeito nega (Idealismo); o sujeito afirma, o objeto nega Não havendo um terceiro termo (tempo, face), ou um termo médio, o único jeito é resolver a questão pelo confronto físico, é pela força material, pela guerra. Repetindo, a história da humanidade tem sido, não raro, um desfilar de maldades, tragédias e morticínios O texto de Manfredo de Oliveira[xxvi], ora transcrito, confirma as últimas afirmações:
Assim, cada termo é ele mesmo e seu outro, mediação consigo através de seu outro. O sujeito só é sujeito enquanto exclui o objeto de si, mas, por outro lado, só é ele mesmo através da relação ao objeto e vice-versa. Cada um só é enquanto outro do outro e seu ser consiste, precisamente, nesta relação. Assim, a relação ao outro não é algo exterior ao seu ser, mas o constitui[xxvii]: cada um só é enquanto é o não ser do seu outro. O seu ser é, assim, movimento infinito do “transporte-se” um no outro. Ora, esta mútua imbricação entre sujeito e objeto, homem e mundo, no processo infinito de seu condicionamento recíproco é de tal sorte que o sujeito só é sujeito na medida em que se relaciona com o outro[xxviii], e isto é o que constitui a realidade dialeticamente concebida. Neste sentido não há sujeito puro sem mundo e sem história ... mas, sim sujeito que, enquanto determina o mundo é, também, por ele determinado ... cada sujeito é, sempre, sujeito numa objetalidade específica, isto é, numa configuração específica da convivência dos homens entre si e de sua interpretação, um reservatório de conhecimentos, que se foi gestando na história em sua comunidade concreta. Por outro lado, não existe um mundo objetivo puro[xxix], mas todo objeto é condicionado pelo sujeito que o capta sempre, a partir de um determinado contexto de sentido[xxx]”. (OLIVEIRA, Educação em Debate, Fort. 14 (2) jul/dez 1987 : 10/11).
Algumas idéias do texto: A – Para haver sujeito é necessário que haja indivíduo, e indivíduo é aquele ser (ser humano ou coisa) que não pode ser dividido, porque se for divido deixa de ser, exemplo, o corpo de um animal (humano ou não) se for dividido, deixa de ser corpo. Uma cadeira que for divida, deixa de ser cadeira; B - Por outra, o indivíduo, para ser indivíduo e, consequentemente, para ser sujeito deve ser separado do outro - exemplo: em um grupo social, os indivíduos são separados uns dos outros.; C - Dois dados a considerar: sem outro sujeito, eu acabo não sendo, pois o ser humano é, por natureza, um animal social; mas também, sem objeto, eu não sou, pois há um correlação entre sujeito e objeto. Essa correlação, que é similar à intencionalidade, é que faz que sujeito e objeto sejam. É só lembrar o que foi constituído tão ecologicamente por Heidegger: sem mundo não há homem e sem homem não há mundo. D – Tanto o sujeito quanto o objeto é produto da história numa reciprocidade dialética, ou seja, cada sujeito só é sujeito dentro de uma configuração específica ( dentro de uma época ou módulo histórico). De outro lado, porém, o objeto não é puro. Ele está sempre condicionado pelo sujeito que o determina, dentro de um contexto de sentido, por isso, podemos dizer que um fato não é um fato, mas aquilo que a comunidade pensante diz do fato. Existem vários tipos de dialética: dialética aberta/fechada, absoluta/relativa, negativa/positiva, estrutural/conjuntural, ortodoxa/revisitada, antiga/moderna, idealista/materialista, dicotômica/tricotômica, etc. Mas todas elas têm algo em comum: baseiam-se - é Pedro Demo quem afirmou acima - no princípio dado: “a realidade física ou social é intrinsecamente contraditória”.
CONCEITUAÇÃO DE DIALÉTICA O que é mesmo dialética? Algumas tentativas de conceituação: - a dialética (como filosofia, como doutrina) é a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento humano. Ou seja, a dialética pode ser definida como modelo mental dos processos de modificação e desenvolvimento do mundo. - dialética é o diálogo das coisas entre si; das coisas com os homens e dos homens consigo mesmos e com os outros homens. Vale a pena repetir a definição insinuada por Hegel, que, resumidamente, passaremos a explicar. Ei-la: Processo em três tempos – tese, antítese e síntese. Tese (afirmação) é o que está posto ou afirmado (coisa ou idéia). Antítese (negação) é o que nega a tese (coisa ou idéia). Esta negação não pode ser absoluta. Caso contrário, se cortaria o fio do diálogo. E o diálogo é a modalidade original da dialética, como está claramente patenteado em Sócrates e redescoberto em Paulo Freire. A síntese é a negação da negação, é a unidade dos contrários. Tese e síntese se encontram em um nível superior (pode ser inferior também). Concluindo, observamos que na exposição aqui referida, seguimos a concepção dialética no seguinte vetor: partimos de Heráclito, passando por Hegel, Marx, Gramsci, Vieira Pinto, tendo como último estágio o pensamento de Paulo Freire que, absorvendo a filosofia existencialista, dá à dialética um toque mais vivencial de humanismo.

BIBLIOGRAFIA 01 - ALMEIDA, Marcelo – Sartre e a Revolução, in discutindo Filosofia, ed. especial nº 62007 02 - ALVES, Rubem - Conversa com quem gosta de estudar. 3 ed. São Paulo: Autores associados/Cortez, 1982.
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28 - MILHOLLAN & FORISHA, Franck e Bill - SKINNER X ROGERS. São Paulo:
Summus, 1972.
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31 - PADOVANI & CASTANHOLO, H. e L. História da Filosofia. 14. ed.
São Paulo: Melhoramentos, 1984
32 - SCHMITZ, Egídio F. - O Pragmatismo de Dewey na Educação. Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos, 1980.
33 - SEVERINO, Joaquim. Filosofia - São Paulo: Cortez. 1999
34 - SUCHODOLSKI, Bogdan - A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas. Lisboa:
Livros Horizonte, 1992.
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Companhia Editora Nacional, 1975.





[vi] À exceção do Pragmatismo e do Existencialismo, todas as outras filosofias relacionadas são
Essencialistas, por apregoarem a existência nas, coisas, de uma essência a priori.
[vii] Em tempo, todas as vezes que falamos de dialética, estamos nos referindo à dialética de Paulo
Freire (tão bem consubstanciada na Pedagogia do Oprimido), que é uma síntese atualizada do
pensamento dialético de Heráclito, Hegel, Marx, Gramsci e Vieira Pinto
[viii] Ver, no cap. 07, o Idealismo Platônico e o de Santo Agostinho.
[ix] Vimos que a filosofia realista, apesar de ser uma reação ao platonismo, acaba inserindo em sua te-
mática, várias idéias dos idealismo platônico, e esta de que as idéias estão nas coisas, é uma delas.
Quanto ao fato de, nas filosofias realistas, o objeto se sobrepor ao sujeito, é só reler a referência
sobre a física aristotélica, revisitada pelo Positivismo.
[x] “Conhecer é poder”, disse Francis Bacon. Quem conhece pode tudo. Ai de quem desrespeita o
conhecimento; a história está repleta de guerras e tragédias provenientes desse desrespeito.

[xi] Devemos nos libertar da prepotência da razão, mas isto não nos dá o direito de fazer dela um zero à esquerda.
[xii] Os destaques são nossos.
[xiii] Os destaques são nossos.
[xiv] Os destaques são nossos
[xv] Os destaques são nossos.
[xvi] Termos díspares são aqueles que têm sentido diferente, quando um nada tem a ver com o outro, ex.: uma faca e um relógio.
[xvii] Aqui, vemos que Heráclito, o importante criador da dialética antiga, teve que ser corrigido. Sua dialética só tinha duas faces: tese e antítese; a terceira face ou tempo, ou não era pensada ou não era explicitada claramente. Sendo assim, era uma dialética dicotômica, antagônica e contraditória; eliminava o diálogo. A dialética praticada na Rússia, durante a vigência do chamado Socialismo Real, parece ter sido esta. Creio estar aqui o maior mérito de Hegel que, enfatizando a importância da síntese, a longo prazo, vai abrir caminho para Paulo Freire criar a Pedagogia Dialógica.
[xviii] Na realidade, não podemos falar aqui em identidade; isto seria um retrocesso à posição de Parmênides que criou o princípio de identidade que tantos desastres provocou na história, sendo um deles a emergência do chamado pensamento único de que, fora do mercado não há salvação. O princípio de identidade tão importante na matemática e na lógica formal, é inteiramente inadequado quando se trata da realidade concreta.
43 O destaque é nosso.

[xxi] O termo substância é a categoria que sustenta a realidade, sem ela, a realidade deixa de existir, por
isso, substância e essência se equivalem.
[xxii] Heráclito era natural de Éfeso, nas colônias gregas da Ásia Menor, hoje Turquia..

[xxiv] A contradição se baseia em termos contraditórios; termos contraditórios negam inteiramente o que
se afirma, dando origem às desavenças e às guerras. Hegel, depois, criando a síntese, irá colocar a
dialética na convergência do consenso e da pacificação.
[xxv] A dialética da natureza foi negada pela Escola de Frankfurt, mas reafirmada atualmente pelo
biólogo Prigogine e o físico Capra..
151 Manfredo de Oliveira é um filósofo cearense, professor da Universidade Federal do Ceará. O
texto deste autor ultrapassa as posições de Hegel e Marx, pois absorve a contribuição da Fenomenologia que só vai ser conhecida com os filósofos existencialistas, já no século XX. É muito conhecida a expressão de Heidegger: “sem homem não há mundo e sem mundo não há homem”. Entre o mundo e o homem há uma relação (tropismo) tão forte que, sem ela, o homem e o mundo não existiriam.
152 Este outro pode ser o mundo físico ou o mundo social.
153 e 154 A realidade existe fora do homem, mas só tem sentido através do homem e pelo homem,
seja, só existe a realidade que interessa ao ser humano (realidade para mim): só existe
mundo quando ele é subjetivado pelo homem e só existe homem quando ele é objetivado pelo
mundo. Este mundo pode ser físico ou social.




terça-feira, 26 de maio de 2009

CAP. 11 - FILOSOFIA EXISTENCIALISTA

CAPÍTULO 11

FILOSOFIA EXISTENCIALISTA FENOMENOLÓGICA

A quem ama tudo é permitido (Santo Agostinho)

Quando falamos de Existencialismo, logo nos vêm à mente conceitos como: homocentrismo, humanismo, personalismo, existência, liberdade, paixão, autenticidade, engajamento, angústia, sofrimento, morte e outros.
Vamos, porém, às sementes históricas do Existencialismo e a alguns presumíveis precursores. A primeira sementinha de Existencialismo, poderíamos localizá-la em Sócrates. Os filósofos pré-socráticos estavam preocupados com os fundamentos do universo físico: o cosmos. Sócrates inverte o vetor da filosofia para dentro do homem. Toma, como preocupação máxima de sua reflexão, a expressão gravada no frontispício do Templo de Delfos, o célebre princípio: “conhece-te a ti mesmo”. Mais importante que o conhecimento do universo é o conhecimento do homem, base de todo o humanismo. Está criada a antropologia - a parte da filosofia que trata do homem.
De Sócrates, damos um salto de mil anos. No século IV/V, vamos encontrar Santo Agostinho. Neste grande filósofo platônico, vamos encontrar vestígios de idéias, depois contempladas pelo Existencialismo. O Existencialismo dá muita importância às paixões, sobretudo à paixão do amor. Santo Agostinho deixou algumas intuições de grande profundidade psicológica, muitas delas similares aos ensinamentos dos maiores filósofos existencialistas. A propósito do amor e da liberdade, o bispo de Hipona diz: “o amor é o meu centro de gravidade, por isso, continua: ama e faz o que queres... a quem ama, tudo é permitido”. Por ventura, esta linguagem não está na perspectiva de Sartre que, entre outras, afirma: “o homem é o projeto de si mesmo..., o homem será aquilo que ele fizer de si mesmo... a existência do homem está presa no fio da liberdade... o homem é sua liberdade”O certo é que, na visão de ambos, quem vive plenamente o amor, tem direito pleno à liberdade. Paixão e liberdade[1] são referências necessárias quando se fala da filosofia da existência.
Podemos, também, encontrar pálidas cores do Existencialismo em Santo Tomás de Aquino (séc. XII). Na ontologia (metafísica) tomista, a primazia cabe à existência: é a partir dos indivíduos existentes que formamos as idéias representativas das essências (FOULQUIÊ, 1975 : 47). Ainda mais, corrigindo Aristóteles, o grande filósofo medieval vai dizer que não tem sentido se falar em ser, sem se falar no existir. O ato não se concretiza com a forma, mas sim com o existente.” Sem dúvida, as essências preexistem em Deus. Mas todo o ser dessas essências baseia-se, por sua vez, no Supremo Existente, de modo que a existência retoma a prioridade”. (idem, ibidem).[2]
Apesar de religiosa, a Reforma protestante (séc. XVI) veio reforçar e exacerbar o caráter individualista do Cristianismo romano, doutrinando que a salvação é um negócio particular entre a pessoa e Deus, e que “individualidade é uma forma preciosa de realização da essência humana”. Reforçando esta idéia da Reforma, Kierkegaard vai colocar o seguinte: Em todo o gênero animal, a espécie é a coisa mais elevada. O individualismo é o que continuamente surge e desaparece. É uma realidade precária. Só no gênero humano, devido ao Cristianismo, o indivíduo é mais elevado que o gênero”.
Para Kierkegaard (lembrando Sócrates), o indivíduo não se repete, é “uma pessoa única, condenada a ser ela mesma”. (GADOTIl, 1992 : 159 e 176).
Nesta linha de conexão, rumo ao Existencialismo, não podemos esquecer René Descartes (séc. XVII). Este filósofo, embora pai do Idealismo moderno, ajudou a alargar o caminho existencialista. O seu “Penso, logo existo”, por caminhos diferentes, aponta para o sentido principal da filosofia da existência: a valorização do homem. Se minha existência (e a experiência do mundo) depende de meu pensamento, conclui-se que eu não sou capacho do mundo, mas ser fundante do mundo. Não foi em vão que os filósofos contemporâneos de Descartes recolocaram no horizonte de suas preocupações a célebre divisa de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”.
Outra semente de Existencialismo, vamos encontrá-la em Bras Pascal, discípulo de Descartes. Contrariando “o espírito geométrico” do mestre, Pascal opõe “o espírito de finesa”. Critica o racionalismo matemático de Descartes, como incapaz de resolver o problema da vida que, sendo espiritual, não é passível de matematização” (PADOVANI & CASTAGNOLO, 1984 : 491). É de Pascal também a célebre definição: “O homem é um caniço pensante”. Definição que, embora idealista, irá reforçar as pretensões de Kierkegaard[3], o mais importante filósofo dinamarquês de todos os tempos: o homem como cabeça pensante do universo.
Encontramos semente do Existencialismo em todos os seguidores do chamado Nativismo. Nativismo (no plano gnosiológico) ensina que as pessoas já nascem com algumas idéias - as idéias inatas. Dentre estes filósofos, vamos citar somente dois: Descartes que ensinou que o homem já nasce com idéias (as idéias primárias) e Leibniz (1646-1716). Este último interessa-nos mais de perto.
. Leibniz ensina que a mente é uma entidade, não impelida por acontecimentos externos ocasionais, mas propelida pela meta, a longo prazo, de sua própria perfeição última. Para este filósofo, o organismo é autopropelido. A tradição leibnitziana... sustenta que a pessoa não é uma coleção de atos. Para Leibniz, o conhecimento é derivado de dentro; o homem é um gerador de informação[4]. A mente é ativa e livre de causalidade; a eficácia causal em comportamento é atribuída à evolução da pessoa (MILHLLAN & FORISCHA, 1972 : 32-33).
Mais semente de Existencialismo, encontramos em Kant (1724-1804), que desenvolveu as idéias de Leibniz. Na Crítica da Razão Pura, Kant insiste que este mundo ordenado provém da mente e não da realidade externa. A ordem do universo é produto da mente humana (idem, p. 36). Ainda mais, Kant ensina que, no conhecimento, o homem reveste a realidade com as categorias criadas pela mente (são doze). Sendo assim, tiramos aquela mesma conclusão a propósito da posição de Descartes: favorecer a importância do homem no concerto do universo.
Estamos no meado do século XIX. Na marcha do Existencialismo, emerge uma figura sem par, o sétimo filho de uma humilde família evangélica dinamarquesa. Seu nome é Sõren Kierkegaard (1813-1855). Suas preocupações são tão originais que muitos pensadores, entre outros, Paul Foulquié, consideram-no pai do Existencialismo. Kierkegaard insurge-se não só contra o formalismo cristão, mas, sobretudo, contra o racionalismo extremado de Hgel e o objetivismo positivista de Augusto Conte. Hegel, como bom idealista[5] que é, ensinou que tudo proveio (pelo processo dialético) da Idéia eterna e absoluta (inclusive o homem). “O ser humano é uma fagulha desprendida da Idéia” (realidade suprema). No mundo, esta fagulha absorve-se no Estado como a gota d’água no oceano. No processo dialético, não é o homem a síntese final, mais perfeita (imagem de Deus) na marcha da criação, mas, sim, o Estado. Sendo assim, o homem não passa de uma peça na máquina estatal. Está sempre a serviço do Estado, esse Leviatã insaciável que, se não devora, ao menos, massifica os homens. Pois bem, é contra essa massificação, contra essa antropologia massificadora, alienadora e despersonalizante que se insurge Kierkegaard. É preciso, diz ele, recusar a tentação de fundir-se na massa, de ser alguém pelo número. É preciso romper esse enorme abstrato, que é o povo, e rompê-lo com o indivíduo”... A multidão é uma abstração e não tem mãos; cada indivíduo que foge à busca de um refúgio na multidão, foge covardemente de ser indivíduo... O indivíduo é a categoria através do qual têm que passar o tempo, a história, a humanidade (PEREZ, 1988 : 227-228)
O Positivismo de Augusto Conte, por caminho diferente (plano gnosiológico e não metafísico como em Hegel) provoca também a angustia do pensador dinamarquês. Dentro do Realismo do qual o Positivismo é tributário, o conhecimento é sujeito/objeto. Segundo Conte, nesta relação, o objeto é tão soberano e impostor que ele acaba sufocando o sujeito, anulando assim sua personalidade. O homem é obrigado, gnosiologicamente falando, a engolir o objeto.
Contra esta aberração, levanta-se Kierkegaard e proclama que o homem, por ser a imagem de Deus, é o senhor da realidade e não seu servidor. O mundo foi criado para o homem, e não o homem para o mundo. “Para Kierkegaard, a existência individual, humana é irredutível à lógica; de fato, ela é particular, enquanto o objeto do pensamento é universal. O homem está em contínuo devir; não é perfeito, mas está em contínuo aperfeiçoamento” (MONDIN, opus cit, p. 196).

Características do Existencialismo
As características fundamentais do Existencialismo são as seguintes:
a) Pontodepartidaantropológico. O Existencialismo não está preocupado com o ser, a não ser quando se exprime fenomenologicamente[6], como veremos. Só nesse sentido, a metafísica lhe interessa. À maneira de Sócrates, a reflexão filosófica inicia-se pelo homem e centraliza-se nele mesmo;
b) A subordinação da essência à existência. O homem não é concebido como um ser natural completamente configurado em sua essência desde o nascimento, mas como indivíduo que, existindo, gera a própria essência por meio de sua liberdade. O Existencialismo defende, portanto, que a existência precede à essência - isto no ser humano. Sartre, assim, explica: “primeiro, o homem existe; depois, ele definirá o que vai ser: isto ou aquilo”. E continua: “o homem é o projeto de si mesmo”. Explicação: “Projetar é, ao inverso do determinismo, fazer depender o presente do futuro, definir o presente pelo futuro, definir o que é a partir do que não é” (DARTIGUES, 1973 : 107). Com isto se quer dizer que o homem é responsável sobre o que vier a ser. A única coisa que lhe foi dada e sobre a qual, naturalmente, não tem responsabilidade é a existência. “Existir é sempre assumir seu ser, isto é, ser responsável por ele, em lugar de recebê-lo de fora, como é o caso de uma pedra” (idem, p. 99). Segundo o Existencialismo, todos os homens existem, nem todos são. A maioria dos homens vive de maneira massificada, em contínuo dasman (na linguagem de Heidegger), isto é, de maneira alienada, “pois a massa dos homens concentra-se nos objetos deste mundo, os quais condicionam sua felicidade” (FOULQUIÉ, opus cit : 41). O homem passa da existência para a essência, do dasman para o dasein pela liberdade, e como a liberdade (segundo o Existencialismo) é ação, diríamos que o homem passa da existência para a essência, pela ação. Como no Pragmatismo, a filosofia da existência subscreve a idéia de que o homem é a “soma de suas ações”. A liberdade é, então, a essência do homem. Como, de maneira lapidar, afirma Sartre: “A essência do homem está suspensa no fio da liberdade”.
c) Integração das paixões as As paixões fazem parte da natureza humana, que deve ser vista em sua totalidade, não havendo nela elementos menos nobres, irracionais, como os instintos, os sentimentos e as paixões. O Existencialismo absorveu integralmente o alerta de Pascal: “o coração tem razões que a razão desconhece”. Não se despreza a razão, só que a potenciação do ser humano não se realiza nela, mas na vida, nas paixões. A razão deve estar envolvida pela trama das coordenadas existenciais;
d) Valorização do sofrimento e da morte. O homem é liberdade; liberdade é escolha; toda escolha é dolorosa; o sofrimento é, pois, uma decorrência da própria natureza livre do homem, de sua situação de escolha. Quanto à morte, pensando nela, o indivíduo evidencia-se, “na mordedura do ser”, como diria Gabriel Marcel (o mais legítimo representante católico do Existencialismo). A massa não pensa na morte, pois é amorfa. Pensando na morte, o homem engaja-se na vida. Sem ela, a vida seria uma mesmice insuportável;
e) Caráter secular da moral.
A moral existencialista é secular (leiga). Seus critérios advêm não da natureza, nem de Deus, mas, sim, da História, justamente, das possibilidades concretas que se apresentam diariamente a cada um de nós. É autêntica a vida (moral) daqueles que sabem traduzir em ação as próprias possibilidades, enquanto que a vida daquele que as esquece não é inautêntica. (MONDIN, 1988 : 173-174);
f) Método fenomenológico do Do método fenomenológico trataremos dentro da exposição sobre fenome-nologia, logo a seguir. Aqui, vamos somente salientar o caráter intuitivo do Existencialismo. Aliás, ao que parece, um dos motivos por que a Filosofia da Existência não ter sido divulgada no século XIX, é o fato de Kierkegaard tentar destruir os métodos conhecidos vigentes na época: a dedução e a indução.[7]

A fenomenologia
Como se lembrou no item anterior, o Existencialismo só começou a ser conhecido a partir do fim do século XIX graças, de um lado, ao vigor e à causticidade do pensamento existencial de Nietzsche[8] (1844- 1890) e, de outro, à criação da Fenomenologia. Nietzsche pode ser conhecido na História como a metralhadora giratória da filosofia; atirou por todos os lados. Não sou um homem, sou um dinamite. Alguns desses projéteis acertaram o alvo. Outros se perderam, fruto, talvez, de uma mentalidade circundante muito preconceituosa.. Particularmente famosa é sua teoria do super-homem, de que os ditadores de plantão vão usar e abusar. Todos os valores – diz Nietzsche - devem ser apreciados e transvalorizados, desde que favoreçam o poder e a força. A potenciação do ser humano não está na razão, mas na força. A finalidade da vida é produzir o super-homem.
O que mais interessa, entretanto, aqui, é ressaltar a importância da Fenomenologia na cadeia de transmissão do Existencialismo.
A Fenomenologia foi criada por Edmund Husserl (1859-1938). Ao fazer isto, Husserl pensava estar criando uma filosofia. Entretanto - segundo a maioria dos pensadores - não se tratava bem de uma filosofia, mas de uma metodologia filosófica que, aperfeiçoada pelos filósofos do “entre guerras”, se tornou o método adequado do Existencialismo[9]. Com isto, a filosofia de Kierkegaard pôde ser conhecida. Agora tem um método. Mas, o que é mesmo fenomenologia? ainda mais, o que é Fenomenologia na perspectiva dos filósofos da década de 20/30/40?
Para entender melhor a Fenomenologia (filosofia?), mister se faz retroagir no tempo, até o filósofo Davi Hume (1711-1776), o controvertido criador do “fenomenismo”. Davi Hume, levando às ultimas conseqüências as teses do Nativismo e do Ambientalismo, conclui que tudo se reduz a imagens ou representações, surgidas com o impacto da realidade externa sobre nossos sentidos externos. Pois bem, o entendimento do que seja “fenomenismo”, ajudar-nos-à a entender o que é Fenomenologia. Se o primeiro é o impacto da realidade nos sentidos externos, o segundo se pode considerar o impacto da realidade externa em nossa consciência (“sentidos internos”).
É bom lembrar que, pelo exposto no cap. VIII, a expressão “sentidos internos” tinha sido usada por Aristóteles, para justificar as atividades da consciência (gnosiológica), como: inteligência, memória, imaginação, fantasia, etc.
A estrutura fundamental da Fenomenologia é a intencionalidade. A intencionalidade (estrutura da Fenomenologia) é tão importante que é por ela que o homem é homem e o mundo é mundo, visto não existir consciência vazia. Toda consciência é consciência de... (alguma coisa). Descartes equivocou-se, ao querer provar a existência do pensamento puro. Nunca se pensa o nada. Quem pensa, pensa alguma coisa, diz Husserl. A palavra “intenciona-
lidade” vem do verbo latino “tendere” = tender. É da própria natureza o sujeito tender para o objeto, como o objeto tender para o sujeito; esta tendência - intencionalidade – é a espinha dorçal da fenomenologia. A relação entre sujeito e objeto é tão íntima que um não pode existir sem o outro. Se objeto não passar pelo crivo da intencionalidade, é como se ele não existisse, o mesmo se diga do sujeito. É por isto que Heidegger poderá, depois, dizer: sem homem não há mundo e sem mundo não há homem. O para si é o homem, o em si é a realidade externa. Sem o o para si não existiria o em si e vice-versa.
Segundo o Existencialismo, a realidade existe. Só que ela não tem sentido, se não passar pelo crivo da consciência. Esta é que lhe dá legitimidade.
Fora da consciência, nada.
A propósito, alguns versos ilustrativos da canção do poeta cearense Gilvan Chaves:

“Vento que balança as palmas do coqueiro
Vento que encrespa as águas do mar
Vento que assanha os cabelos da morena
Me traz notícia de lá.
...................Vento diga por favor
Adonde se escondeu o meu amor”.
Estes versos ilustram as pretensões do Existencialismo de integrar as paixões, os sentimentos do ser humano. O amor, centro de gravidade do ser humano, portanto, sua dimensão fundamental, não está fora do ser humano, mas dentro dele. Não é isto mesmo que quis dizer quando afirma que o homem é o lugar de desvelamento do mundo? “Vento que balança” só tem sentido quando entra em meu espaço de vida, mostrando o essencial do homem. Por outra, o homem só tem sentido (essência) quando atingido em sua consciência pelo “vento que balança as palmas do coqueiro”. É neste sentido que Heidegger afirma: “Sem homem não há mundo e sem mundo não há homem”. Repetindo, é passando pelo cadinho do coração humano que a realidade adquire sentido.

Antropologia existencialista
Explicitamente, pelo menos, deixa de lado a metafísica, ou melhor reduz o ser metafísico, simplesmente, ao ser do homem que é o lugar da eclosão do ser metafísico (no caso o cosmológico).
Ao apontar as características do Existencialismo, configuramos a imagem de homem de acordo com esta filosofia. Só vamos ratificar e complementar o que foi dito acima (letra b). O ser que vamos educar ainda não é, está sendo; inicialmente só possui existência, devendo, portanto, passar da existência para a essência. Temos diante de nós um projeto de homem, que ainda não é, mas só existe; é a incompletude perfeita. O ser humano só passa da existência para a essência pelo exercício da liberdade, mas essa só se manifesta na ação. Por isso, podemos dizer que o homem não só é liberdade, mas também, como afirma o Pragmatismo, ele é ação, melhor dizendo, é “a soma de suas ações”, como já se disse neste capítulo. Por isso, o ser humano não sofre a história, ele constrói a história. Ele é a entidade pela qual “tem que passar o tempo, a história, a humanidade”. Para o Existencialismo, o ser humano não é um espelho da realidade, como ensinam as filosofias realistas, mas ele é doador do sentido, do significado da realidade. O desenvolvimento deste projeto referido acima será auxiliado pelo processo educacional.

Gnosiologia existencialista
O Existencialismo não dá muita importância ao conhecimento do mundo externo. O que interessa é aquele conhecimento exigido pela intencionalidade (ver conceito de intencionalidade no item fenomenologia). Se a realidade não passa pelo cadinho da consciência, inútil se torna todo o esforço para conhecê-la. Girando tudo em torno do ser humano, não havendo mundo sem homem, devemos conhecer o mundo externo somente quando tal conhecimento nos ajuda a conhecer a nós mesmos. Assim, o objeto do conhecimento não passa de uma referência. Quanto ao conhecimento do mundo externo,
... suas verdades particulares não são senão aplicações e figurações de uma verdade de conjunto, que é uma verdade humana, a verdade do home para o homem possível, respeitar os programas. Mas as verdades particulares ... não são senão aplicações e figurações de uma verdade de conjunto, que é uma verdade humana, a verdade do homem para o homem. A cultura não é senão a tomada de consciência, por cada indivíduo dessa verdade que fará dele um homem... A verdade é, para cada um, o sentido da sua situação. A partir de sua própria situação em relação à verdade, pode-se despertar... as pessoas para a consciência da verdade particular de cada um (GADOTTI, 1992 : 168-169).
No bojo do Existencialismo vai nascer o Construtivismo na linha piagetiana ...
O ser humano não recebe o conhecimento, ele o constrói mediante as pessoas e o mundo.
Afinal, o que importa mesmo não é o conhecimento, mas a auto-realização no plano do ser mais, mais indivíduo, mais pessoa, centro de interesse do universo, ou como ensinou Carl Rogers, atingir a “congruência”, isto é, o fato de o ser humano estar de bem consigo mesmo, com o outro e com Deus. Naturalmente, para que isto aconteça, é necessário algum conhecimento do mundo, já que, o inverso, também, é exigido, pois sem mundo não há homem.
Também é necessário lembrar que o Existencialismo, uma filosofia da ação que é, exige o engajamento, exige o “dasein” (o estar sempre presente). Exige atuação nos movimentos históricos e sociais, que venham suscitar o crescimento da personalidade.
Pelo colocado até agora, deve-se notar que o Existencialismo é muito crítico a propósito da especialização; ela diminui o homem. “O especialista é uma criatura de seu conhecimento, não é o criador dele, nem seu mestre” (KNELLER). Entretanto não se trata de desprezar a especialização, que é necessária, mas os estudos especializados devem estar juntos com os estudos das ciências humanas, e a especialização deve ser humanizada. O homem deve ser o senhor de sua especialização.
Nem é preciso lembrar que o método a ser seguido é o fenomenológico, pois, como já foi categorizado por Kierkegaard, estão descartados o método da indução e da dedução.

Ética existencialista
Sobre a Ética existencialista, que é sempre pro-ativa, voltada para o futuro, vamo-nos ater ao pensamento de Heidegger e de Sartre.
Heidegger (1889-1976), de nacionalidade alemã, é considerado por alguns como um dos maiores filósofos do século XX. Apesar de não se considerar existencialista, não há como fugir desta impostação.
Na seqüência de Kierkegaard, ele vai afirmar que Platão e Aristóteles escamotearam a filosofia desviando-a de seu rumo certo. Divergindo, entretanto, do criador do Existencialismo (que não deu importância à metafísica), ele coloca esse desvio à custa do esquecimento do ser (portanto, da metafísica). Heidegger era obcecado pela “esseidade”[10] das coisas. “Para ele o ser está em tudo”.
Como vemos, Heidegger teve o grande mérito de, ao lado de Sartre, recuperar a metafísica tão desprezada pela filosofia moderna, inclusive por pensadores de cunho existencialista. Sua principal obra Ser e Tempo tem como subtítulo Uma Ontologia do Ser.
Fixado na questão do “ser”, insiste ele que toda pessoa deve se preocupar com esta questão (do ser) para que se possa resolver o contencioso da existência. Nesta linha de pensamento, ele inverte o famoso aforismo de Descartes: em vez de “penso, logo existo”, apresenta a seguinte versão: “existo, logo penso”. Assim, a existência do indivíduo humano é a matriz e motor de tudo.
Um troféu que deve ser lembrado em Heidegger é a questão ecológica. Foi o primeiro filósofo em toda a História a levantar a bandeira de ecologia. Para isto cria a “filosofia do cuidado”, proclamando o homem “pastor do ser”. Em Heidegger já se começa a levantar uma ponte de ligação entre o eu e o outro. Começa-se a quebrar o individualismo exacerbado pelo Existencialismo até então.
Aterrissando no campo preciso da antropologia e da ética, Heidegger vai categorizar que o ser humano deve ser “dasein”, expressão alemã que significa “estar aí”, ser engajado nas lutas do mundo, em contraposição ao “dasman”, que significa ser alienado, massificado, não estando “nem aí” para com o que acontece no mundo. Afinal, o ser humano é liberdade, mas essa só se corporifica pela ação.
"Do sentido que o ser humano imprime à sua ação, decorre a autenticidade ou a inautenticidade da sua vida. O indivíduo inautêntico é o que o que se degrada, vivendo de acordo com verdades e normas dadas; a despersonalização a faz mergulhar no anonimato, que anula qualquer originalidade. É o que Heidegger chama de ‘mundo do “man”[11] ...e que designa a impessoalidade: come-se, bebe-se, vive-se como todos comem, bebem e vivem. Ao contrário, a pessoa autêntica é aquela que se projeta no tempo, sempre em direção ao futuro. A existência é lançar-se contínuo às possibilidades sempre renovadas, (ARANHA & MARTINS, 2005 : 356).
Vê-se que, para Heidegger, o imoral, o antiético é não lutar para se sair da inautenticidade, da massificação que prende o ser humano ao passado. O ser humano existe para ser: passar da existência para a essência. Existe para ser “dasein”, “ser si mesmo”.

Sartre (1905-1980), filósofo, romancista de renome e teatrólogo, é um dos maiores pensadores e escritores franceses de todos os tempos. O ser e o nada, uma portentosa obra de mais de setecentas páginas, foi lançada em 1943.
O ser do homem se reduz a um projeto. Nasceu para a liberdade (que só se consegue com a ação). Textualmente, afirma: “o homem é o projeto de si mesmo”. De início ele não é nada. Só será com a concretização desse projeto.
O fulcro da antropologia sartreana é o constructo da liberdade. “A vida humana está presa no fio da liberdade”. Só é homem quem é livre. Quem escolhe, pois liberdade é principalmente escolha, como se verá logo abaixo.
Sendo o homem liberdade, a viga mestra da Ética sartreana é a liberdade. Ele próprio diz: “O conteúdo{da moral} é sempre concreto e, por conseguinte, imprevisível; há sempre invenção. A única coisa que conta é saber se a invenção se faz em nome da liberdade”.
Por ser nada, o homem tem toda a amplidão do tempo e do horizonte para ser livre. Por isso, está ele sempre condenado a ser livre. Liberdade é escolha. Escolher é dificílimo. É terrivelmente angustiante. Entretanto, o ser humano está obrigado a escolher. É seu destino inarredável. Para ilustrar sua tese, Sartre refere o seguinte: Quando os alemães invadiram a França na Segunda Grande Guerra, havia um rapaz que fora convocado para a guerra, entretanto, ele era filho único, arrimo de sua mãe, e esta se achava gravemente enferma. O rapaz, então, entrou num quadro de angústia insuportável. Afinal, a qual mãe ele deveria socorrer, sua mãe biológica, quase à morte, ou sua mãe maior, a Pátria ameaçada?
Para Sartre, o antiético, o imoral, o grande pecado, é se recusar a escolher, pelo que, ele se torna responsável. Aquele que recusa a liberdade, torna-se “safado”, “sujo”... pois, nesse processo despreza a dimensão do “para si” e torna-se “em si”, semelhante às coisas. Perde a transcendência e reduz-se à facticidade[12].
Esse comportamento de recusa da liberdade, para viver o conformismo e a “respeitabilidade” da ordem estabelecida e da tradição, essa recusa a criar seus próprio valores é uma atitude imoral, antiética.
Ao ser acusado de individualismo, por defender a tese de que o homem é responsável por sua existência, Sartre defende-se:
... E quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável por sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens[13]... Assim, a nossa responsabilidade é muito maior do que do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade. (SARTRE apud ARANHA & MARTINS, 205 : 358-359).

O respeito às normas também não deve ser descartado. A propósito, Kneller afirma: “Nenhuma pessoa responsável permanece estranha às normas. Mas a ordem inerente numa norma genuína jamais se converte em máxima, e sua realização jamais se converte em máxima, e sua realização nunca se converte em hábito.” (KNELLER,p.88-8).
Com Kant, Sartre vai propor que ao seguir normas recebidas, eu devo encarna-las como se fossem cridas por mim.

Crítica à filosofia existencialista

Crítica positiva
Em um mundo de tantos formalismos, de tantos convencionalismo, de tantos legalismos, de tantos tradicionalismos, enfim, de tanta subserviência e mesmice, só mesmo batendo palmas para o Existencialismo. O indivíduo é o embrião da sociedade.
O Existencialismo tem o mérito de ressaltar os problemas vivenciais e profundos do ser humano. Proclamando a irredutibilidade do ser humano à matéria, as análises psicológicas e fenomenológicas, os exames das relações interpessoais desenvolvidos pela filosofia da existência ampliaram, admiravelmente, o conhecimento do homem. O Existencialismo é, deveras, uma filosofia muito simpática.

Crítica negativa
Vamos começar com a crítica de Mary que lamenta o fato de o Existencialismo dar pouca atenção à pesquisa científica: “... o estudo objetivo e científico, o alcance de feições concretas da realidade foram descuidadas na ênfase ao elemento tíquico e às questões pessoais e afetivas” (RANGEL, 1988 : 33).
Embora seja uma crítica contundente às filosofias essencialistas, o Existencialismo não chega ao cerne do grande problema que é a divisão de classe, a concentração de renda, a subordinação imperdoável ao capitalismo selvagem. Ainda é uma filosofia burguesa, avessa à utopia da igualdade social. Naturalmente que Sartre, a partir do fim da Segunda Guerra, vai tornar-se uma exceção. Diante dos horrores da guerra, vê-se obrigado a mudar alguns conceitos de Ser e o Nada. O outro já não é mais o inferno. É alguém sobre o qual eu tenho responsabilidade. A guerra o levou a incorporar a filosofia marxista.
Outro aspecto, a nosso ver ainda pior, é o fato de o Existencialismo colocar no horizonte da humanidade somente o indivíduo – não é o caso de Sartre. A sociedade não parece contar nos devidos termos. Se hoje vivemos um individualismo desbragado, o Existencialismo não pode se isentar de culpa nesta questão.
Querendo reagir contra o objetivismo da Filosofia Positivista, o Existencialismo acaba criando a figura do ego inflacionado, conseqüência direta também da máxima de Protágoras que coloca o homem como medida de todas as coisas O Existencialismo leva ao exagero esta máxima. O que interessa é o eu: primeiro, eu; segundo, eu; terceiro, eu. O protótipo do ser humano passou a ser Robison Crusoé, isolado em sua ilha; ou Rapunzel, alteando-se em sua torre, bem longe deste “vale de lágrimas”, onde quase a metade dos seres humanos vegeta na fome, na intempérie e na escravidão.
Falha que pode ser corrigida pelo endosso da Filosofia Dialética que será estudada no no próximo e último capítulo.

[1] O tema da liberdade é tratado com profundidade em nosso livro Dialética - A Terceira Via da Educação: de Heráclito a Paulo Freire.
[2]Rever este assunto no cap. 08
[3] Notar que Kierkegaard e Nietzsche, as duas maiores expressões do Existencialismo no século XIX,
não são fenomenólogos, mesmo porque a fenomenologia só vai ser enaltecida no século XX.
[5]Sobre Hegel, sugere-se rever o cap. 07
[6] No Existencialismo, a fenomenologia substitui a metafísica ou ontologia
[7]Descartadas a indução e a dedução, não resta à epistemologia senão o recurso à intuição que o povo não entende bem. Sugere-se rever o cap. 03.
[8] Friedrich W. Nietzsche (1844-1900) é alemão. Seus pais eram pastores protestantes. Como estudante, começou pela filologia. Motivado por seu contemporâneo Shopenhauer, embrenhou-se totalmente no campo da filosofia. Teve como preocupação básica a crítica – crítica impiedosa à civilização ocidental, principalmente à filosofia que, a partir de Sócrates, segundo ele, não passou de ideologia do poder dominante; crítica à massificação, à visão de mundo burguesa, ao conservadorismo cristão, que, para ele, era um moral de rebanho. Segundo Cotrin, p. 281, Nietzsche identifica três períodos na marcha ideológica do Ocidente. Tais períodos podem ser definidos pelas seguintes fases: * “Tu deves “: período do domínio da moral e da religião. Nesse período, o homem tem a ilusão de estabelecer verdades definitivas; * “Eu quero”: período da decadência do mundo do dever e da ascensão da vontade. É o declínio dos valores supremos estabelecidos no período anterior. Nessa etapa se insere o próprio Nietzsche, dada a potenciação do homem que ele coloca não na razão, mas na vontade de potência. Apesar de seu niilismo, de ser uma metralhadora giratória, ele acreditava na vontade humana e em sua capacidade de produzir valores “afirmativos” da vida; * “Eu sou” : período que corresponderá a uma nova relação do indivíduo com a sua existência.
Depois de ser acrimente criticado, sobretudo pela Igreja, Nietzsche está sendo reabilitado por expressivos filósofos atuais, como Deleuze, Guattari e Michel Foucault, certamente o mais importante deles. Hoje Nietzsche tornou-se uma referência no mundo filosófico do Ocidente.
[9] Como se diz, juntou-se a fome a com vontade de comer: a criação do método fenomenológico veio de encontro à descoberta da filosofia da angústia; as guerras trouxeram muita angústia; então se uniram as duas coisas. A feno-menologia tem agora uma filosofia – o Existencialismo e este tem a-
agora um método. Assim, o Existencialismo vai nadar de braçada por mais de três décadas.
[10] Esseidade é a qualidade especial que faz de um objeto um ser, qualidade escanteada pela filosofia
ocidental a partir de Platão
[11] A expressão usada é “das man”
[12] Já sabemos que o “para si” é o ser humano e o “em si” é o ser coisa.
[13] Aqui Sartre aproveita elementos da filosofia do cuidado proposta por Heidegger.
[16] Ver, no cap. 07, o Idealismo Platônico e o de Santo Agostinho.
[17] Vimos que a filosofia realista, apesar de ser uma reação ao platonismo, acaba inserindo em sua te-
mática, várias idéias dos idealismo platônico, e esta de que as idéias estão nas coisas, é uma delas. Quanto ao fato de, nas filosofias realistas, o objeto se sobrepor ao sujeito, é só reler a referência sobre a física aristotélica, revisitada pelo Positivismo.
[18] “Conhecer é poder”, disse Francis Bacon. Quem conhece pode tudo. Ai de quem desrespeita o
conhecimento; a história está repleta de guerras e tragédias provenientes desse desrespeito.
[19] Devemos nos libertar da prepotência da razão, mas isto não nos dá o direito de fazer dela um zero à esquerda.
[20] O termo substância é a categoria que sustenta a realidade, sem ela, a realidade deixa de existir, por isso, substância e essência se equivalem.

[22] Platão, distinguindo “ser“ substantivo (categoria fundamental) de “ser” verbo de ligação esta afirmação.
152 Este outro pode ser o mundo físico ou o mundo social.
153 e 154 A realidade existe fora do homem, mas só tem sentido através do homem e pelo homem, seja, só existe a realidade que interessa ao ser humano (realidade para mim): só existe mundo quando ele é subjetivado pelo homem e só existe homem quando ele é objetivado pelo mundo. Este mundo pode ser físico ou social.

terça-feira, 19 de maio de 2009

CAP. 10 - FILOOFIA PRAGMATISTA

CAPÍTULO 10

FILOSOFIA PRAGMATISTA

Para muita gente, antes morrer que pensar e é isso mesmo que fazem (Bertrand Russel)

O termo “pragmatismo” tem sua origem no substantivo grego “pragma” que significa “prática”, termo que, na linguagem moderna do senso comum, tem o sentido de “intervenção na realidade física ou social”. Significado, portanto, diferente do que vamos encontrar na filosofia dialética.Como filosofia, o Pragmatismo é, sobretudo, tributário do Empirismo inglês, não deixando, de outra parte, de ser uma glosa do Realismo e do Idealismo, como acontece na sua concepção ontológica de que a realidade é fruto da interação entre o homem e a realidade. Dentro da linha ontológica, e a propósito da concepção de verdade, o Pragmatismo vai extremar o que já havia sido levantado pelos filósofos positivistas da Inglaterra, Bentham e Stuart Mill, de que verdade só se afirma como tal na ação: se depois da experiência (aqui, como sinônimo de experimentação), se notar que ela produziu resultados práticos e úteis, estamos então diante da verdade; caso contrário, não. Os neopragmatistas vão além e dizem que a verdade é uma experiência compartilhada. Exemplo: se estou, efetivamente, compartilhando de um almoço – isto é verdade; a mesa junto da qual me assento para almoçar – ela é uma verdade. O Pragmatismo floresceu viçosamente nos Estados Unidos no último quartel do século XIX. Seus principais arautos foram: Charles Pierce (1839-­1914), William James (1842-1910) e John Dewey (1859-1952). Nos dias atuais, seu grande paladino é o filósofo Richard Rorty e, mais perto de nós, o Prof. Larry, Diretor do Centro de Estudos Dewynianos nos Estados Unidos. Com Rorty, já se começa a falar em Neopragmatismo. Na década de trinta, houve, no Brasil uma tentativa pouco exitosa de introdução do pragmatismo no Brasil. Experiência realizada por Anísio Teixeira, que fora discípulo de Dewey nos Estados Unidos. Hoje, temos, em nosso País, uma vertente neopragmatista, capitaneada pela Prof. Paulo Ghirardelli Jr. e que recebeu forte impulso no Congresso Latino-americano de Filosofia da Educação, realizado, sob os auspícios da ABE, em homenagem ao centenário do nascimento de Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro, em julho de 2000. O Pragmatismo é, na minha visão, uma filosofia existencialista, isto, por dois motivos: um, não admite uma natureza “a priori” do homem. Para ele, tudo parte do existente, ou melhor, parte da ação; dois, o pragmatismo não está preso ao passado e se serve do presente como alavanca do futuro. É uma filosofia, deveras, pro-ativa.
Trata-se de uma filosofia moderna, pois admite que o movimento é a substância (essência) da realidade e não uma incidência acidental. Entretanto, por não aproveitar a contribuição da filosofia dialética, considera o movimento num sentido mecanicista, ou seja: o movimento é linear e se dá mediante uma força externa. A Dialética, ao contrário, ensina que o movimento acontece devido a uma força interna, natural: a contradição.
Tendo uma ontologia indecisa e débil, o Pragmatismo é uma filosofia de vôo rasteiro, fôlego curto que, no entanto, tem conseguido manter a coesão da cultura e da nacionalidade norte-americana, quer antes, quer depois do “milagre econômico” acontecido nas primeiras décadas do século XX. É o decantado Way to life americano, uma época de abundância e consumismo desmedido.
Sendo John Dewey um dos mais importantes corifeus da filosofia pragmatista e um dos maiores expoentes da Pedagogia de todos os tempos, vamos ater-nos, neste ensaio, tão somente à exposição resumida da filosofia desse grande norte-americano:

A ontologia e a antropologia pragamatista
“A realidade é fruto da interação entre o homem e o meio”. Apesar de já ser uma filosofia moderna e existencialista, a ontologia do Pragamatismo é uma mistura de Idealismo e Realismo, pois ensina que a realidade é fruto da interação do homem com o meio; ela depende e não depende do homem.
“O homem é um ser biológico, vivendo em um mundo social” Ainda que bas-tante marcada pelo darvinismo e pela sociologia positivista, a antropologia pragmatista tem alguma originalidade, restringindo-se ao biológico e ao social. Verbalmente: “o homem é um ser biológico, vivendo em um mundo social”, ou “o homem é um ser biológico, em interação contínua com o ambiente”. A diferença entre o homem e o animal é somente de grau, e não de espécie. O homem é um animal mais aperfeiçoado. É capaz de agir, transformando a realidade para seu conforto pessoal. O Pragmatismo tem uma posição intei-ramente diferente das filosofias tradicionais em sua antropologia. Como se viu no item “antropologia do Pragmatismo”, não existe uma natureza humana a priori; “o homem se faz a si mesmo” pela contínua reconstrução da experiência no mundo. O homem é um ser plástico, pois está em constante mutação e adaptação.[1] Não é um ser transcendente, espiritual: ele se totaliza na dimensão bio-psicosocial. O Pragmatismo ensina que, se de um lado, o homem só se realiza na sociedade, de outro, afirma, entretanto: “não por causa da sociedade”. Sendo assim, a sociedade está a serviço do indivíduo; existe para ajudá-lo a resolver seus problemas e inserir-se como elemento útil na sociedade de produção e consumo.
No Positivismo, vimos que o indivíduo está a serviço da sociedade já que esta é a matriz do indivíduo. Ao contrário, a Filosofia Pragmatista vai ensinar que “O indivíduo é o embrião da sociedade”. Isto, não obstante o viés socialista de Dewey que defende o individualism, ao molde da cultura em que nasceu.
Diferentemente das filosofias estudadas, o homem não tem uma natureza - essência - a priori. A ação é a essência do homem: “Fora da atividade, não há explicação para o homem”. “O homem se faz a si mesmo, na ação”. “A essência do homem não está no intelecto, mas na ação”. Tudo, portanto, começa com a ação. O Pragmatismo absorve inteiramente a máxima de Goethe: “No começo era a ação”. Não é o intelecto o campo da eclosão do ser humano, como, de maneira geral, afirmam as filosofias estudadas; este campo é a própria prá-tica do ser humano.
O que se entende por ação no Pragmatismo? Evidentemente, não se trata da ação como um dos pólos num todo dialético, mas ação no sentido de qualquer intervenção na realidade individual (física) ou social, para transformá-la em algo útil ao conforto humano.
O homem não só faz a história, ele é a história viva”.
Quanto ao conceito de História, o Pragmatismo se distancia-se da concepção tradicional [2]que vê, na História, uma seqüência de fatos ocorridos linearmente no tempo, devido à influência de líderes religiosos ou políticos. O homem como que sofria a História, sendo dela somente seu objeto. O Pragma-tismo já começa a perceber que o homem é também sujeito da História - é seu construtor - e que esta, além da dimensão do passado, tem, por sua vez, a dimensão do presente, que é uma condição indispensável do futuro.

Gnosiologia e axiologia pragmatista
O Pragmatismo rejeita, claramente, a definição de conhecimento de Aristóteles: “adequação entre a mente e a realidade”. O conhecimento, para esta escola filosófica, não é o resultado da razão, mas a conclusão a que se chegou pela pesquisa científica. Para o contencioso “verdade”[3], o Pragmatismo diz que a verdade é uma experiência compartilhada ou, por outra, se a pesquisa chegou à conclusão de que seu resultado é útil, estamos diante da verdade. O Pragmatismo perfila a posição de Davi Hume, quando afirma que, além da percepção dos sentidos, nada existe, ou se existe, não pode ser conhecido (Kneller). O homem é produtor de conhecimento e não mero receptor. Pela primeira vez na História, é usada a expressão: “construir o conhecimen-to”. Ao contrário do Idealismo e do Realismo aristotélico e tomista, para os quais o conhecimento tinha uma finalidade imanente (em si mesmo), o Pragmatismo vai ensinar que o mesmo não tem finalidade em si. Sua finalidade é transeunte; não passa de um instrumento para manifestar a experiência, para manipular situações continuamente novas com que a mutabilidade da vida nos confronta. Para que o saber seja significativo, devemos saber o que devemos fazer com ele; por isso, ele deve estar unido à experiência (KNELLER, 1978 :. 63). Consultar também (SCHMITZ, 1980 :. 22-53).
Na axiologia e quanto ao aspecto das mudanças, os pragmáticos são coerentes com a posição assumida na ontologia e na antropologia. Tanto a realidade quanto o homem estão em contínua transformação de acordo com o tempo e o espaço. Sendo assim, os valores também mudam de acordo com o espaço e o tempo.
A ética pragmatista merece uma consideração à parte; acompanha a gnosiologia (o tratado do conhecimento). O Pragmatismo engrossa a onda anti-racionalista iniciada por Bentham e Stuart Mil e levada ao paroxismo com Kierkegaard[4]. Se o conhecimento chega ao que é útil, é verdadeiro. O que é útil é bom. O inútil é sempre mau. Útil é tudo que tráz conforto para o homem e o ajuda “a viver bem, a realizar atividades significativas para si próprio”, na expressão de Anísio Teixeira, o mais competente intérprete do Pragmatismo no Brasil. Útil é o que ajuda o homem a solucionar seus problemas pessoais e a cumprir bem sua função na sociedade.[5]

Crítica positiva ao pragmatismo
Como uma filosofia existencialista que é, o pragmatismo se insurge contra o apriorismo, o abstracionismo e o formalismo das filosofias anteriores, propondo que, antes de tudo, o ser humano tem que agir
Graças ao gênio de John Dewey, o pragmatismo deu um grande impulso à renovação da pedagogia que, colocando o estudante no centro do processo educativo, fez uma revolução copernicana na educação. Graças ao mesmo John Dewey, a democracia, apesar de difícil aplicação, tornou-se mais admissível, como vimos no cap. 02.

Crítica negativa à filosofia pragmatista
Uma crítica frontal. Nas entrelinhas, percebe-se que esta filosofia tem a finalidade de reforçar e perpetuar o prosaico individualismo norte-americano, agora com a marca registrada de “neoliberalismo” que não passa de uma pílula adocicada do capitalismo selvgem. O recurso ao social, como vimos, só tem uma finalidade: fazer crescer o individual, como pessoa e como nação. “O mundo só será feliz no dia em que a bandeira dos Estados Unidos for hasteada, uma no pólo norte, outra no pólo sul” (palavras de Taft - vigésimo presidente da Nação ianque).
Concluímos, pois, que o Pragmatismo, em que pesem os laivos socialistas de John Dewey, é uma filosofia que não incomoda a classe dominante e não se incomoda com classe dominada. Não se preocupa em formar cidadãos, mas tão somente insumos para o fomento do Nacionalismo xenófobo dos norte-ame-ricanos e do capitalismo selvagem (hoje neocapitalismo). Filosofia, portanto, extremamente ideológica e imprópria para responder às necessidades da autêntica e total natureza humana que deve preservar em nível de igualdade tanta a individualidade como a faceta social do ser humano.


[1] Segundo comentaristas atualizados da Teoria da Seleção Natural de Darwin, a concorrência ou competição não tem o sentido mercadológico, não passando do processo de adaptação das espécies.
[2] Não na concepção dialética que, mesmo inadvertidamente, toda filosofia endossa.
[3] Sobre o dito contencioso da verdade, o neopragmatista Rorty diz que nem a filosofia, nem a ci_
ência é capaz de chegar à verdade do objeto, visto ser ela espacial e temporal.
[4] Kierkegaard (1813-1855) lançou as bases da filosofia existencialista,
[5] Ver no cap. I a diferença entre “útil externo” e “útil interno”.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

CAP. 09 - FILOSOFIA POSITIVISTA

CAPÍTULO 09

FILOSOFIA POSITIVISTA

A filosofia pergunta, desconstrói o aparente e o falso, pergunta, cuida de si e dos outros, pergunta, resiste a ordem instituída, pergunta, outra vez pergunta, sempre pergunta (Walter Kohan)

O Positivismo é, no século XIX, a versão do Realismo aristotélico, na sua face materialista e empirista, graças ao espírito criador de Augusto Comte (1798 -1857).
No dizer de Cotrin: O termo positivismo foi adotado por A. Comte, para designar toda uma diretriz filosófica marcada pelo culto da ciência e pela sacralização do método científico.
O positivismo expressa um tom geral de confiança nos benefícios da industrtialização, bem como um otimismo em relação ao progresso capitalista, guiado pela técnica e pela ciência... o positivismo reflete, na plano filosófico, o entusiasmo burguês pelo progresso capitalista e pelo desenvolvimento técnico-industrial” (COTRIN, 1997 : 181). Se a filosofia é, a nível da inteligência, a expressão das tendências de uma época, a filosofia positivista expressão do que estava acontecendo de mais positivo a partir século XVIII.
De sua vez, Mondin acrescenta:
No século XIX, os cientistas multiplicavam suas descobertas sobre aspectos da natureza e do homem...Tudo isto parecia justificar a ilação de que a única filosofia verdadeira fosse a própria ciência... Por um lado, ele propõe-se a libertar o homem de todas as alienações ideológicas que o haviam anteriormente aguilhoado à religião e à metafísica; por outro lado, pretende adquirir um conhecimento do homem como ser social, valendo-se do método das ciências experimentais: como as ciências são idôneas para formular as leis relativas ao desdobramento dinâmico da realidade natural, assim também devem ser idôneas para formular as leis relativas ao desenvolvimento do mundo social humano (MONDIN, 1980 : 127).

Princípios do Positivismo e sua crítica:

1 - A facticidade
Segundo o Positivismo, “os fatos são os fatos” e “contra fatos não há argumento”. Ardigó, um dos corifeus do Positivismo, dizia: “O fato é divino”. Esta filosofia dissolve a subjetividade na objetividade. Na relação su jeito/objeto, o objeto se sobrepõe ao sujeito, de tal maneira que acaba amofinando ou até destruindo o sujeito. O ser humano é lançado entre as coisas em situações dadas e não escolhidas por ele. Torna-se um ser determinado, sem liberdade.
Crítica a esse princípio: os fatos não são os fatos, mas o que se diz dos fatos. Na posição que sustentamos, a versão, obra humana, é mais importante do que os fatos. O ser humano é a cabeça pensante do universo e não seu capacho.
2 -Experimentalismo/Cientificismo. A realidade se restringe ao sensível e à experiência quantificável: “Tudo quanto existe, existe em uma quantidade e é, portanto, mensurável”, disse Thorndik. Confirmando a tese empirista, proclama que nada existe fora dos sentidos.
Os positivistas apregoam que a ciência é um sistema fechado e definitivo, o únco capaz de trazer respostas e soluções para todos os problemas. Por isso, ela inaugura a era da positividade - daí Positivismo - A ciência pode tudo. Como dirá Watson: dêem-me doze crianças sadias, de boa constituição e a liberdade de poder criá-las à minha maneira. Tenho a certeza de que, se escolher uma delas ao acaso, e puder educá-la, convenientemente, poderei transformá-la em qualquer tipo de especialista que eu queira - médico, advogado, artista, comerciante, e até mesmo em mendigo e ladrão, independente de seus talentos, propensões, tendências, aptidões, vocações e da raça de seus ascedentes” (ARANHA, p. 190). Usando-se a ciência, pode-se fazer do homem o que se quiser: santo/demônio, religioso/ateu, crente/descrente; daseisn/dasman[1], feliz/infeliz, rico/pobre, abastado/indigente, simpáti-co/antipático, masculino/feminino, gigante/pigmeu.
Está inaugurada a era do cientificismo e do experimentalismo. Aquele, a tentativa de substituir a filosofia pela ciência; esta fica reduzida a um papel subalterno de sistematização e de metodologização da ciência. Quanto a seu antigo conteúdo, passa ele agora para o âmbito da ciência. Anula-se a subje-tividade, característica histórica da filosofia. Quanto ao experimentalismo, temos agora a suupervalorização da empiria, agora única expressão ontológica positiva e, conseqüentemente, única via de acesso à realidade. Suprime-se o direito da filosofia de legislar e exercer jurisdição sobre as questões do conhecimento, tal como vinha fazendo pela Teoria do Conhecimento.
Como crítica a este princípio é só reler o que está escrito nos capítulos 02, 04, 05 e 06 a respeito da crítica em geral. Reler sobretudo o item “crítica” no capítulo 05.
3 - O Mecanicismo
O mecanicismo[2] afirma que tudo está se reduz ás ações mecânicas, sendo as idéias produtos da matéria. Está baseado em dois antecedentes. Um tirado da filosofia da Física de Aristóteles e, indevidamente, recuperado pelo Positivismo, depois de ter sido abandonado pelos filósofos da Renascença. Aristóteles ensinou que o mundo físico é composto de sete esferas: três supralunares e quatro sublunares. Lembre-se também que o mesmo Aristóteles ensinou que o universo físico é a matriz das idéias: - “nada chega à inteligência que não tenha passado primeiro pelos sentidos”. Sendo assim, este universo acaba, em última análise, pautando o mundo dos homens, a sociedade. Por isso mesmo, a sociedade deve ser a imagem e semelhança do mundo físico: deve ser também organizada em classes (esferas) que não se penetram mutuamente. Explicitando mais: se o mundo físico é constituído de esferas não interpenetráveis, do mesmo modo, a sociedade é composta de classes que não se misturam
O outro antecedente é a antropologia de Descartes que ensinou que o homem é uma máquina, conduzida pela alma, teoria complementada por Newton; este estendeu a teoria antropológica de Descartes ao mundo físico (ao cosmos), afirmando que o mundo é uma máquina: “Um relógio perfeito que nunca adianta nem atrasa”. Somos todos amarrados ao carrocel do universo. Sendo assim, adeus individualidade, adeus subjetividade.
Que o mecanicismo leva à supressão do maior galardão do ser humano, a liberdade, facilmente se depreende. Nessa visão, o homem será, inapelavelmente, produto do meio e comandado pela máquina do universo, pois, a ser assim, será ele manipulável, criatura circunstancial, governado por estímulo do meio ambiente externo.
4 - O evolucionismo
O mundo e a sociedade evoluem, mas trata-se de uma evolução linear e concebida de maneira mecânica. De acordo com o Positivismo, a história desenvolve-se num movimento contínuo de progresso, isto é, cada época, em grau mais elevado, projeta-se adiante, em progressão infinita, sob o comando da razão. Os ideais positivistas de progresso estão expressos no seguinte lema: o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim.
Crítica ao lema do Positivismo: diante das filosofias existencialistas e, principalmente, diante da filosofia dialética, esse lema é inaceitável, como teremos oportunidade de expor em seu devido espaço.
5 - O associacionismo
O Associacionismo é um método de conhecimento criado pelo Empirismo. O conhecimento não se faz por abstração, como preconizavam o Realismo Clássico e o Realismo Medieval, mas se faz por associação. Para melhores esclarecimentos e exemplificação, voltar ao cap. sobre o Empirismo, sobretudo a tópica dedicada a Davi Hume.
Crítica: no referido capítulo, vimos que, seguindo o método da associação, o conhecimento perde sua referência com a realidade, tornando-se um ato de fé. De mais a mais, se a nível micro é válido o uso do método da associação, a nível macro, ele se mostra inteiramente inviável. Exemplo: se se quer conhecer uma galáxia, compará-la com quê?
6 - O ambientalismo
A idéia do ambientalismo está muito ligada aos dois itens anteriores: associacionismo e mecanicismo. É contemporâneo dos dois e conota idéias semelhantes. “O homem é produto (linear, mecânico) do meio”. “O homem é produto (linear, mecânico) das circunstâncias”[3]. O ambiente produz de maneira linear e mecânica o homem - seu conhecimento - associando elementos do mundo circundante.
Crítica: Não negamos a influência do ambiente na construção do ser humano. Muito me encantou o modo interessante de Paulo Freire se definir a si mesmo: “eu sou Paulo Freire, a partir da Rua 48, do Bairro do Pau Amarelo, da cidade do Recife, do Estado de Pernambuco, do Brasil, da América Latina, do continente americano”, e assim por diante.
Não obstante, todavia, esse laço tão forte com o ambiente, contrapõe-se o lado autonomizante do ser humano, sua vocação para a liberdade – ad libertatem vollat, como escreveu o poeta Virgílio.

Características gerais do positivismo:
O motivo do método positivista de investigação é a pesquisa das leis gerais que regem os fenômenos naturais. Com base nas leis, o homem torna-se capaz de prever os fenômenos, podendo agir sobre a realidade: ver para prever, prever para prover. O conhecimento científico visa a transformação da realidade e a transformação visa o progresso, este, porém, deve estar subordinado à ordem. Daí o lema positivista: ordem e progresso[4] .
A dinâmica social está assim formulada: 0 amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim.
Quanto ao Neopositivismo (também chamado, Positivismo lógico, Filosofia da Análise) é opinião que ele nada tem a ver com a Filosofia positivista de Augusto Comte, sobretudo a seu facticismo.
Crítica geral ao Positivismo
Não se pode negar o impulso que a filosofia positivista deu ao desenvolvimento da ciência. Não obstante, o lado negativo pesa demais. Além das críticas pontuais já elaboradas, levantamos algumas genéricas, como: a – incrementa a divisão de classe que, em nossa visão, consubstancia o antece-dente mais acirrador da violência; b – fomenta a competitividade capitalista e mercadológica que, em sua expressão mais agudizante leva à miséria milhões e milhões[5] de seres humanos; c – mais do que uma filosofia, o Positivismo é uma forte ideologia a serviço da burguesia dominante; d – seu mecanicismo, colocando de volta, em plena idade contemporânea a cosmologia aristotélica, é uma intempestividade inadmissível; por esse motivo, - e aqui está a crítica mais importante – o Positivismo é uma filosofia essencialista, pois o mundo físico formata a sociedade e esta, o indivíduo. Isto é apriorismo, essencialismo.















[1] Ver Heidegger no cap. d11
[2]O termo mecanicismo dá idéia de movimento, só que, diferentemente da dialética, este movimento é provocado por uma força externa, quer seja ela divina, quer seja a própria força gravitacional do universo.
[3] Segundo a filosofia dialética, o ambiente influencia na construção do ser humano, mas não de maneira linear, mas dialética: O ambiente constrói o homem e o homem constrói o ambiente.
[4] Notar que a proclamação da República brasileira se deu sob o signo da Filosofia Positivista, que dominava as mentes brasileiras na época. Daí se ter colocado na bandeira nacional o lema do Positivismo: ordem e progresso.
[5] Segundo estatísticas fidedignas, chega-se a quatro bilhões de humanos, vivendo na pobreza extrema, destes, muitíssimos abaixo da linha da pobreza.