quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA (CAP. 04)

CAPÍTULO 04

A crítica é o sal da filosofia. Como o sal que não salga é inútil,também inútll é a filosofia que não critica (Geraldo)

CARACTERÍSTICAS, CONCEITUAÇÃO E DIVISÃO DA FILOSOFIA
Filosofia não é um conhecimento qualquer. Não é uma tribuna livre onde se chega e se dizem coisas de somenos, sem coerência e sem consistência. Ela é detentora de “status” próprio, de individualidade diferenciada. Drapeja em seu mastro um pavilhão de características. Característica é um sinal ou conjunto de sinais que diferenciam as coisas ou os conhecimentos. Características da filosofia são, pois, aqueles sinais que a diferenciam dos outros conhecimentos. As três primeiras características: totalidade, radicalidade e criticidade são primordiais e de importância tão grande que podemos considerá-las verdadeiras dimensões da filosofia. A seguir, relacionaremos as principais características da filosofia, com os respectivos e devidos comentários:
Totalidade - Esta característica expressa o desejo profundo do ser humano de ter uma visão de conjunto da realidade. Não se trata de o filósofo conhecer especificamente todos os aspectos da realidade, mas de ter uma visão de conjunto, uma visão onímoda. O todo ou o global, é Morin, p. 37 quem diz: “ é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional... O todo tem qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes, se estas estiverem isoladas umas das outras... Marcel Maus dizia: ‘É preciso recompor o todo’. É preciso efetivamente recompor o todo para conhecer as partes”. Na mesma página, Morin cita Pascal: “...considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo...” E continua Morin na mesma página:
“...tanto no ser humano quanto nos outros seres vivos, existe a presença do todo no interior das partes: cada célula contém a totalidade do patrimônio genético de um organismo policelular; a sociedade, como um todo, está presente em cada indivíduo, na sua linguagem, em seu saber, em suas obrigações e em suas normas.Dessa forma, assim como cada ponto singular de um holograma contém a totalidade da informação do que representa, cada célula singular , cada indivíduo singular contém, de maneira ‘hologrâmica’, o todo do qual faz parte e que, ao mesmo tempo, faz parte dele.”
Radicalidade - Também é uma aspiração do ser humano chegar à raiz das coisas, não se contentando com a periferia ou superfície das mesmas. Ser radical é proceder como a raiz de uma árvore com sua haste principal e robusta caminhando para o centro da terra, mas sem abandonar suas ramificações, pois estas são partes e complemento daquela. Voltando ao exemplo da medicina, ela não está, de maneira geral, preocupada em ir à raiz da doença que, muitas vezes, está ligada a uma crise existencial que, não solucionada, impede qualquer cura puramente biológica. Vê-se que radicalidade é uma virtude; não é um vício a ser evitado, portanto; ao contrário de radicalismo ou de sectarismo que são vícios: ambos são um caminhar e um agir com olhos vendados, não raro, dando murro no escuro. Criticidade - Esta característica é tão íntima da filosofia como a semente é íntima da fruta; em parte já tratamos dela no capítulo 02, e dada sua importância e suas implicações, será ela objeto de um estudo à parte no capítulo seguinte. Engajamento - Graças às críticas de Marx e suas invectivas contra a filosofia tradicional, que só levava a pensar o mundo, sem preocupação de transformá-lo, hoje se insiste nesta característica: o engajamento. Filosofia já não é mais “aquilo com qual e sem o qual, fica tudo igual a”. Ela carrega, no mundo contemporâneo, um forte apelo de transformação da realidade - uma filosofia da práxis. Vê-se que esta característica só se tornou explícita a partir de Marx, e sua importância cresce cada vez mais. Subjetividade/intersubjetividade - Seja qual for a filosofia que se tenha, ela é sempre a manifestação da subjetividade - um conhecimento que, mesmo se relacionando com o mundo objetivo, tem claramente sua matriz no sujeito que conhece. Não confundir subjetividade com subjetivismo que não tem nenhuma relação com o mundo externo. Assim, o sujeito torna-se o único padrão, paradigma ou baliza de julgamento. Ele é a referência de si mesmo. É o que em psicologia se chama “sujeito inflacionado”. Ah! Também é bom notar que, pelo mesmo motivo, subjetividade nada tem a ver com o viés do” achismo”, com “opinionite”, expressões que não têm guarida no cenário filosófico. Quanto à intersubjetividade, devemso lembrar que não se faz filosofia isoladamente, pelo menos, no mundo de hoje. Ela se faz dialogicamente em comunidade de pensamento.[1]
Teoria - Ainda que, a longo prazo, a filosofia seja o único conhecimento capaz de salvar o homem na “ corda-bamba” da vida, da hecatombe universal - tendo, portanto, uma finalidade prática - ela é um conhecimento teórico: sua matéria prima são as idéias, melhor expressando, as dúvidas, os problemas, como veremos logo abaixo.
Dúvida - Dúvida é a suspensão do juízo diante de duas afirmações (ou proposições) correlatas. A partir de Descartes, começou a crescer a convicção de que a finalidade da filosofia não era a posse da verdade, mas sua busca e que, para isso, nada melhor do que empregar-se o método da dúvida que o próprio Descartes se encarregou de criar ou aperfeiçoar[2]. Temos duas espécies de dúvida. Dúvida comum - absoluta - que é a dúvida do ignorante - nesciente - e a dúvida metódica, que é a dúvida de quem sabe; sendo um recurso estratégico para aprofundar o conhecimento da realidade. Esta última é que foi crida por Descartes, na seqüência de Santo Agostinho.
Numa linguagem rigorosa, podemos dizer que a dúvida, o problemático, é, à primeira vista, a matéria prima da filosofia.
Com a palavra o prof. Lipman:
“...a filosofia se ocupa com conceitos essencialmente contestáveis. A filosofia é atraída pelo problemático, pelo controverso, pelas dificuldades conceituais que se escondem nas frestas e interstícios de nossos esquemas conceituais. Não é que os filósofos estejam inclinados a celebrar apenas essas dificuldades e não fazer qualquer esforço para removê-las, propondo esclarecimentos e elucidações. É que, simplesmente, eles reconhecem tais esforços como inerentes ao sisifismo: o problemático é inesgotável e se reafirma, desumanamente, quaisquer que sejam nossos esforços.
A filosofia investe contra o problemático, como a mariposa é atraída pela chama, ou como o combatente se lança à jugular de seu oponente. Não é incomum, observar filósofos, procurando suas próprias jugulares. O significado dessa procura pelo problemático é que gera pensamentos. (LIPMAN, 1990 : 51-52).
Assim procedendo, está a filosofia realizando um dos impulsos fundamentais do ser humano, que é o impulso da curiosidade, e também está realizando uma de suas dimensões fundamentais, que é a radicalidade.
Intuição/dedução - Intuitivo é o conhecimento que se faz num relance, sem intermediação, sem interferências; ele se dá sem raciocínio; em oposição, dedutivo é o conhecimento raciocinado, intermediado; faz-se por inferências que se tiram de princípios gerais.
A filosofia é um conhecimento que nasce das intuições de princípios que, submetidos ao raciocínio dedutivo, chegam a conclusões - nunca dogmáticas, mas passíveis de dúvida, de problematização.
Compreensão – A filosofia compreende. Ver o que foi escrito a propósito no cap. 02, item 06 e no cap. 03, p. 48 quando tratamos da característica da “Compreensão”
Sistemática - A filosofia é sistemática. A Filosofia não é um “eu acho que” ou um “eu gosto de”. Não é pesquisa de opinião, à maneira dos meios de comunicação de massa. Não é pesquisa de mercado, para conhecer preferências dos consumidores e montar uma propagan-da.
As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático. Que significa isso? Significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou idéias obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige a fundamentação[3] racional do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas. Não se trata de dizer “eu acho que”, mas de poder afirmar “eu penso que”.
O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático, porque não se contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas entre si, esclareçam umas às outras, formem conjuntos coerentes de idéias e significações, sejam provadas e demonstradas racionalmente.
... a Filosofia opera sistematicamente, com coerência e lógica, que tem uma vocação para formar um todo daquilo que aparece de modo fragmentado em nossa experiência cotidiana. (CHAUI, 2006 : 21).[4]
Interdisciplinaridade[5] - A filosofia é interdisciplinar, ela é necessária para se pensar as outras disciplinas.
O problema atual – diz Lipman – não está bem na expansão da ciência em suas especializações, o que é louvável, mas no fato de estas perderem seu
...invólucro filosófico que as manteria unidas. Quando uma disciplina imagina que sua integridade repousa em livrar-se de suas considerações epistemológicas, metafísicas, estéticas, éticas, lógicas, é que se torna meramente um corpo de conhecimento e procedimentos alienados...
O que está surgindo agora é que o pensamento está se tornando o fundamento do processo educacional e que a educação construída sobre qualquer outra fundação... será superficial e estéril”... a filosofia precisa deixar de ser um assunto de universidade e tornar-se uma matéria da escola primária – uma disciplina cuja tarefa é preparar os estudantes a pensar nas outras disciplinas. (LIPMAN , 1990 : 52)
E continua Lipman na p. 55:
... é da própria natureza da filosofia transcender os pontos de vista das disciplinas específicas, ser interdisciplinar e, ainda, ter um senso global de proporção que a coloca numa posição melhor, para formular aqueles objetivos: (...) quando os especialistas em educação e os representantes das disciplinas tentam formular os objetivos da educação, só podem fazê-lo tornando-se filósofos.
Os dias atuais caracterizaram-se como a era dos especialistas. O problema da especialização do mundo científico é que ela conduz a uma pulverização do saber, à perda da visão mais ampla do conhecimento humano.
Nesse sentido, o filósofo francês contemporâneo Georges Gusdorf adverte:
O especialista do tipo tradicional é caracterizado por uma restrição mental sistemática; ele se acantona no domínio estreito que escolheu, e esforça-se por acumular o maior número possível de informações (...) concernentes a uma zona precisa e delimitada.
Nesse contexto, a filosofia passou a ter o papel, entre outros, de recuperar a unidade do saber, de questionar a validade dos métodos e critérios adotados pelas ciências. Isto é, passou a desenvolver o trabalho de reflexão sobre os conhecimentos alcançados por todas as ciências, além da procura de respostas à finalidade, ao sentido e ao valor da vida e do mundo”. (COTRIM, 1997, : 51).
Coerência - Se há um ramo do saber que deva ser coerente, este é a filosofia. Tanto isto é verdade que, quando se pergunta o que é necessário para ser filósofo, umas das principais idéias que nos vem à mente é que se deva ter coerência. De fato, é isto que se nota nos grandes filósofos. Por exemplo: Platão ensinou muita coisa que hoje julgamos absurda. Entretanto, há algo que não se pode negar em Platão: sua coerência inquestionável.
O que é coerência? Coerência é a característica de, colocando-se determinados princípios - premissas - tirar-se conclusões pertinentes. O povo entende isto muito bem quando diz, por exemplo: “quem semeia vento, colhe tempestade”.
Para ilustrar o que seja coerência[6], apresentamos a seguinte metáfora colocada por Cirne-Lima:
A filosofia é um grande jogo de quebra- cabeça. No jogo de quebra-cabeça, temos que encaixar cada peça com as pedras vizinhas, de modo que os contornos de cada uma coincidam com os contornos das peças vizinhas, formando uma imagem. O jogo de quebra-cabeça consiste em inserir peça por peça, uma na outra, com ajuste perfeito de contornos, até que todas as peças estejam corretamente colocadas e a imagem final, coerente e com sentido, ficando visível. Se faltam peças, o jogo não foi jogado até o fim. Se faltam peças, o jogo foi desfalcado e a imagem final ficará incompleta... Se jogarmos até o fim, e se o jogo não estiver desfalcado de peça, todas as peças estarão, então, devidamente encaixadas, não faltarão peças, não sobrarão peças, e a imagem global estará clara e visível”. (CIRNE-LIMA, 1996 : 12-13).
Auto-correção – Diferentemente de outros seguimentos do saber, a filosofia é auto-crítica, ela se corrige a si mesma. Ela provoca sempre o eterno retorno, não dos fatos, mas dos problemas; encarna perfeitamente o Mito de Sísifo[7]. Nunca chega à posse da verdade.
. Ao final da exposição de algumas características da filosofia, temos que lembrar que não se trata bem de aprender filosofia, mas de se educar filosoficamente, e educar-se filosoficamente consiste em a pessoa encarnar estas características. Exemplos: uma pessoa que só critica quando tem critérios ou uma utopia[8] na cabeça, esta é uma pessoa educada filosoficamente.
Uma pessoa que só faz generalizações fundamentadas (conhecimento), esta é uma pessoa educada filosoficamente.
Uma pessoa que examina a realidade, o fato, de todos os lados, esta é uma pessoa educada filosoficamente.
Uma pessoa que não se contenta com as aparências da realidade, com seus efeitos imediatos, esta é uma pessoa educada filosoficamente.
Uma pessoa que distingue as coisas, que não mistura, por exemplo, alho com bugalho, gato com lebre, direita com esquerda, etc, esta é uma pessoa educada filosoficamente.

Conceituação e divisão da Filosofia[9]
Ao longo de seus quase três mil anos, várias tentativas de definição de filosofia têm surgido. Inventariadas essas definições, conclui-se que elas não são unívocas - sentido único - também não são equívocas - sentido completamente diferente. Afinal são definições analógicas. Em parte, diferem e, em parte, se assemelham-se. A filosofia continua um termo polissêmico.
Para conceituar filosofia, a História muito nos ajudará.
O documento mais antigo que menciona a palavra, em sua forma verbal, é a passagem de Heródoto - século V a.C. - em que narra o encontro de Sólon com Creso, rei da Lídia. Assim o rei saudou o ateniense: “A fama da tua sabedoria chegou até mim e soube que tu, filosofando, visitaste grande parte do mundo para observar”.
Vemos que a expressão “para observar” encerra a explicação da palavra “filosofar”. O que torna Sólon um filósofo é a circunstância de viajar, não como um comerciante, ou um guerreiro que tem em vista objetivos exclusivamente práticos que se enquadram no patamar do útil externo, mas o fato de ser ele um observador. Tucídides e Isócrates (século V a.C.) usaram a palavra “filosofia”, para significar uma cultura geral, teórica, em oposição a uma cultura teórico-prática, que é própria da linguagem científica.
A seguir, damos a palavra ao tribuno e filósofo Caio Túlio Cícero - aquele mesmo que ensinou que a História é “a mestra da vida”.
Confesso - diz Cícero - que o nome ‘filosofia’ é moderno. Afirmo, todavia, que a coisa ‘filosofia’, que este nome significa, é muito antiga ... Este nome chegou até a época de Pitágoras. Tendo vindo - Pitágoras - a Fliunte, ali discutiu douta e longamente com Leonte, príncipe dos Fliaseus. Admirado por seu engenho e eloquência, Leonte perguntou a Pitágoras que arte professava.
(Pitágoras) respondeu-lhe que não sabia ciência alguma, mas que era filósofo. Ante a novidade do nome, Leonte admirado, perguntou-lhe quem eram os filósofos, e qual a diferença entre eles e os demais homens.
Respondeu-lhe Pitágoras: A vida humana se assemelha a uma feira, das que se realizam na temporada dos jogos, com grande aparato de todos os helenos. Pois nela encontramos três tipos de pessoas: uns, com exercícios de seus corpos, buscam a glória e a beleza; outros, a ela vêm em busca de ambição e dinheiro, o que conseguem através de compras e vendas; outros, enfim - de mais nobre e generosa linhagem - nem buscam dinheiro, nem aplausos, nem lucro, mas a feira visitam apenas para ver e considerar o que lá se faz e de que modo. O mesmo acontece conosco: à maneira dos que vêm à cidade para uma célebre feira, também nós que viemos a esta vida e que somos descendentes de uma natureza superior (assim nos dividimos): uns servem à glória; outros, ao dinheiro; e são muito raros os que - entre os homens - desprezando todas as coisas humanas dedicam-se ao estudo da Natureza.
Estes se chamam estudiosos da sabedoria, ou - o que é o mesmo – filósofos, e, assim, como em uma feira, é mais nobre e liberal a contemplação isenta de lucro; assim na vida, a contemplação e o conhecimento das coisas está muito acima de todos os outros empregos da atividade”. (LATERZA, 1971 : 114-115. V. I).
Muito nos ajudará a entender o que é filosofia a metáfora do quebra-cabeça apresentado por Cirne-Lima já exposta no, páginas atrás, quando, a propósito das características da filosofia, falamos da coerência
Definição de Filosofia
Para definir filosofia, talvez, melhor mesmo seja adotar uma posição negativa: é dizer o que não é filosofia. Depois de inventariar essas negatividades, o que restar é filosofia. Vamos lá: filosofia não é mito[10] (este é arquitetado somente pela fantasia); filosofia não é religião, o instrumento desta é a fé nas verdades reveladas, ao passo que a filosofia se baseia na razão; Filosofia não é ciência (de que será tratará no cap. 04); filosofia não é história, mas reflexão sobre o sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e compreensão do que seja o próprio tempo; filosofia não é ideologia[11] (de que se tratará no cap. 05).
Quem sabe, podemos agora, numa atitude positiva, apresentar uma ou outra definição de filosofia: A primeira definição formal de filosofia foi dada por Aristóteles: “ciência dos primeiros princípios e das primeiras causas”. Esta definição se tornou superada com o advento da ciência no período da Renascença. É a ciência que trata das causas. Já vimos no capítulo 01, que podemos continuar usando a definição de Aristóteles, desde que entendamos a palavra “causa” como sinalizadora de sentido, de significado.
Até o século XIX, as definições de filosofia seguiram univocamente a definição de Aristóteles, que era baseada no princípio de identidade e na imobilidade do real.
A partir dessa época, ressaltando-se cada vez mais a historicidade e sendo o engajamento considerado uma das características da filosofia, começaram a aparecer outras definições ou tentativas de definição.
A seguir relacionamos algumas dessas definições, lembrando que todas elas se referem à filosofia no sentido estrito: “Sistema lógico de idéias e conceitos, acerca da natureza, da sociedade e do homem, e do lugar deste último no mundo, tornando-o apto a assumir uma atitude diante dele”.
“ Esforço sistemático e crítico que visa a captar a “coisa em si”, a estrutura oculta da coisa, e descobrir o modo de ser do existente[12].
“ Esforço racional para conceber o Universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido”.
“ Visão de mundo para a ação”.
“Conquista da situação em que nos encontramos”.
“Disciplina que nos prepara a pensar outras disciplinas.”
“Exame auto-corretivo dos modos alternativos de dizer, fazer e agir”.
“Porta-voz e consciência de uma época”.
Encerrando este item, é bom lembrar que todas estas definições são falhas. Aliás, devemos reconhecer que a filosofia é indefinível, pois definir é colocar limites. E a filosofia não tem limites. Seu limite é a vida, é a História - um mar sem fim.

Divisão da Filosofia
Para se dividir a Filosofia, tem-se de levar em conta os diversos aspectos, sob os quais se faz a divisão:
1 - Aspecto Histórico
Sob este aspecto, a Filosofia Ocidental se divide em:
a - Filosofia clássica
b - Filosofia medieval
c - Filosofia moderna[13]
A filosofia moderna pode se dividir em filosofia mecanicista (que é estática, nada muda) e filosofia dialética (que vê a realidade com sendo dinâmica), como veremos no Apêndice).
A filosofia clássica estava preocupada na solução da antinomia “Uno x Diverso”.
A filosofia medieval estava preocupada em resolver a antinomia “Fé x Razão”.
A filosofia moderna assume a missão de desfazer equívocos provenientes da instituição e crescimento das ciências particulares: intuição versus dedução e experiência versus experimentação[14].
A filosofia clássica e a medieval tem uma visão estática da realidade, em que pese a posição diferenciada de Heráclito, Sócrates, Platão, Abelardo e outros. A realidade não muda em sua substância. A mudança, quando acontece, é acidental. Já a filosofia moderna aceita que a realidade é dinâmica. Tudo muda, também na substância. Como
nem todos concebem o movimento da mesma forma, temos que fazer uma distinção na Filosofia Moderna. Uns filósofos são mecanicistas, outros são dialéticos.[15] Os primeiros concebem o movimento em sua forma retilínea, provocado por um agente externo (Deus ou a natureza). Os segundos acham que o movimento é provocado por um agente intrínseco, endógeno, chamado contradição. A contradição não é só uma característica do movimento, mas é sua própria substância. A contradição é o motor do movimento.[16]
2 - Aspecto Metodológico
Método, em filosofia, é um caminho que sempre tem um ponto de partida, ainda que nem sempre sinaliza um ponto de chegada. Assim sendo, dividir a filosofia, sob o aspecto métodológico, é apontar seus pontos de partida:
Idealismo se denomina a filosofia que tem seu ponto de partida nas idéias. Há várias espécies de Idealismos, dependendo da localização das idéias. Assunto a ser estudado no Cap. 07.
Realismo é a filosofia que coloca o ponto de partida nas coisas presentes aqui do mundo - ver como será analisado no cap. 08.
Tomismo é a versão realista da Baixa Idade Média, construída por Santo Tomás de Aquino.
Empirismo é a versão do Realismo no século XVII, construída pelos filósofos ingleses.
Positivismo é a versão do realismo no século XIX, construída por Augusto Conte - ver capítulo 09.
Existencialismo. Esta filosofia se contrapõe a todas as outras, também por um problema de origem. Enquanto todas as outras (como se viu na Introdução deste ensaio) colocam a essência antes da existência, o Existencialismo começa tudo com o existente. Primeiro as coisas existem, só depois elas são.O Existencialismo se divide em dois seguimentos:
Pragmatismo que tem como matriz a ação do homem. Esta filosofia, própria dos norte-americanos, não parte das essências, mas restringe tudo à existência da ação do homem. A essência não é importante. Ver cap. 10[17].
O Existencialismo propriamente dito tem como ponto de partida o ser existente, como se verá no cap. 11.
Dialética que será estudada no cap. 12, parte da matriz da motricidade do real.
3 - Aspecto temático
O homem é um ser condicionado - imprintado, diria Popper - para conhecer.
O conhecer - repitamos - é uma conseqüência do ser. Com efeito, como colocar o ser a serviço do homem, de maneira correta e não devastadora, como, não raro, acontece com a tecnologia, se não conhecemos o substrato da realidade, os fundamentos do real. Como, por exemplo, colocar a eletricidade corretamente a serviço do homem, se não conhecemos a natureza da eletrostática. Como colocar corretamente o ar a serviço da navegação se não conhecemos a natureza da aerodinâmica.
Sendo assim, a primeira parte da Filosofia só pode ser a Metafísica, teorizada por Aristóteles e denominada por ele de filosofia primeira, a que trata do ser. Ainda que alguns pensadores modernos e contemporâneos repilam a metafísica, é Ghirardelli quem afirma, todo filósofo, queira ou não, acaba se envolvendo com problemas metafísicos. Há dois problemas clássicos, diz ele, que ainda pertencem ao campo da metafísica. Um deles é a discussão dos universais/particulares; outro, é o da relação corpo/mente. As perguntas, a seguir, são de ordem a metafísica: “O que há na realidade que é conforme aos conceitos universais?” “Como se formam os conceitos mentais em nossa mente? (Ghirardelli, 2005 : 37). - Gnosiologia. Até o tempo de Kant, gnosiologia ( do grego gnosis = conhecimento) foi o único termo a ser usado para designar esta parte da Filosofia que trata do conhecimento. Daí para diante, começou a ser substituído pela palavra “epistemologia”, criada por Kant, para designar especificamente a reflexão sobre o conhecimento científico - a Filosofia da Ciência. Com o passar dos anos, porém, esta palavra lentamente começou a substituir aquela, e toda a teoria do conhecimento. Hoje se usa indistintamente, uma ou outra. Observe-se que estamos tratando de epistemologia como a parte da filosofia que se refere ao conhe­cimento - Teoria do Conhecimento - e não epistemologia como ciência particular que, segundo alguns, foi criada no século XX e já adquiriu maturidade científica.
- Axiologia. A axiologia (do grego axios = valor) é o termo que se presta a designar o valor da pessoa e das coisas. É a filosofia dos valores. Evidentemente, não se trata de valores comerciais e nem diretamente de valores de uso. Trata-se, isto sim, do valor das coisas, enquanto ajudam o ser humano a se realizar como pessoa, isto é, como flor da criação, como endereço necessário e absoluto de toda a natureza cósmica, como caixa de ressonância do universo, como sujeito histórico, crítico e participativo. Daqui se percebe que o termo valor está ligado à questão dos direitos e deveres.
Levando-se em conta que o homem é um ser multifacetado, multidimensional, de múltiplas determinações, como teremos a oportunidade de expor neste livro, é fácil perceber que a axiologia tem um vasto e multicolorido campo de reflexão, acarretando, assim, uma grande variedade de seguimentos e divisões.
O seguimento que trata das ações que respondem aos impulsos primários/sociais do ser humano - ações entre pessoas - chama-se Ética,[18] que é o dever de agir corretamente diante das pessoas. O bem do outro, seu crescimento, principalmente, no nível do ser mais... gente... mais... pessoa, é o critério substancial e absoluto da Ética. Esta palavra vem de ethos que, no grego arcaico, significava “casa” (onde todos vivem ou deveriam viver fraternalmente).

O seguimento que trata do valor das ações sobre a realidade - física - atendendo aos impulsos da reprodução da realidade e da criatividade, chama –se Estética que é o dever do trabalho material ou mental, único meio de transformar este mundo e colocá-lo a serviço do ser humano - dever de trabalhar, transformar, criar ou reproduzir corretamente este mundo.

O seguimento que trata das ações que respondem aos impulsos políticos de governo[19] e organização social da humanidade chama-se Política, que é o dever de governar corretamente[20].

O seguimento que trata das ações que respondem aos impulsos primordiais do ser humano em sua vocação de igualdade de defesa dos direitos e da consciência jurídica dos deveres chama-se Jurisprudência, que é o dever de julgar corretamente.

O seguimento que trata das ações que respondem ao impulso, também social, de ajudar o ser humano em seu processo de “hominização”, isto é, de alcançar a plenitude da vida terrena, denomina-se Pedagogia, que é o dever de educar corretamente.
Como se pode notar, a filosofia, pelo menos, no nível do conhecer e no nível do valer, é claramente útil, pois normatiza, nem que seja à distância, as ações que, indiretamente, são vitais para uma sobrevivência plena e digna do ser humano.
[1] Diálogo aqui não é uma conversa macia, pacífica; como ensinou Paulo Freire, o diálogo deve ser conflituoso, pois, sem conflito não se chega a um consenso, a uma síntese consistente e profícua.
26 Historicamente sabemos que o método da dúvida já estava insinuado por Santo Agostinho, quando
este afirmou: “Se duvido, penso”
[4] Na 13ª ed. M. Chauí trata deste tema na p. 21
[5] A bem da verdade, como aliás já foi colocado, a filosofia é essencialmente transdisciplinar, pois ela
além da disciplina, visa o que está acima da disciplina
[6] È bom lembrar que coerência perfeita só se pode encontrar nos deuses
[7] Zeus condenou Sísifo a rolar uma pedra morro acima, quando a pedra estava quase chegando ao
topo do monte, ele exausto não a sustentava e ela rolava ao pé do monte, tendo ele começar tudo de
novo. Assim procede a filosofia que recebendo tranco de toda parte, não consegue chegar ao cume
da verdade.
[8] Estamos nos referindo á utopia que, tendo em vista, algumas mediações, tem possibilidade de se realizar, e não de “utopismo” que, não vislumbrando nenhu­ma mediação, não se pode realizar.
[9] Ver na Introdução a 1ª nota de rodapé, a propósito de conceitos. “Filosofia é a disciplina que
[10] Tratamos do mito no cap. 03
[11] Estando a ideologia em tudo, ela está na filosofia, mas não se confunde com filosofia, como veremos
[12] As coisas se definem pela essência que é o modo de ser do existente.
[13]Hoje se começa a falar em uma filosofia pós-moderna que consiste em minimizar o papel da razão.
62 A experimentação se baseia em quantidades, a experiência, não.
64 Segundo a dialética moderna, o movimento se faz à maneira de espiral.
[17]O pragmatismo é, de certa maneira, uma filosofia exisencialista.
[18]Tratamos, mais especificamente, da ética em nosso livro: Dialética - A Terceira Via da Educação: de Heráclito a Paulo Freire.
[19] Segundo Gramsci, na companhia de Aristóteles, todo ser humano nasceu para mandar (para ser político).
68 Segundo o psicanalista Alfred Adler, política é o instinto fundamental do ser humano.

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