terça-feira, 26 de maio de 2009

CAP. 11 - FILOSOFIA EXISTENCIALISTA

CAPÍTULO 11

FILOSOFIA EXISTENCIALISTA FENOMENOLÓGICA

A quem ama tudo é permitido (Santo Agostinho)

Quando falamos de Existencialismo, logo nos vêm à mente conceitos como: homocentrismo, humanismo, personalismo, existência, liberdade, paixão, autenticidade, engajamento, angústia, sofrimento, morte e outros.
Vamos, porém, às sementes históricas do Existencialismo e a alguns presumíveis precursores. A primeira sementinha de Existencialismo, poderíamos localizá-la em Sócrates. Os filósofos pré-socráticos estavam preocupados com os fundamentos do universo físico: o cosmos. Sócrates inverte o vetor da filosofia para dentro do homem. Toma, como preocupação máxima de sua reflexão, a expressão gravada no frontispício do Templo de Delfos, o célebre princípio: “conhece-te a ti mesmo”. Mais importante que o conhecimento do universo é o conhecimento do homem, base de todo o humanismo. Está criada a antropologia - a parte da filosofia que trata do homem.
De Sócrates, damos um salto de mil anos. No século IV/V, vamos encontrar Santo Agostinho. Neste grande filósofo platônico, vamos encontrar vestígios de idéias, depois contempladas pelo Existencialismo. O Existencialismo dá muita importância às paixões, sobretudo à paixão do amor. Santo Agostinho deixou algumas intuições de grande profundidade psicológica, muitas delas similares aos ensinamentos dos maiores filósofos existencialistas. A propósito do amor e da liberdade, o bispo de Hipona diz: “o amor é o meu centro de gravidade, por isso, continua: ama e faz o que queres... a quem ama, tudo é permitido”. Por ventura, esta linguagem não está na perspectiva de Sartre que, entre outras, afirma: “o homem é o projeto de si mesmo..., o homem será aquilo que ele fizer de si mesmo... a existência do homem está presa no fio da liberdade... o homem é sua liberdade”O certo é que, na visão de ambos, quem vive plenamente o amor, tem direito pleno à liberdade. Paixão e liberdade[1] são referências necessárias quando se fala da filosofia da existência.
Podemos, também, encontrar pálidas cores do Existencialismo em Santo Tomás de Aquino (séc. XII). Na ontologia (metafísica) tomista, a primazia cabe à existência: é a partir dos indivíduos existentes que formamos as idéias representativas das essências (FOULQUIÊ, 1975 : 47). Ainda mais, corrigindo Aristóteles, o grande filósofo medieval vai dizer que não tem sentido se falar em ser, sem se falar no existir. O ato não se concretiza com a forma, mas sim com o existente.” Sem dúvida, as essências preexistem em Deus. Mas todo o ser dessas essências baseia-se, por sua vez, no Supremo Existente, de modo que a existência retoma a prioridade”. (idem, ibidem).[2]
Apesar de religiosa, a Reforma protestante (séc. XVI) veio reforçar e exacerbar o caráter individualista do Cristianismo romano, doutrinando que a salvação é um negócio particular entre a pessoa e Deus, e que “individualidade é uma forma preciosa de realização da essência humana”. Reforçando esta idéia da Reforma, Kierkegaard vai colocar o seguinte: Em todo o gênero animal, a espécie é a coisa mais elevada. O individualismo é o que continuamente surge e desaparece. É uma realidade precária. Só no gênero humano, devido ao Cristianismo, o indivíduo é mais elevado que o gênero”.
Para Kierkegaard (lembrando Sócrates), o indivíduo não se repete, é “uma pessoa única, condenada a ser ela mesma”. (GADOTIl, 1992 : 159 e 176).
Nesta linha de conexão, rumo ao Existencialismo, não podemos esquecer René Descartes (séc. XVII). Este filósofo, embora pai do Idealismo moderno, ajudou a alargar o caminho existencialista. O seu “Penso, logo existo”, por caminhos diferentes, aponta para o sentido principal da filosofia da existência: a valorização do homem. Se minha existência (e a experiência do mundo) depende de meu pensamento, conclui-se que eu não sou capacho do mundo, mas ser fundante do mundo. Não foi em vão que os filósofos contemporâneos de Descartes recolocaram no horizonte de suas preocupações a célebre divisa de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”.
Outra semente de Existencialismo, vamos encontrá-la em Bras Pascal, discípulo de Descartes. Contrariando “o espírito geométrico” do mestre, Pascal opõe “o espírito de finesa”. Critica o racionalismo matemático de Descartes, como incapaz de resolver o problema da vida que, sendo espiritual, não é passível de matematização” (PADOVANI & CASTAGNOLO, 1984 : 491). É de Pascal também a célebre definição: “O homem é um caniço pensante”. Definição que, embora idealista, irá reforçar as pretensões de Kierkegaard[3], o mais importante filósofo dinamarquês de todos os tempos: o homem como cabeça pensante do universo.
Encontramos semente do Existencialismo em todos os seguidores do chamado Nativismo. Nativismo (no plano gnosiológico) ensina que as pessoas já nascem com algumas idéias - as idéias inatas. Dentre estes filósofos, vamos citar somente dois: Descartes que ensinou que o homem já nasce com idéias (as idéias primárias) e Leibniz (1646-1716). Este último interessa-nos mais de perto.
. Leibniz ensina que a mente é uma entidade, não impelida por acontecimentos externos ocasionais, mas propelida pela meta, a longo prazo, de sua própria perfeição última. Para este filósofo, o organismo é autopropelido. A tradição leibnitziana... sustenta que a pessoa não é uma coleção de atos. Para Leibniz, o conhecimento é derivado de dentro; o homem é um gerador de informação[4]. A mente é ativa e livre de causalidade; a eficácia causal em comportamento é atribuída à evolução da pessoa (MILHLLAN & FORISCHA, 1972 : 32-33).
Mais semente de Existencialismo, encontramos em Kant (1724-1804), que desenvolveu as idéias de Leibniz. Na Crítica da Razão Pura, Kant insiste que este mundo ordenado provém da mente e não da realidade externa. A ordem do universo é produto da mente humana (idem, p. 36). Ainda mais, Kant ensina que, no conhecimento, o homem reveste a realidade com as categorias criadas pela mente (são doze). Sendo assim, tiramos aquela mesma conclusão a propósito da posição de Descartes: favorecer a importância do homem no concerto do universo.
Estamos no meado do século XIX. Na marcha do Existencialismo, emerge uma figura sem par, o sétimo filho de uma humilde família evangélica dinamarquesa. Seu nome é Sõren Kierkegaard (1813-1855). Suas preocupações são tão originais que muitos pensadores, entre outros, Paul Foulquié, consideram-no pai do Existencialismo. Kierkegaard insurge-se não só contra o formalismo cristão, mas, sobretudo, contra o racionalismo extremado de Hgel e o objetivismo positivista de Augusto Conte. Hegel, como bom idealista[5] que é, ensinou que tudo proveio (pelo processo dialético) da Idéia eterna e absoluta (inclusive o homem). “O ser humano é uma fagulha desprendida da Idéia” (realidade suprema). No mundo, esta fagulha absorve-se no Estado como a gota d’água no oceano. No processo dialético, não é o homem a síntese final, mais perfeita (imagem de Deus) na marcha da criação, mas, sim, o Estado. Sendo assim, o homem não passa de uma peça na máquina estatal. Está sempre a serviço do Estado, esse Leviatã insaciável que, se não devora, ao menos, massifica os homens. Pois bem, é contra essa massificação, contra essa antropologia massificadora, alienadora e despersonalizante que se insurge Kierkegaard. É preciso, diz ele, recusar a tentação de fundir-se na massa, de ser alguém pelo número. É preciso romper esse enorme abstrato, que é o povo, e rompê-lo com o indivíduo”... A multidão é uma abstração e não tem mãos; cada indivíduo que foge à busca de um refúgio na multidão, foge covardemente de ser indivíduo... O indivíduo é a categoria através do qual têm que passar o tempo, a história, a humanidade (PEREZ, 1988 : 227-228)
O Positivismo de Augusto Conte, por caminho diferente (plano gnosiológico e não metafísico como em Hegel) provoca também a angustia do pensador dinamarquês. Dentro do Realismo do qual o Positivismo é tributário, o conhecimento é sujeito/objeto. Segundo Conte, nesta relação, o objeto é tão soberano e impostor que ele acaba sufocando o sujeito, anulando assim sua personalidade. O homem é obrigado, gnosiologicamente falando, a engolir o objeto.
Contra esta aberração, levanta-se Kierkegaard e proclama que o homem, por ser a imagem de Deus, é o senhor da realidade e não seu servidor. O mundo foi criado para o homem, e não o homem para o mundo. “Para Kierkegaard, a existência individual, humana é irredutível à lógica; de fato, ela é particular, enquanto o objeto do pensamento é universal. O homem está em contínuo devir; não é perfeito, mas está em contínuo aperfeiçoamento” (MONDIN, opus cit, p. 196).

Características do Existencialismo
As características fundamentais do Existencialismo são as seguintes:
a) Pontodepartidaantropológico. O Existencialismo não está preocupado com o ser, a não ser quando se exprime fenomenologicamente[6], como veremos. Só nesse sentido, a metafísica lhe interessa. À maneira de Sócrates, a reflexão filosófica inicia-se pelo homem e centraliza-se nele mesmo;
b) A subordinação da essência à existência. O homem não é concebido como um ser natural completamente configurado em sua essência desde o nascimento, mas como indivíduo que, existindo, gera a própria essência por meio de sua liberdade. O Existencialismo defende, portanto, que a existência precede à essência - isto no ser humano. Sartre, assim, explica: “primeiro, o homem existe; depois, ele definirá o que vai ser: isto ou aquilo”. E continua: “o homem é o projeto de si mesmo”. Explicação: “Projetar é, ao inverso do determinismo, fazer depender o presente do futuro, definir o presente pelo futuro, definir o que é a partir do que não é” (DARTIGUES, 1973 : 107). Com isto se quer dizer que o homem é responsável sobre o que vier a ser. A única coisa que lhe foi dada e sobre a qual, naturalmente, não tem responsabilidade é a existência. “Existir é sempre assumir seu ser, isto é, ser responsável por ele, em lugar de recebê-lo de fora, como é o caso de uma pedra” (idem, p. 99). Segundo o Existencialismo, todos os homens existem, nem todos são. A maioria dos homens vive de maneira massificada, em contínuo dasman (na linguagem de Heidegger), isto é, de maneira alienada, “pois a massa dos homens concentra-se nos objetos deste mundo, os quais condicionam sua felicidade” (FOULQUIÉ, opus cit : 41). O homem passa da existência para a essência, do dasman para o dasein pela liberdade, e como a liberdade (segundo o Existencialismo) é ação, diríamos que o homem passa da existência para a essência, pela ação. Como no Pragmatismo, a filosofia da existência subscreve a idéia de que o homem é a “soma de suas ações”. A liberdade é, então, a essência do homem. Como, de maneira lapidar, afirma Sartre: “A essência do homem está suspensa no fio da liberdade”.
c) Integração das paixões as As paixões fazem parte da natureza humana, que deve ser vista em sua totalidade, não havendo nela elementos menos nobres, irracionais, como os instintos, os sentimentos e as paixões. O Existencialismo absorveu integralmente o alerta de Pascal: “o coração tem razões que a razão desconhece”. Não se despreza a razão, só que a potenciação do ser humano não se realiza nela, mas na vida, nas paixões. A razão deve estar envolvida pela trama das coordenadas existenciais;
d) Valorização do sofrimento e da morte. O homem é liberdade; liberdade é escolha; toda escolha é dolorosa; o sofrimento é, pois, uma decorrência da própria natureza livre do homem, de sua situação de escolha. Quanto à morte, pensando nela, o indivíduo evidencia-se, “na mordedura do ser”, como diria Gabriel Marcel (o mais legítimo representante católico do Existencialismo). A massa não pensa na morte, pois é amorfa. Pensando na morte, o homem engaja-se na vida. Sem ela, a vida seria uma mesmice insuportável;
e) Caráter secular da moral.
A moral existencialista é secular (leiga). Seus critérios advêm não da natureza, nem de Deus, mas, sim, da História, justamente, das possibilidades concretas que se apresentam diariamente a cada um de nós. É autêntica a vida (moral) daqueles que sabem traduzir em ação as próprias possibilidades, enquanto que a vida daquele que as esquece não é inautêntica. (MONDIN, 1988 : 173-174);
f) Método fenomenológico do Do método fenomenológico trataremos dentro da exposição sobre fenome-nologia, logo a seguir. Aqui, vamos somente salientar o caráter intuitivo do Existencialismo. Aliás, ao que parece, um dos motivos por que a Filosofia da Existência não ter sido divulgada no século XIX, é o fato de Kierkegaard tentar destruir os métodos conhecidos vigentes na época: a dedução e a indução.[7]

A fenomenologia
Como se lembrou no item anterior, o Existencialismo só começou a ser conhecido a partir do fim do século XIX graças, de um lado, ao vigor e à causticidade do pensamento existencial de Nietzsche[8] (1844- 1890) e, de outro, à criação da Fenomenologia. Nietzsche pode ser conhecido na História como a metralhadora giratória da filosofia; atirou por todos os lados. Não sou um homem, sou um dinamite. Alguns desses projéteis acertaram o alvo. Outros se perderam, fruto, talvez, de uma mentalidade circundante muito preconceituosa.. Particularmente famosa é sua teoria do super-homem, de que os ditadores de plantão vão usar e abusar. Todos os valores – diz Nietzsche - devem ser apreciados e transvalorizados, desde que favoreçam o poder e a força. A potenciação do ser humano não está na razão, mas na força. A finalidade da vida é produzir o super-homem.
O que mais interessa, entretanto, aqui, é ressaltar a importância da Fenomenologia na cadeia de transmissão do Existencialismo.
A Fenomenologia foi criada por Edmund Husserl (1859-1938). Ao fazer isto, Husserl pensava estar criando uma filosofia. Entretanto - segundo a maioria dos pensadores - não se tratava bem de uma filosofia, mas de uma metodologia filosófica que, aperfeiçoada pelos filósofos do “entre guerras”, se tornou o método adequado do Existencialismo[9]. Com isto, a filosofia de Kierkegaard pôde ser conhecida. Agora tem um método. Mas, o que é mesmo fenomenologia? ainda mais, o que é Fenomenologia na perspectiva dos filósofos da década de 20/30/40?
Para entender melhor a Fenomenologia (filosofia?), mister se faz retroagir no tempo, até o filósofo Davi Hume (1711-1776), o controvertido criador do “fenomenismo”. Davi Hume, levando às ultimas conseqüências as teses do Nativismo e do Ambientalismo, conclui que tudo se reduz a imagens ou representações, surgidas com o impacto da realidade externa sobre nossos sentidos externos. Pois bem, o entendimento do que seja “fenomenismo”, ajudar-nos-à a entender o que é Fenomenologia. Se o primeiro é o impacto da realidade nos sentidos externos, o segundo se pode considerar o impacto da realidade externa em nossa consciência (“sentidos internos”).
É bom lembrar que, pelo exposto no cap. VIII, a expressão “sentidos internos” tinha sido usada por Aristóteles, para justificar as atividades da consciência (gnosiológica), como: inteligência, memória, imaginação, fantasia, etc.
A estrutura fundamental da Fenomenologia é a intencionalidade. A intencionalidade (estrutura da Fenomenologia) é tão importante que é por ela que o homem é homem e o mundo é mundo, visto não existir consciência vazia. Toda consciência é consciência de... (alguma coisa). Descartes equivocou-se, ao querer provar a existência do pensamento puro. Nunca se pensa o nada. Quem pensa, pensa alguma coisa, diz Husserl. A palavra “intenciona-
lidade” vem do verbo latino “tendere” = tender. É da própria natureza o sujeito tender para o objeto, como o objeto tender para o sujeito; esta tendência - intencionalidade – é a espinha dorçal da fenomenologia. A relação entre sujeito e objeto é tão íntima que um não pode existir sem o outro. Se objeto não passar pelo crivo da intencionalidade, é como se ele não existisse, o mesmo se diga do sujeito. É por isto que Heidegger poderá, depois, dizer: sem homem não há mundo e sem mundo não há homem. O para si é o homem, o em si é a realidade externa. Sem o o para si não existiria o em si e vice-versa.
Segundo o Existencialismo, a realidade existe. Só que ela não tem sentido, se não passar pelo crivo da consciência. Esta é que lhe dá legitimidade.
Fora da consciência, nada.
A propósito, alguns versos ilustrativos da canção do poeta cearense Gilvan Chaves:

“Vento que balança as palmas do coqueiro
Vento que encrespa as águas do mar
Vento que assanha os cabelos da morena
Me traz notícia de lá.
...................Vento diga por favor
Adonde se escondeu o meu amor”.
Estes versos ilustram as pretensões do Existencialismo de integrar as paixões, os sentimentos do ser humano. O amor, centro de gravidade do ser humano, portanto, sua dimensão fundamental, não está fora do ser humano, mas dentro dele. Não é isto mesmo que quis dizer quando afirma que o homem é o lugar de desvelamento do mundo? “Vento que balança” só tem sentido quando entra em meu espaço de vida, mostrando o essencial do homem. Por outra, o homem só tem sentido (essência) quando atingido em sua consciência pelo “vento que balança as palmas do coqueiro”. É neste sentido que Heidegger afirma: “Sem homem não há mundo e sem mundo não há homem”. Repetindo, é passando pelo cadinho do coração humano que a realidade adquire sentido.

Antropologia existencialista
Explicitamente, pelo menos, deixa de lado a metafísica, ou melhor reduz o ser metafísico, simplesmente, ao ser do homem que é o lugar da eclosão do ser metafísico (no caso o cosmológico).
Ao apontar as características do Existencialismo, configuramos a imagem de homem de acordo com esta filosofia. Só vamos ratificar e complementar o que foi dito acima (letra b). O ser que vamos educar ainda não é, está sendo; inicialmente só possui existência, devendo, portanto, passar da existência para a essência. Temos diante de nós um projeto de homem, que ainda não é, mas só existe; é a incompletude perfeita. O ser humano só passa da existência para a essência pelo exercício da liberdade, mas essa só se manifesta na ação. Por isso, podemos dizer que o homem não só é liberdade, mas também, como afirma o Pragmatismo, ele é ação, melhor dizendo, é “a soma de suas ações”, como já se disse neste capítulo. Por isso, o ser humano não sofre a história, ele constrói a história. Ele é a entidade pela qual “tem que passar o tempo, a história, a humanidade”. Para o Existencialismo, o ser humano não é um espelho da realidade, como ensinam as filosofias realistas, mas ele é doador do sentido, do significado da realidade. O desenvolvimento deste projeto referido acima será auxiliado pelo processo educacional.

Gnosiologia existencialista
O Existencialismo não dá muita importância ao conhecimento do mundo externo. O que interessa é aquele conhecimento exigido pela intencionalidade (ver conceito de intencionalidade no item fenomenologia). Se a realidade não passa pelo cadinho da consciência, inútil se torna todo o esforço para conhecê-la. Girando tudo em torno do ser humano, não havendo mundo sem homem, devemos conhecer o mundo externo somente quando tal conhecimento nos ajuda a conhecer a nós mesmos. Assim, o objeto do conhecimento não passa de uma referência. Quanto ao conhecimento do mundo externo,
... suas verdades particulares não são senão aplicações e figurações de uma verdade de conjunto, que é uma verdade humana, a verdade do home para o homem possível, respeitar os programas. Mas as verdades particulares ... não são senão aplicações e figurações de uma verdade de conjunto, que é uma verdade humana, a verdade do homem para o homem. A cultura não é senão a tomada de consciência, por cada indivíduo dessa verdade que fará dele um homem... A verdade é, para cada um, o sentido da sua situação. A partir de sua própria situação em relação à verdade, pode-se despertar... as pessoas para a consciência da verdade particular de cada um (GADOTTI, 1992 : 168-169).
No bojo do Existencialismo vai nascer o Construtivismo na linha piagetiana ...
O ser humano não recebe o conhecimento, ele o constrói mediante as pessoas e o mundo.
Afinal, o que importa mesmo não é o conhecimento, mas a auto-realização no plano do ser mais, mais indivíduo, mais pessoa, centro de interesse do universo, ou como ensinou Carl Rogers, atingir a “congruência”, isto é, o fato de o ser humano estar de bem consigo mesmo, com o outro e com Deus. Naturalmente, para que isto aconteça, é necessário algum conhecimento do mundo, já que, o inverso, também, é exigido, pois sem mundo não há homem.
Também é necessário lembrar que o Existencialismo, uma filosofia da ação que é, exige o engajamento, exige o “dasein” (o estar sempre presente). Exige atuação nos movimentos históricos e sociais, que venham suscitar o crescimento da personalidade.
Pelo colocado até agora, deve-se notar que o Existencialismo é muito crítico a propósito da especialização; ela diminui o homem. “O especialista é uma criatura de seu conhecimento, não é o criador dele, nem seu mestre” (KNELLER). Entretanto não se trata de desprezar a especialização, que é necessária, mas os estudos especializados devem estar juntos com os estudos das ciências humanas, e a especialização deve ser humanizada. O homem deve ser o senhor de sua especialização.
Nem é preciso lembrar que o método a ser seguido é o fenomenológico, pois, como já foi categorizado por Kierkegaard, estão descartados o método da indução e da dedução.

Ética existencialista
Sobre a Ética existencialista, que é sempre pro-ativa, voltada para o futuro, vamo-nos ater ao pensamento de Heidegger e de Sartre.
Heidegger (1889-1976), de nacionalidade alemã, é considerado por alguns como um dos maiores filósofos do século XX. Apesar de não se considerar existencialista, não há como fugir desta impostação.
Na seqüência de Kierkegaard, ele vai afirmar que Platão e Aristóteles escamotearam a filosofia desviando-a de seu rumo certo. Divergindo, entretanto, do criador do Existencialismo (que não deu importância à metafísica), ele coloca esse desvio à custa do esquecimento do ser (portanto, da metafísica). Heidegger era obcecado pela “esseidade”[10] das coisas. “Para ele o ser está em tudo”.
Como vemos, Heidegger teve o grande mérito de, ao lado de Sartre, recuperar a metafísica tão desprezada pela filosofia moderna, inclusive por pensadores de cunho existencialista. Sua principal obra Ser e Tempo tem como subtítulo Uma Ontologia do Ser.
Fixado na questão do “ser”, insiste ele que toda pessoa deve se preocupar com esta questão (do ser) para que se possa resolver o contencioso da existência. Nesta linha de pensamento, ele inverte o famoso aforismo de Descartes: em vez de “penso, logo existo”, apresenta a seguinte versão: “existo, logo penso”. Assim, a existência do indivíduo humano é a matriz e motor de tudo.
Um troféu que deve ser lembrado em Heidegger é a questão ecológica. Foi o primeiro filósofo em toda a História a levantar a bandeira de ecologia. Para isto cria a “filosofia do cuidado”, proclamando o homem “pastor do ser”. Em Heidegger já se começa a levantar uma ponte de ligação entre o eu e o outro. Começa-se a quebrar o individualismo exacerbado pelo Existencialismo até então.
Aterrissando no campo preciso da antropologia e da ética, Heidegger vai categorizar que o ser humano deve ser “dasein”, expressão alemã que significa “estar aí”, ser engajado nas lutas do mundo, em contraposição ao “dasman”, que significa ser alienado, massificado, não estando “nem aí” para com o que acontece no mundo. Afinal, o ser humano é liberdade, mas essa só se corporifica pela ação.
"Do sentido que o ser humano imprime à sua ação, decorre a autenticidade ou a inautenticidade da sua vida. O indivíduo inautêntico é o que o que se degrada, vivendo de acordo com verdades e normas dadas; a despersonalização a faz mergulhar no anonimato, que anula qualquer originalidade. É o que Heidegger chama de ‘mundo do “man”[11] ...e que designa a impessoalidade: come-se, bebe-se, vive-se como todos comem, bebem e vivem. Ao contrário, a pessoa autêntica é aquela que se projeta no tempo, sempre em direção ao futuro. A existência é lançar-se contínuo às possibilidades sempre renovadas, (ARANHA & MARTINS, 2005 : 356).
Vê-se que, para Heidegger, o imoral, o antiético é não lutar para se sair da inautenticidade, da massificação que prende o ser humano ao passado. O ser humano existe para ser: passar da existência para a essência. Existe para ser “dasein”, “ser si mesmo”.

Sartre (1905-1980), filósofo, romancista de renome e teatrólogo, é um dos maiores pensadores e escritores franceses de todos os tempos. O ser e o nada, uma portentosa obra de mais de setecentas páginas, foi lançada em 1943.
O ser do homem se reduz a um projeto. Nasceu para a liberdade (que só se consegue com a ação). Textualmente, afirma: “o homem é o projeto de si mesmo”. De início ele não é nada. Só será com a concretização desse projeto.
O fulcro da antropologia sartreana é o constructo da liberdade. “A vida humana está presa no fio da liberdade”. Só é homem quem é livre. Quem escolhe, pois liberdade é principalmente escolha, como se verá logo abaixo.
Sendo o homem liberdade, a viga mestra da Ética sartreana é a liberdade. Ele próprio diz: “O conteúdo{da moral} é sempre concreto e, por conseguinte, imprevisível; há sempre invenção. A única coisa que conta é saber se a invenção se faz em nome da liberdade”.
Por ser nada, o homem tem toda a amplidão do tempo e do horizonte para ser livre. Por isso, está ele sempre condenado a ser livre. Liberdade é escolha. Escolher é dificílimo. É terrivelmente angustiante. Entretanto, o ser humano está obrigado a escolher. É seu destino inarredável. Para ilustrar sua tese, Sartre refere o seguinte: Quando os alemães invadiram a França na Segunda Grande Guerra, havia um rapaz que fora convocado para a guerra, entretanto, ele era filho único, arrimo de sua mãe, e esta se achava gravemente enferma. O rapaz, então, entrou num quadro de angústia insuportável. Afinal, a qual mãe ele deveria socorrer, sua mãe biológica, quase à morte, ou sua mãe maior, a Pátria ameaçada?
Para Sartre, o antiético, o imoral, o grande pecado, é se recusar a escolher, pelo que, ele se torna responsável. Aquele que recusa a liberdade, torna-se “safado”, “sujo”... pois, nesse processo despreza a dimensão do “para si” e torna-se “em si”, semelhante às coisas. Perde a transcendência e reduz-se à facticidade[12].
Esse comportamento de recusa da liberdade, para viver o conformismo e a “respeitabilidade” da ordem estabelecida e da tradição, essa recusa a criar seus próprio valores é uma atitude imoral, antiética.
Ao ser acusado de individualismo, por defender a tese de que o homem é responsável por sua existência, Sartre defende-se:
... E quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável por sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens[13]... Assim, a nossa responsabilidade é muito maior do que do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade. (SARTRE apud ARANHA & MARTINS, 205 : 358-359).

O respeito às normas também não deve ser descartado. A propósito, Kneller afirma: “Nenhuma pessoa responsável permanece estranha às normas. Mas a ordem inerente numa norma genuína jamais se converte em máxima, e sua realização jamais se converte em máxima, e sua realização nunca se converte em hábito.” (KNELLER,p.88-8).
Com Kant, Sartre vai propor que ao seguir normas recebidas, eu devo encarna-las como se fossem cridas por mim.

Crítica à filosofia existencialista

Crítica positiva
Em um mundo de tantos formalismos, de tantos convencionalismo, de tantos legalismos, de tantos tradicionalismos, enfim, de tanta subserviência e mesmice, só mesmo batendo palmas para o Existencialismo. O indivíduo é o embrião da sociedade.
O Existencialismo tem o mérito de ressaltar os problemas vivenciais e profundos do ser humano. Proclamando a irredutibilidade do ser humano à matéria, as análises psicológicas e fenomenológicas, os exames das relações interpessoais desenvolvidos pela filosofia da existência ampliaram, admiravelmente, o conhecimento do homem. O Existencialismo é, deveras, uma filosofia muito simpática.

Crítica negativa
Vamos começar com a crítica de Mary que lamenta o fato de o Existencialismo dar pouca atenção à pesquisa científica: “... o estudo objetivo e científico, o alcance de feições concretas da realidade foram descuidadas na ênfase ao elemento tíquico e às questões pessoais e afetivas” (RANGEL, 1988 : 33).
Embora seja uma crítica contundente às filosofias essencialistas, o Existencialismo não chega ao cerne do grande problema que é a divisão de classe, a concentração de renda, a subordinação imperdoável ao capitalismo selvagem. Ainda é uma filosofia burguesa, avessa à utopia da igualdade social. Naturalmente que Sartre, a partir do fim da Segunda Guerra, vai tornar-se uma exceção. Diante dos horrores da guerra, vê-se obrigado a mudar alguns conceitos de Ser e o Nada. O outro já não é mais o inferno. É alguém sobre o qual eu tenho responsabilidade. A guerra o levou a incorporar a filosofia marxista.
Outro aspecto, a nosso ver ainda pior, é o fato de o Existencialismo colocar no horizonte da humanidade somente o indivíduo – não é o caso de Sartre. A sociedade não parece contar nos devidos termos. Se hoje vivemos um individualismo desbragado, o Existencialismo não pode se isentar de culpa nesta questão.
Querendo reagir contra o objetivismo da Filosofia Positivista, o Existencialismo acaba criando a figura do ego inflacionado, conseqüência direta também da máxima de Protágoras que coloca o homem como medida de todas as coisas O Existencialismo leva ao exagero esta máxima. O que interessa é o eu: primeiro, eu; segundo, eu; terceiro, eu. O protótipo do ser humano passou a ser Robison Crusoé, isolado em sua ilha; ou Rapunzel, alteando-se em sua torre, bem longe deste “vale de lágrimas”, onde quase a metade dos seres humanos vegeta na fome, na intempérie e na escravidão.
Falha que pode ser corrigida pelo endosso da Filosofia Dialética que será estudada no no próximo e último capítulo.

[1] O tema da liberdade é tratado com profundidade em nosso livro Dialética - A Terceira Via da Educação: de Heráclito a Paulo Freire.
[2]Rever este assunto no cap. 08
[3] Notar que Kierkegaard e Nietzsche, as duas maiores expressões do Existencialismo no século XIX,
não são fenomenólogos, mesmo porque a fenomenologia só vai ser enaltecida no século XX.
[5]Sobre Hegel, sugere-se rever o cap. 07
[6] No Existencialismo, a fenomenologia substitui a metafísica ou ontologia
[7]Descartadas a indução e a dedução, não resta à epistemologia senão o recurso à intuição que o povo não entende bem. Sugere-se rever o cap. 03.
[8] Friedrich W. Nietzsche (1844-1900) é alemão. Seus pais eram pastores protestantes. Como estudante, começou pela filologia. Motivado por seu contemporâneo Shopenhauer, embrenhou-se totalmente no campo da filosofia. Teve como preocupação básica a crítica – crítica impiedosa à civilização ocidental, principalmente à filosofia que, a partir de Sócrates, segundo ele, não passou de ideologia do poder dominante; crítica à massificação, à visão de mundo burguesa, ao conservadorismo cristão, que, para ele, era um moral de rebanho. Segundo Cotrin, p. 281, Nietzsche identifica três períodos na marcha ideológica do Ocidente. Tais períodos podem ser definidos pelas seguintes fases: * “Tu deves “: período do domínio da moral e da religião. Nesse período, o homem tem a ilusão de estabelecer verdades definitivas; * “Eu quero”: período da decadência do mundo do dever e da ascensão da vontade. É o declínio dos valores supremos estabelecidos no período anterior. Nessa etapa se insere o próprio Nietzsche, dada a potenciação do homem que ele coloca não na razão, mas na vontade de potência. Apesar de seu niilismo, de ser uma metralhadora giratória, ele acreditava na vontade humana e em sua capacidade de produzir valores “afirmativos” da vida; * “Eu sou” : período que corresponderá a uma nova relação do indivíduo com a sua existência.
Depois de ser acrimente criticado, sobretudo pela Igreja, Nietzsche está sendo reabilitado por expressivos filósofos atuais, como Deleuze, Guattari e Michel Foucault, certamente o mais importante deles. Hoje Nietzsche tornou-se uma referência no mundo filosófico do Ocidente.
[9] Como se diz, juntou-se a fome a com vontade de comer: a criação do método fenomenológico veio de encontro à descoberta da filosofia da angústia; as guerras trouxeram muita angústia; então se uniram as duas coisas. A feno-menologia tem agora uma filosofia – o Existencialismo e este tem a-
agora um método. Assim, o Existencialismo vai nadar de braçada por mais de três décadas.
[10] Esseidade é a qualidade especial que faz de um objeto um ser, qualidade escanteada pela filosofia
ocidental a partir de Platão
[11] A expressão usada é “das man”
[12] Já sabemos que o “para si” é o ser humano e o “em si” é o ser coisa.
[13] Aqui Sartre aproveita elementos da filosofia do cuidado proposta por Heidegger.
[16] Ver, no cap. 07, o Idealismo Platônico e o de Santo Agostinho.
[17] Vimos que a filosofia realista, apesar de ser uma reação ao platonismo, acaba inserindo em sua te-
mática, várias idéias dos idealismo platônico, e esta de que as idéias estão nas coisas, é uma delas. Quanto ao fato de, nas filosofias realistas, o objeto se sobrepor ao sujeito, é só reler a referência sobre a física aristotélica, revisitada pelo Positivismo.
[18] “Conhecer é poder”, disse Francis Bacon. Quem conhece pode tudo. Ai de quem desrespeita o
conhecimento; a história está repleta de guerras e tragédias provenientes desse desrespeito.
[19] Devemos nos libertar da prepotência da razão, mas isto não nos dá o direito de fazer dela um zero à esquerda.
[20] O termo substância é a categoria que sustenta a realidade, sem ela, a realidade deixa de existir, por isso, substância e essência se equivalem.

[22] Platão, distinguindo “ser“ substantivo (categoria fundamental) de “ser” verbo de ligação esta afirmação.
152 Este outro pode ser o mundo físico ou o mundo social.
153 e 154 A realidade existe fora do homem, mas só tem sentido através do homem e pelo homem, seja, só existe a realidade que interessa ao ser humano (realidade para mim): só existe mundo quando ele é subjetivado pelo homem e só existe homem quando ele é objetivado pelo mundo. Este mundo pode ser físico ou social.

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